A ultreia do Movimento dos Cursos de Cristandade (MCC) – também conhecido como Cursilhos de Cristandade devido à sua fundação ter ocorrido em Espanha – que se realizou ontem à tarde na Diocese do Algarve, evidenciou São Paulo, seu patrono, como desafiador exemplo para todos os seus casais membros.


O encontro, presidido pelo bispo do Algarve, levou cerca de uma centena de cursistas (ou cursilhistas) algarvios a subir ao Cerro de São Miguel, em Moncarapacho, para escutar, na pequena capela dedicada ao mesmo padroeiro, a reflexão de Jorge Santos, membro do movimento no Patriarcado de Lisboa. “São Paulo é um desafio para os cursilhistas. Tal como São Paulo, o cursista tem de ser um apaixonado pela evangelização. Também o cursista tem de ser um apaixonado por Cristo em todos os momentos da sua vida. Cristo é o centro da vida do cursilhista, uma vida cristocêntrica”, deixou claro o orador como síntese da sua intervenção.

A propósito das viagens missionárias de Paulo, entre os anos 46 e 63, à Ásia menor, concretamente à Arábia, Palestina, Líbano, Síria, Turquia, Chipre e Egito, assim como à Grécia, incluindo Creta, à ilha de Malta, à Albânia, à Macedónia e à Itália, “para anunciar o nome de Jesus”, o palestrante disse aos cursistas que eles são também “enviados a muitos mundos”. “Para nós, cursilhistas, todas as pessoas, de todos os ambientes, são preocupação e terra de missão”, acrescentou, enumerando os “ambientes sociais, políticos, profissionais, o mundo do trabalho, o mundo da arte, dos cuidados de saúde, do desporto, o mundo virtual, os espaços de lazer e de ocupação dos tempos livres, a incontrolável migração atual com as inerentes esperanças e dramas, a constante mobilidade da peregrinação humana e a multiculturalidade”. “Tudo isto são desafios tremendos que se nos levantam. E tanto mais exigente é o desafio de hoje ao Movimento dos Cursilhos quando na sociedade alastra o secularismo, o ateísmo e o apateísmo, isto é, a indiferença religiosa”, acrescentou.

“Sou conhecido como católico praticante no meu prédio, no meu trabalho, no café que frequentou, no meu clube? Se ninguém nota que sou diferente porque sou católico é porque valho muito pouquinho”, questionou, advertindo para o risco de “um cristão apagadinho” que não passa de “um fermento já muito fraquinho”. “Em que estrutura da sociedade estou inserido? Sou voluntário ativo em alguma instituição de solidariedade social? Condivido algo de meu com quem precisa ou sou uma flor sem beleza, sem cheiro, já morta, sem atrair ninguém e que não serve já para nada sem ser para deitar ao lixo?”, continuou, lembrando que o voluntariado exercido deve ser “o da caridade”.

Jorge Santos, que aconselhou cada um, diante das circunstâncias da vida, a interrogar-se o que faria Jesus se estivesse no seu lugar, considerou assim que “um dia sem cuidar do outro, sem melhorar um bocadinho o ambiente, sem falar de Cristo a alguém e sem falar com Ele é um dia perdido”. Neste sentido, lembrou os cursistas que “ser dirigente é ser um homem e uma mulher do sacrário”. “Todos somos capazes de fazer coisas bonitas e sublimes na vida em nome de Jesus Cristo, basta estarmos atentos à sua mensagem, falar menos de nós para falar muito mais dele”, afirmou.

O orador – que percorreu o historial do MCC, começando por lembrar que São Paulo foi declarado seu patrono em 1963 pelo Papa Paulo VI – comparou o acontecimento dos três dias que marcaram a conversão do apóstolo aos de um Curso de Cristandade. Jorge Santos lembrou que o tecelão de tendas, solteiro e celibatário, passou de Saulo de Tarso, “fariseu fanático e defensor zeloso da lei moisaica e das suas tradições”, “perseguidor feroz e exterminador dos discípulos de Cristo” que “sentia ódio e rancor contra a Igreja de Cristo” a Paulo, “pregador” do seu Evangelho, a ponto de constituir “uma das figuras mais importantes e fascinantes do Novo Testamento”.

Recordando que Paulo passou aqueles dias em casa de Ananias, o orador considerou que este lhe transmitiu “as ideias mestras dos «rolhos» (testemunhos) proferidos nos cursilhos: fé em Jesus Cristo, piedade, graça e sacramentos”. “Ananias falou a Saulo sobre Jesus como o Messias, o Cristo, o Filho de Deus e da universalidade da sua mensagem de salvador”, afirmou, admitindo que “deve ter sido intensa e eficaz a formação de Saulo a ponto de sair de lá para o quarto dia completamente inflamado, entusiasmado e cheio de energia para ir para todo o mundo a anunciar o Evangelho de Jesus Cristo”. “Pelo resultado, Ananias deve ter sido um excelente reitor, aliás escolhido pelo próprio Jesus Cristo”, sustentou, evidenciando que “a revelação pessoal de Cristo para Saulo foi um deslumbramento e um assombro, o que implicou uma mudança radical de mentalidade” e o fez passar “por um tremendo e fascinante processo de conversão que culmina com um não menos fascinante assumir da sua missão”.

