Foto © Samuel Mendonça
Foto © Samuel Mendonça

A coordenadora da equipa de apoio em cuidados paliativos do Agrupamento de Centro de Saúde Sotavento defendeu no passado dia 24 deste mês que em vez da legalização da eutanásia é preciso investir naquela especialidade médica.

Lamentando que 80% dos portugueses não tenham cuidados paliativos, Fátima Teixeira falava no colóquio promovido pelo núcleo algarvio da Associação dos Médicos Católicos Portugueses no auditório do hospital de Faro. A iniciativa, que contou ainda com a participação de José Mário Martins, médico estomatologista e presidente da Associação da Medicina de Proximidade, e do cónego Joaquim Nunes, sacerdote algarvio, procurou fazer uma abordagem médica e religiosa àquele tema.

“Mas por que é que não existe um manifesto a pedir cuidados paliativos obrigatórios a todos?”, interrogou a médica, lamentando a existência do manifesto em defesa da despenalização da morte assistida, assinado por 112 personalidades portuguesas. “Uma sociedade que oferece em primeiro lugar a morte em vez de oferecer o alívio do sofrimento é uma sociedade que tem de pensar duas vezes”, acrescentou, considerando que antes da eutanásia têm que existir os cuidados paliativos. “Os cuidados paliativos são um filtro, mas ele tem que existir e não é o que acontece”, criticou aquela médica com mestrado na área da economia na saúde, assegurando que aqueles serviços “não são caros”.

Lamentando que se esteja a tentar “legalizar a morte a pedido do doente”, aquela profissional de saúde testemunhou que em 10 anos de trabalho nos cuidados paliativos teve apenas cinco pedidos de eutanásia e que nenhum deles foi mantido. “Quando o sofrimento físico é retirado, a pessoa percebe que vale a pena continuar aqui e quer continuar a viver. Na verdade, o que as pessoas me pediam era uma coisa «simples»: o alívio do sofrimento. Na verdade, elas não estavam a pedir para matá-las. Era um pedido de ajuda”, afirmou, garantindo que os cuidados paliativos “conseguem responder ao sofrimento”. “A sociedade precisa saber que existe alternativa para o sofrimento. Por isso, o debate é tão importante”, complementou, reconhecendo que “não é um debate fácil”, mas que “tem de ser feito”.

Foto © Samuel Mendonça
Foto © Samuel Mendonça

Aquela médica destacou mesmo que a decisão não é apenas individual, mas também social porque “a eutanásia é um caso em que a liberdade individual interfere na liberdade coletiva”. “Quando eu legalizo a eutanásia, legalizo o direito de alguém me matar a meu pedido e, provavelmente, a morte de outras pessoas que, de facto, não queriam isso”, advertiu, considerando que haverá “pessoas que vão ser eutanasiadas por pressões da sociedade e da vida” sem que, de facto, queiram sê-lo.

Admitindo haver “sofrimentos de difícil controlo”, Fátima Teixeira adiantou que a percentagem de pessoas que deles padece é de 1 a 3% e que a sedação paliativa existe para estes casos. “Só posso administrar sedação paliativa num doente se tentei todas as possibilidades para o tratamento da dor”, explicou, sublinhando que “a sedação paliativa não é o contraponto da eutanásia”.

A oradora explicou ainda que “a eutanásia não é um ato médico”. “Quando eu administro um fármaco a alguém e esse fármaco lhe provoca a morte, eu não tenho exatamente um ato médico. Por isso, não terá de ser praticado por médicos”, afirmou, lembrando que também o código deontológico não permite que os médicos possam praticar tal ato que “não cabe na filosofia dos cuidados paliativos”. “Cuidados paliativos são sobre vida e a eutanásia é sobre a morte. Nos cuidados paliativos não antecipamos nem prolongamos a morte, por isso os cuidados paliativos têm que estar afastados da eutanásia”, frisou, embora tenha reconhecido que a distanásia – prática pela qual se prolonga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida – “é uma prática recorrente nos serviços de saúde”.