
A liberdade é uma base essencial para criação e funcionamento de uma saudável sociedade democrática. Por isso, fico assustado quando alguém diz que é necessário colocar limites à liberdade de expressão.
Primeiro, porque revela um profundo substrato não democrático, tapando quem faz uma afirmação dessas com uma fina couraça de um “pseudo democrata”. Liberdade de expressão, sim, pensam, mas acrescentam: só para aqueles que concordam comigo, ou que comungam das mesmas ideias! Discutir, sim, mas dentro dos limites daquilo que são os meus/nossos ideais! Tal situação não me parece razoável, inteligente e, sobretudo, democrática.
Segundo, porque o exercício da liberdade de expressão é o melhor antidoto para descobrirmos onde estão os verdadeiros democratas e onde estão os falsos democratas, onde está o exercício da política ao serviço do bem comum e onde está o exercício da mais pura demagogia ao serviço dos próprios interesses.
Só com uma sociedade onde há uma liberdade de expressão forte e viva podemos conhecer quem comunga verdadeira e sinceramente dos nossos ideais e ideias. Se não houvesse liberdade de expressão nunca Mário Machado, já condenado e preso por vários crimes de racismo e xenofobia, poderia ir à TVI e publicitar as suas estúpidas ideias. Se ele estivesse calado, ainda eu pensava que tinha mudado a sua forma de pensar e não continuava a defender o racismo, ou outros extremismos.
Se não houvesse liberdade de expressão nunca o presidente dos EUA poderia publicitar no TWITTER a construção de um muro na fronteira com o México e as suas ideias contra o enorme movimento de refugiados, que segue rumo ao norte do continente americano e se limita a procurar uma vida melhor.
Se não houvesse liberdade de expressão eu não poderia escrever e publicar este texto, com as minhas ideias e as minhas opiniões.
O problema não é a liberdade de expressão, mas a ausência de contraditório e de uma coerente convicção do que são os nossos ideais e até, do que é verdadeiramente a nossa fé.
Interrogo-me, numa semana em que acabamos de celebrar a Epifania do Senhor, onde Cristo é revelado primeiramente aos gentios, ou seja, à época toda a humanidade ostracizada pela fé judaica, como é possível que sejam, hoje, no tempo presente, maioritariamente os cristãos quem elegeu alguém como Jair Bolsonaro como presidente do Brasil. Ou, mais grave, foram igualmente de forma maioritária cristãos que elegeram Donald Trump, o presidente que acha que é necessário e aceitável um sistema que separa mães e filhos refugiados ou que os liberta somente quando já não tem capacidade para os acolher, colocando-os nas ruas das cidades, sem destino ou sem aviso.
Pergunto-me: será, que nos esquecemos que, precisamente por causa de Cristo, somos herdeiros do maior movimento de refugiados da história da humanidade que foi o Êxodo do Egipto para a terra prometida? Será que nos esquecemos de todas as perseguições que os cristãos são alvos em múltiplos países, neste instante em que escrevo e vós ledes o meu texto? Será que nos esquecemos de que entre os refugidos há cristãos como aqueles que votaram? Será que nos esquecemos que quando houver uma arma por cada pessoa no Brasil serão também cristãos que morrem e que matam?
São estes os ensinamentos de Cristo?!…. É esta a fé que vivemos e professamos?!!!!!!!!!…….
A liberdade de expressão não é um perigo; é, antes, o primeiro sinal para saber a quem devemos ou não seguir e é a enorme, única possibilidade de afirmarmos um pensamento saudável e coerente com as nossas convicções; é um desafio para cada cristão, que não deve temer mostrar o que é, o que pensa, para que a sua voz possa ser maior e mais clara do que as dos radicais e extremistas, que nunca têm barreiras nem medos, nem pudores quando a falar. A liberdade de expressão é a nossa possibilidade de dizermos quem somos e de mostrarmos que vivemos de acordo com o Evangelho. Essencial mesmo é saber que para um cristão o outro nunca é um perigo, mas sinal da presença de Deus num mundo que se quer livre, mas que onde haverá sempre estupidez e de preferência declarada, afirmada, visível, para eu e todos os que acreditamos em ideais e valores mais positivos e condizentes com a defesa da vida e do humanismo não nos aproximemos dela.
Por isso, não procuremos a contradição de querermos uma sociedade livre e justa, mas sem liberdade de expressão. Antes ofereçamos o contraditório, sem medo e com muita alegria, pois falar da justiça, procurar a justiça faz de nós bem-aventurados filhos de Deus.
A todos desejo um ano de 2019 cheio de concretizações, de alegria, de saúde e de capacidade para viver e mostrar que se é um verdadeiro cristão.