De 5 a 26 de Outubro de 2008, realizou-se, em Roma, um Sínodo, com representantes dos Bispos do mundo inteiro, sobre a Palavra de Deus. Desse Sínodo resultou um conjunto de propostas entregues ao Santo Padre pelos Bispos presentes, para que o Sumo Pontífice lhe desse o destino que melhor entendesse. E ele entendeu que deveria «produzir» um documento sobre essa temática, com o qual nos brindou em 30 de Setembro de 2010. Tal documento tomou a forma de Exortação apostólica e dá pelo nome de Verbum Domini (Palavra do Senhor).

Proponho-me escrever algumas pequenas reflexões sobre estes dois documentos. Nunca será demasiada a abordagem deste tema. Mas, importa ter sempre presente que a palavra de Deus não se escuta só com os ouvidos e a inteligência; importa escutá-la com o coração e amá-la.

1 – A palavra revela a pessoa

Revelar significa tirar o véu, pôr a claro e à vista o que estava oculto pelo véu, antes de ele ser retirado. Deus revela-se pela Palavra. Não apenas pela palavra em sentido estrito, mas pela palavra no seu sentido mais amplo.

Quando dizemos palavra, genericamente, queremos dizer meio humano através do qual Deus, adaptando-se às nossas capacidades de compreensão, entra em diálogo connosco, para nos fazer ter acesso aos mistérios divinos que Ele queira dar-nos a conhecer. «Deus invisível na riqueza do seu amor, fala aos homens como a amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele» (DV2).

Na cultura semita, em cujo seio nasceu a Sagrada Escritura, na qual se contém a Palavra de Deus, a «palavra» é, antes de mais, a expressão da pessoa que a pronuncia! A palavra diz quem é e como é a pessoa que a profere. Poderíamos dizer que, também entre nós, quase dizemos o mesmo ao proferir aquele ditado popular que soa assim: a boca fala da abundância do coração!

Portanto, a palavra diz quem é e como é o homem que a pronuncia. E, se a palavra for palavra de Deus, diz-nos quem é e como é Deus que no-la faz escutar.

2 – A Palavra de Deus fez-se homem (Cf.Jo.1,1.14)

Se a palavra de Deus se fizesse escutar, na sua pura densidade divina, não seríamos capazes de aceder aos seus conteúdos, porque o «divino» transcende as nossas capacidades humanas. Mas, Deus adaptou-se à nossa condição de seres terrenos, ainda que virtualmente divinos, fazendo-se um de entre nós, para que pela sua linguagem humana atingíssemos o que Deus quer dar-nos a conhecer do divino. E isso aconteceu na Pessoa de Jesus Cristo, que, sendo Deus e vivendo, desde toda a eternidade, no coração do divino, se fez homem, no tempo, para experimentar toda a riqueza e toda a pobreza da natureza humana, comunicando com ela de igual para igual. Assim, a partir de Cristo, o divino comunica-se através do humano; a palavra divina faz-se escutar na palavra humana de Jesus. Quem O vê, vê o Pai; quem o escuta, escuta o Pai. Ele é a palavra por excelência! É o Verbo de Deus que se expressa numa natureza humana.

D. Manuel Madureira Dias
*Bispo Emérito do Algarve


O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico