E cá ando eu, mais uma vez, à volta delas, das palavras, tentando dar-lhes, com um novo olhar, um outro "tom", um outro ângulo de profundidade, uma outra linguagem. Procurando fazê-las mais ricas e autênticas, vestindo-as de novidade, se possível, de Boa Nova.
O Pai Nosso é um filão inesgotável de descobertas. Muito embora já tenha falado em "ofensa", "pecado" e "falta", qualquer destas palavras é tão densa de significado que requer ser analisada à lupa do amor. Talvez precisamente por qualquer delas poder ser considerada antítese do amor.
E volto a agarrar a expressão "perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido". Por graça de Deus e com toda a humildade, posso confessar que, ao longo de todos estes meus anos de vida, não me lembro de ter sido ofendido por alguém. Já me tenho sentido magoado e ferido, mas nunca tomei isso como ofensa que tivesse de perdoar. Incomoda-me apenas a incapacidade afetiva do outro. Ora se isto acontece com o mais vulgar dos pecadores (carentes de amor), como é que Deus se poderá sentir "ofendido" com o meu mau proceder?… Ele, que é o Pai de Misericórdia do filho pródigo! Ele, que é o pastor da ovelha perdida! Ele, cujas últimas palavras, referindo-se aos que o pregaram na cruz, foram pedir "Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem!".
Como tive oportunidade de referir numa outra ocasião, esta parte do Pai Nosso já foi rezada doutra maneira, tal como vem mencionado em Mt. 6, 9-15: "perdoa as nossas dívidas como nós perdoamos aos nossos devedores". Mas em Lc. 11, 1-4, vem esta expressão: "perdoai-nos os nossos pecados pois também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende". Aqui, parte-se da positiva de concedermos o nosso perdão a toda e a qualquer pessoa que nos tenha ofendido, quer dizer, que tenha sido injusta ou usado de falta de respeito e de caridade para connosco, que esteja em dívida para com a nossa condição de seu semelhante, seu próximo, e pedimos ao Pai que perdoe as nossas faltas, as nossas carências, invocando a nossa fidelidade aos seus ensinamentos – "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei" – sem ressentimento pelas faltas de amor para connosco, e rogando ao Senhor que aceite esta nossa atitude como penhor do Seu perdão.
Nesta parte da oração, tal como em todo o seu significado, "é sempre em torno da descoberta do Pai que somos colocados (…) o que se pede ao Pai é que seja pai". E isto ajuda-nos a descobrir e a penetrar na essência amorosa de Deus.
Com a resposta dada por Jesus a Pedro, quando lhe disse que não deveria perdoar apenas 7 vezes, mas 70 x 7, quis dizer-nos que Deus perdoa sempre, sem condições, porque o perdão é expressão máxima de amor.
Hoje, um dos maiores desafios feito aos mensageiros da Boa Nova, aos proclamadores da Palavra de Deus (diz o Pe. V. Feytor Pinto) é "a purificação da linguagem e a sua adaptação aos homens do nosso tempo". Porque a Palavra, e o seu sentido mais profundo, são cada vez mais importantes e necessários.