O subsecretário do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral (Santa Sé) disse ao clero das dioceses do sul, na atualização que decorreu esta semana em Albufeira, que a “revolução do papa Francisco” “reside na categoria do serviço”.

“Se quiserem saber qual é o coração da reforma na Cúria Romana é esta: o serviço”, afirmou o padre Nicola Riccardi na segunda conferência que apresentou, acrescentando que, “evangelicamente, um serviço requer amor, paixão, empenho, coragem”. “Hoje temos este desafio: servir o mundo porque o mundo é o lugar teológico”, reforçou, lembrando que “não é carreira, é serviço”. “Transportemos esta categoria para a economia, para a política, para a vida civil, para a diocese, para a paróquia, para o mundo e qualquer coisa de maravilhoso nasce”, prosseguiu.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Por outro lado, o orador alertou para o “consequencialismo individualista” que certifica as atitudes de “egoísmo individual”. “A teoria que hoje vivemos diz que o homem deve viver num relacionamento de indiferença”, lamentou, considerando ter surgido “uma nova visão antropológica”, mas que “o homem deve viver partilhando a sua existência e os bens com toda a família humana”. “Fomos criados para partilhar a existência. O problema é que depois o egoísmo fez o homem seguir noutra direção”, lamentou, acrescentando que “da ideia de individualismo e de consequencialismo nasceu uma ética consequencialista, segundo a qual os fins justificam os meios”.

O sacerdote alertou assim para uma “economia individualista e utilitarista”. “A economia que produz riqueza é um meio, mas se mal interpretada pode levar ao fim da existência humana”, advertiu.

O padre Nicola Riccardi disse ainda que o “problema que afeta a Igreja contemporânea” é “viver uma duplicidade espiritual” que separa o “plano da realidade espiritual centrado no crente” do “plano da realidade com a criação e com as criaturas”. “É um único plano”, afirmou, considerando que “a Igreja criou um mundo espiritual destacado da realidade histórica, levando à duplicidade”.

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Neste sentido, alertou que a “economia que mata” – expressão usada pelo papa Francisco – “é a que prescinde desta dimensão espiritual”.

O conferencista alertou também para o “domínio despótico”, atitude que disse nascer da nova “consideração antropológica”. “O homem mudou o entendimento da existência e do que deve fazer”, referiu, considerando que “a dificuldade da Igreja de hoje é porque está diante de uma revolução cultural”. “Não podemos fazer qualquer ação pastoral sem estudarmos a cultura à qual dirigimos o anúncio do evangelho”, aconselhou.

O sacerdote considerou ainda que a Europa vive uma “esquizofrenia”. “Falamos tanto de acolhimento, de solidariedade, mas na questão dos migrantes os países põem barreiras ao acolhimento. Dizemos que desejamos a paz, mas somos pela guerra; dizemos que desejamos a solidariedade, mas somos pela recusa; dizemos que desejamos o acolhimento, mas construímos muros”, criticou.

“Abramo-nos ao encontro. É pelo encontro que passa a bênção, a salvação. A salvação é um bem relacional. Hoje somos ricos de tudo, mas pobres de relações”, concluiu no encontro com 116 participantes da atualização do clero das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal que decorreu de 20 a 23 deste mês.