Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

O padre Juan Pablo García disse ontem ao clero do sul do país que a Igreja está a viver com o papa Francisco uma nova fase do acolhimento às diretrizes emanadas do Concílio Vaticano II (1962-1965).

No arranque da atualização de bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal que teve início em Albufeira, o sacerdote da Ordem da Santíssima Trindade e professor da Universidade Pontifícia de Salamanca em Madrid, explicou que esta etapa, vivida na atual “cultura da pós-verdade”, se caracteriza, sobretudo, pelo “regresso ao evangelho”. “É uma releitura do evangelho à luz da cultura contemporânea”, sustentou, considerando que “o concílio continua a ser um desafio para a igreja atual” neste momento em que se vive o período designado de “pós-verdade”.

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“A Igreja esteve implicada com a modernidade, com a pós-modernidade e hoje diríamos também com as respostas à cultura da pós-verdade porque esta é a palavra-chave do ano 2017”, destacou, lamentando que esta última designação do tempo atual seja caraterizada pelo insulto e por “difamar com mentiras”.

O teólogo espanhol, que abordou o tema “Vaticano II, sinal de uma Igreja aggiornata, num Mundo em mutação”, disse que o papa Francisco, apesar de não ter participado no concílio, “fá-lo visível” “a partir da sua vida e do seu modo de ser pastor”.

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“O acolhimento ao Concílio Vaticano II e a sua atualidade neste mundo em transformação passa por aceitar que vivemos em crise, não da Igreja mas de Deus”, disse o sacerdote aos cerca de cem participantes daquelas jornadas de formação que se prolongam até quinta-feira, considerando que a crise é também a do homem “porque neste caso é o homem que está doente”.

Neste sentido, disse ser preciso “reconhecer a debilidade da fé de muitos crentes”, da Igreja e das paróquias. “Hoje vivemos, não existencial, mas uma crise eclesial, uma crise de Deus e uma debilitação da vida teologal dos crentes”, observou, considerando ser “muito importante” introduzir o tema de Deus na sociedade atual.

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Por isso, defendeu a criação de “escolas de oração”, de “lugares onde se faça a experiência de Deus através da palavra” e apelou a “uma espiritualidade forte”.

O orador aludiu à necessidade de “recuperar a sinodalidade”, lembrando que o termo “significa caminhar juntos”, ou seja, “com e ao lado uns dos outros” e “não uns em cima e outros em baixo, de forma piramidal”. “A sinodalidade é o contrário de uma Igreja piramidal”, afirmou, explicando que aquele modelo supera o “problema do clericalismo na Igreja”.

Por outro lado, Pablo García destacou que esta fase se caracteriza também por pôr em prática as “exigências do batismo e da eucaristia” que levam a Igreja a “passar de uma vida pastoral de manutenção a uma pastoral missionária”, indo às periferias como pede o papa. “A Igreja converteu-se ela mesma numa periferia e não poderá evangelizar se não se deixar evangelizar primeiro”, advertiu.

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Neste sentido alertou ainda para a necessidade de preparação. “O papa atual insistiu que não quer «príncipes» nem carreiristas na Igreja, mas que a Igreja necessita de pastores com cheiro a ovelha. E eu acrescento: com cheiro a biblioteca, porque sem estudo o cheiro a ovelha não chega. Temos também de parar para estudar. E para podermos ir às periferias existenciais e até periféricas não podemos ir de qualquer maneira”, considerou.

O orador referiu ainda a importância do “pluralismo de eclesiologias”, lembrando que “o contrário da pluralidade é a uniformidade”. “Implica manter a unidade”, observou, acrescentando ser importante que nesta pluralidade exista a “corresponsabilidade de todos” e “predomine a caridade”, tendo em conta que hoje se vive na “sociedade do descarte e dos invisíveis”. “A globalização fez-nos mais irmãos? E o racismo que vivemos hoje? Aqui é que importava a globalização e não somente no dinheiro”, interpelou.

O formador destacou assim a “importância do ecumenismo para a evangelização”, advertindo que a “falta da unidade” entre cristãos “é um obstáculo” àquele objetivo. Lembrando que se está a “matar cristãos porque acreditam em Cristo”, defendeu que “o martírio será o futuro do ecumenismo”. “Há um ecumenismo de sangue e um diálogo interreligioso de sangue”, assegurou, lembrando haver “irmãos cristãos que dão a vida por pessoas que não são cristãs”. Neste sentido, disse que “continua a ser muito importante o diálogo com o mundo”, também ao nível interreligioso.

Lembrando a “importância do laicado” na Igreja e no mundo, desafiou a “superar todo o individualismo da fé e a recuperar a dimensão comunitária da fé”.

Terminou lamentando que não haja “tempo para as perguntas existenciais de hoje”. “Temos de provocar grandes interrogações às pessoas de hoje”, exortou.