As Varas Criminais de Lisboa condenaram ontem 14 arguidos do processo conhecido como “Máfia Bósnia” a penas suspensas até dois anos e meio de prisão, absolveram outros três envolvidos e ordenaram ainda a libertação imediata de quatro presos preventivamente.
Segundo o despacho de acusação do Ministério Público (MP), a que a agência Lusa teve acesso, os 17 arguidos – oriundos de países da ex-Jugoslávia, a maioria de nacionalidade bósnia – “constituíram um grupo criminoso, organizado e hierarquizado, de dimensão transnacional, que se dedicou à prática reiterada de furtos em território nacional, entre 2009 e 2012”, sobretudo em zonas turísticas da região da Grande Lisboa, no Santuário de Fátima, na baixa do Porto, em Braga e no Algarve.
Os arguidos estavam acusados pelo MP de associação criminosa, auxílio à imigração ilegal, burlas, dezenas de furtos qualificados, falsificação de documentos, violência doméstica e maus tratos de menores, entre outros crimes.
O MP acrescentava que a suposta rede criminosa, composta por homens e mulheres do Leste Europeu, viveu durante esses anos exclusivamente dos crimes levados a cabo de norte a sul do país.
Para o coletivo de juízes da 2.ª Vara Criminal de Lisboa, presidido por Ivo Rosa, não ficou provada a maioria dos factos contantes da acusação, tendo os arguidos sido condenados por crimes de menor gravidade como furto simples, falsificação de documentos ou falsidade de depoimento ou de testemunho.
Durante as buscas domiciliárias, as autoridades encontraram 30 crianças indocumentadas, abandonadas e maltratadas, muitas delas usadas pelo alegado grupo na prática dos crimes, as quais foram posteriormente institucionalizadas.
“Não ficou provado que houvesse um grupo organizado, uma associação criminosa ou auxílio à imigração ilegal. Ficaram provados alguns furtos de pequena criminalidade”, sustentou o presidente do coletivo de juízes, que deixou uma crítica à estratégia seguida pela investigação e pelo próprio MP.
“Juntar processos ou apensos só por juntar não é a estratégia correta. Estes tipos de crimes de menor dimensão devem ser julgados individualmente e em processos sumários no Tribunal de Pequena Instância Criminal, de forma célere e rápida. Se queremos mudar este tipo de situações, temos de mudar a estratégia”, alertou Ivo Rosa.
O advogado de um dos principais arguidos, que esteve preso preventivamente cerca de 20 meses ao abrigo do processo – à semelhança de outros envolvidos -, criticou a atuação das autoridades e defendeu a devolução das crianças às respetivas famílias.
“Toda esta acusação/investigação é fundada em pura especulação. Haver apenas indícios não é suficiente para que se mantenha um arguido preso 20 meses. Além disso, foram destruídas famílias. Estão a decorrer em vários Tribunais de Famílias e Menores, que aguardavam o acórdão de hoje, os processos para a devolução dos menores às famílias”, revelou Pedro Proença, à saída das Varas Criminais.
O advogado disse ainda que o coletivo de juízes aceitou como meio de prova a gravação de uma conversa que o próprio manteve com o filho do seu constituinte, na qual o menor diz que foi “forçado e pressionado” a contar a versão das autoridades, para incriminar o pai.
“O tribunal ordenou a extração de uma certidão e o seu envio para o Departamento de Investigação e Ação Penal, para se apurar o que realmente aconteceu”, informou Pedro Proença, que pondera interpor uma ação contra o Estado português junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem por o seu cliente ter estado 20 meses em prisão preventiva e ter sido agora condenado a uma pena suspensa de um ano e quatro meses.