Jorge Santos lembrou que São Paulo “visitava as comunidades que fundava por toda a parte e escrevia-lhes cartas a confirmá-los na fé, a dar-lhes formação, a corrigi-las, a entusiasmá-las no amor a Jesus Cristo”. “Vivia inquieto por amor a Jesus, pensava como Jesus pensava, falava como Jesus falava, amava como Jesus amava e sonhava como Jesus sonhava. Para ele, viver era Cristo”, completou aquele juiz jubilado, lembrando que “foi preso sete vezes, sofreu tentativas de assassinato, foi espancado, esteve exilado, foi apedrejado, fez longas e desconfortáveis viagens de barco, naufrágios no mar e perigos na terra, sofreu desconfianças e perseguições, até que foi decapitado por amor a Jesus Cristo em Roma, entre o ano 64 e 67, por ordem do imperador Nero, na sequência da falsa atribuição aos cristãos do incêndio da cidade de Roma”.

Mas a reflexão de Jorge Santos realçou sobretudo que “a originalidade da sua ação evangelizadora é que sai do círculo dos judeus e volta-se para os pagãos, os gentios”. “Torna-se o primeiro grande inculturador do Evangelho no mundo greco-romano, no mundo pagão, o mundo dos gentios”, destacou, explicando que São Paulo “internacionalizou a fé cristã” e que sem ele “o Cristianismo seria uma espécie de ramo do Judaísmo”.

O orador considerou ainda serem de São Paulo “algumas das mais belas páginas do Novo Testamento”, concretamente a “Teologia de redenção pela morte e ressurreição de Jesus”, a “doutrina da Igreja como Corpo Místico de Cristo”, “o contributo de cada um na construção da Igreja, através dos seus carismas”, “a centralidade de Jesus Cristo na Igreja”, “a desnecessidade do cumprimento da Torá para a salvação em Jesus Cristo”, “a casa como lugar de culto e de encontro de cristãos”, “o hino à caridade”, “a unicidade da história da salvação e a constância da ação de Deus ao longo da história humana” e “a salvação como dom gratuito de Deus que se alcança pela fé em Jesus Cristo”.

“Perante algumas incertezas próprias do início do Cristianismo, quer no campo teológico quer na praxis diária, que iam aparecendo e causando discussão e opiniões diferentes entre os primeiros cristãos, São Paulo teve de estruturar o pensamento cristão e apontar condutas na vida prática, segundo a fé em Jesus Cristo, e apresentou cuidadosamente as doutrinas cristãs como a natureza da graça, da santificação e da conversão através da história de Jesus Cristo”, acrescentou.

O bispo do Algarve considerou que a conversão de Paulo criou nele “uma disposição para uma abertura da mente e do coração à novidade e ao diferente”. “Deus serviu-se de Ananias para invocar o Espírito Santo sobre ele”, acrescentou D. Manuel Quintas, evidenciando que a descoberta do apóstolo foi a mesma daqueles que se encontram com Jesus. “Amou-me e entregou-se por mim sem eu fazer nada”, concretizou, acrescentando: “Que bom que seria que nos sentíssemos todos estimulados a aprofundar e a conhecer melhor a figura deste grande apóstolo que é contagiante e nos encaminha para Cristo”.


O presidente do Secretariado Diocesano do MCC, por sua vez, considerou que a história de São Paulo “dá ainda mais sentido” ao movimento e “força” ao “quarto dia” (período pós-curso) de cada cursista. Miguel Sequeira pediu aos cursistas que estejam “atentos aos sinais da presença de Deus”.

O primeiro cursilho em Portugal realizou-se em 29 de novembro de 1960 e no Algarve ocorreu a 18 de março de 1964, sendo destinado a homens, ao qual se seguiu o primeiro cursilho de senhoras em abril do ano seguinte.


A tarde prosseguiu com a oração diante de Jesus Eucaristia, orientada pelo assistente espiritual do MCC no Algarve, o cónego Rui Barros Guerreiro, e terminou com um lanche-convívio no espaço exterior de vista aprazível em torno da capela.

O MCC é um movimento eclesial, fundado por Eduardo Bonnin em Palma de Maiorca (Espanha) em 1949, que propõe uma vivência de vida segundo os fundamentos da fé. Depois da participação num curso ou cursilho (termo adaptado do original espanhol) de três dias e meio, onde é feito o primeiro apelo à fé, os participantes são convidados a continuarem a caminhar em grupo, nas comunidades, realizando encontros (ultreias) onde partilham as suas experiências de fé.


