
Temos assistido continuamente à criação e fomentação de um ambiente extraordinariamente adverso aos jornalistas, em particular e aos meios de comunicação social, em geral.
À parte de importantes políticos do nosso país que colecionam “guerras” e, sobretudo, processos judiciais contra jornalistas e jornais, o sinal maior deste intenso clima de guerrilha foi dado pelo Presidente do Sporting Clube de Portugal (SCP) na última Assembleia-geral desta importante coletividade desportiva do nosso país. Bruno de Carvalho “proibiu” todos os sócios e simpatizantes do SCP de ler jornais e de ver televisão, ao apelar para que não assistissem nem lessem nada do que a comunicação social portuguesa publicasse. São as três “famosas” propostas do seu discurso, no qual promete mudar de atitude, mas para isso, e passo a citar, coloca condições: «São três pontos que proponho para que isso aconteça: 1. A partir de hoje não compramos nem mais um jornal desportivo. Inclui aqui o Correio da Manhã; 2. Não vejam nenhum canal português de televisão, a não ser o do Sporting; 3. Que todos os comentadores afetos ao Sporting abandonem de imediato os programas”. Vejam só a Sporting TV, claro. Assim a comunicação social «vai encarar-nos de outra forma», já que «só assim podemos mudar, só assim podemos ser diferentes». Qualquer semelhança entre este apelo e o que se pratica na Correia do Norte não é pura coincidência!
É óbvio que o jornalismo desportivo em Portugal tem demasiada importância. Nem a Inglaterra (o país do futebol) tem três jornais desportivos diários. Mas se eles existem em terras lusas não é por culpa dos jornalistas, é porque há mercado e, logo, porque os portugueses compram jornais desportivos. É claro que o desporto em geral e o futebol em particular assume, nas sociedades mais apolíticas e seculares, o lugar que a politica ocupa sobretudo nas democracias. Este será, ainda, o lugar que a religião ocupa nas sociedades assentes em algum tipo de fundamentalismo religioso. O futebol é a religião e a ideologia desta nova era de desinteresse político e apatia religiosa que se vive no ocidente.
No entanto, se falo deste caso é apenas e só para que possamos analisar o papel da comunicação social, pois parece-me que estes ódios de estimação de clubes de futebol e de políticos se alastram um pouco a toda a sociedade. Os jornalistas são culpados das fugas de informação nos processos em julgamento; são culpados do excesso informativo em relação a alguns temas (veja-se o exemplo dos incêndios ocorridos no ano passado e que todos desejamos que não se repitam); são os responsáveis por se falar de temas embaraçosos e que põem em causa algumas elites, nomeadamente os políticos e os banqueiros. Mas atrevemo-nos a olhar com verdade para o trabalho desta classe profissional e a ver “com olhos de ver” as condições que enfrentam diariamente?
São mal pagos. Podem não acreditar, mas a maioria dos jornalistas não ganha ordenados de estrela de televisão. Recebem, ao invés, na maioria das situações, o salário mínimo ou algo muito perto desse valor. E os seus contratos de trabalho são dos mais precários que existem, com altas taxas de incidência de uso de recibos verdes, para não falar dos inúmeros, imensos estagiários não remunerados, que aceitam passar de redação em redação para “fazer curriculum”, na esperança de poder ficar definitivamente em alguma dessas empresas. Não têm horários de trabalho muito regulares, pois a qualquer momento podem ser chamados à redação para acompanhar um tema da atualidade que não pode esperar. São pressionados de muitas maneiras: pelas chefias, que querem mais e mais histórias; pela concorrência, que os obriga a estar permanentemente em alerta; pelo poder político e pelo poder económico, quanto mais não seja o do patrão, que garante o pagamento do seu ordenado… Os jornalistas não lidam com ferramentas de trabalho comuns, mas sim com ideias, com histórias, com a voracidade e velocidade do tempo, com os egos e com as posições dos protagonistas – como Bruno de Carvalho, que é um exemplo típico do que nos oferece o mundo futebolístico nacional -, com tantas coisas complexas e difíceis de controlar.
São perfeitos? Não, obviamente. Falham como os médicos, os juízes, os políticos, os professores e todos os demais profissionais. Mas são objeto de crítica constante e, no entanto, se pensarmos bem, sem eles teríamos uma sociedade mais transparente?!…. De que falarão os jornalistas e os meios de comunicação se todos os tratarem como o Presidente do Sporting?
Não creio que tenhamos, em circunstância alguma, o direito de coartar a função da imprensa. Numa sociedade ideal, onde todos fossemos justos, respeitássemos o próximo e vivêssemos num verdadeiro espírito comunitário, os jornalistas apenas dariam boas notícias. Até lá, o que veremos espelhado nas páginas de jornais, nas rádios e televisões, nos canais de internet são as nossas próprias obras, contadas com maior ou menor qualidade, por profissionais mais conscientes ou não. Mas são as nossas histórias e o reflexo do que vivemos e fazemos. E se provocarmos guerras, como está a acontecer no mundo do futebol, apenas teremos guerras. E será esse o espelho do que vem ai?!… Desejo, espero verdadeiramente que não.