Iniciada com a conferência do padre João Paulo Quelhas Domingues, reitor do Seminário de Beja, que se referiu a ‘Lucas: o autor, a obra e a sua comunidade’, esta iniciativa promovida pela Diocese do Algarve começou por lembrar que São Lucas terá sido o autor não só do terceiro Evangelho como do livro dos Atos dos Apóstolos (AA). O conferencista considerou que “há coisas demasiado comuns que é impossível não terem saído da mesma pena”. O orador disse mesmo que “os textos têm um plano e as coisas não foram feitas ao acaso”, que “está tudo pensado ao milímetro” e que é um “percurso construído”.

Baseando-se em quatro passagens bíblicas do evangelho de São Lucas e dos AA, o orador evidenciou as personagens tipo, como os centuriões romanos, o “paralelismo entre Jesus e os discípulos” presentes nas duas obras e as “ligações literárias tão profundas”, garantindo que estas mostram, “literariamente e construtivamente”, que os dois escritos estão “unidos”. “Existe como uma estrada contínua entre acções de Jesus (no Evangelho) e as acções de discípulos (no AA)”, afirmou, sublinhando que o “agir salvífico de Jesus continua na história através das suas testemunhas” e que a obra de Lucas quer mostrar que a “acção de Cristo e dos seus seguidores não é uma mitologia inventada, mas real”. “Deus age, conduz e guia a história e Jesus continua agir através daqueles que o seguem”, lembrou.

Considerando Lucas, como “homem culto do qual se diz que era médico” que “era do círculo de São Paulo, da segunda ou terceira geração de cristãos”, o conferencista apontou três correntes para a datação da obra: uma que a coloca por volta do ano 62/63, outra por volta de 70 e a mais adotada pelo “comum dos estudiosos” que a situa entre o ano 70 e 80.

O padre João Paulo Domingues considerou que o “verdadeiro protagonista” de AA é “a palavra de Jesus que se expande” e salientou que a obra de Lucas pretende evidenciar a “universalidade da salvação de Deus”. Segundo o orador o texto de AA tem o objectivo de “dizer que a Palavra é para se espalhar”. “O projecto de Lucas é integrar o Cristianismo entre Jerusalém e Roma, entre o passado e o futuro, entre a tradição particular da fé e a sua abertura universal, entre a promessa e a sua concretização na história”, disse, defendendo que “a história dos AA é a história de hoje”.

Já na segunda metade da manhã, o padre João Paulo Domingues, detendo-se desta vez no segundo tema que lhe foi confiado – ‘«Anuncio-vos uma grande alegria» (2,10): o Evangelho da Infância (Lc 1-2)’ –, defendeu que os quatro primeiros capítulos do Evangelho de São Lucas “estão intimamente ligados” e “são o primeiro bloco”. “Estes têm grandes afinidades com os AA” e procuram responder a respostas do leitor, disse, lembrando que “não há compartimentos na Bíblia”. “A unidade de toda Bíblia é um critério para a entender”, complementou, afirmando que os textos de Lucas “têm fios que se cruzam para construir uma tapeçaria”.

O orador explicou ainda que estes capítulos “são narração do presente com os olhos do futuro que já foi vivido na fé”. “O futuro está já a ser desenhado naqueles textos”, concretizou, evidenciando que “Lucas quer que percebamos que está a acontecer aquilo que tinha sido prometido”. Sublinhou ainda que neste primeiro trecho, que considerou um “hino a Jesus Cristo” estão os “grandes temas” que São Lucas vai desenvolver ao longo do seu Evangelho. O texto “bebe no evento da Páscoa e vai a ela buscar a sua força para que percebamos que o início da vida terrena do Senhor está já projectada”, afirmou.

A terminar lembrou que o Espírito Santo e Nossa Senhora são protagonistas deste bloco. Por outro lado, “Lucas é o único que fala das mulheres na vida de Jesus e do seu papel essencial”, destacou.

O padre Mário de Sousa, segundo conferencista do dia, abordou o tema ‘Vós sois testemunhas destas coisas» (Lc 24,48): do testemunho de Jesus ao testemunho sobre Jesus’, começando por evidenciar que “Lucas narra as obras e os ensinamentos de Jesus”. “Lucas coloca tudo aquilo que Jesus disse no conjunto da sua vida e isto tem uma implicação muito importante para a nossa vida, porque nós não andamos atrás de um livro, ideologia, ou moral, mas atrás de uma Pessoa com tudo aquilo que Ela significa”, disse, garantindo que a evangelista “pretende inserir tudo o que Jesus ensinou, iluminado pela sua vida”. “Foi o que Jesus realizou que constitui o conteúdo principal daquilo que é preciso testemunhar. O conteúdo do evangelho é Jesus”, acrescentou.

O conferencista salientou que “Lucas lança-se na aventura de escrever uma obra que permita receber o núcleo essencial da fé – a morte e ressurreição de Jesus – e sente necessidade, para ser fiel àquilo que aconteceu, de investigar todos os acontecimentos e pô-los por ordem”.

Referindo-se à dimensão do testemunho apostólico, o padre Mário de Sousa referiu que “a preocupação de Lucas é a da Igreja ao longo dos tempos – ser fiel àquilo que recebeu – garantida pela ligação às testemunhas oculares”.

O sacerdote, que justificou que os evangelhos apócrifos nunca foram aceites pela Igreja porque “apenas satisfazem a curiosidade egoísta e não contribuem para a salvação”, mostrou que “desde o início do Evangelho é sublinhada a missão salvadora de Jesus”. “Ligada à salvação está a misericórdia de Deus” como consequência desta, explicou, salientando que “Lucas é considerado o evangelista da misericórdia”, porque relata de forma especial a misericórdia divina para com os homens e por isso envia o seu Filho. Neste contexto, o orador frisou que “Deus, mais do que justo, é misericórdia”.

O conferencista lembrou ainda que “a experiência do amor de Deus é a condição que Lucas apresenta para se perceber o pecado”.

A terminar, justificou que a intenção do evangelista. “Lucas escreve-nos esta obra, a nós que somos os teófilos (amigos de Deus) e testemunha este Jesus que é a presença do rosto, da misericórdia e da salvação de Deus”.

Por fim, evidenciou que, na obra de Lucas, há um “esquema” (itinerário) que é revelado no Evangelho e livro dos AA, que tem início e se conclui em Deus e que o evangelista mostra que a experiência com Jesus “faz-se hoje na Palavra e na Eucaristia”.

As jornadas terminaram com a oração da Lectio Divina do primeiro e segundo capítulos de São Lucas.

Samuel Mendonça

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