JORGE DE SENA, quando em 1959 visitou o Algarve, estando em Faro, em fim de Fevereiro desse ano, em companhia do seu amigo e escritor Erico Veríssimo (1), ficou admirando o poeta Emiliano da Costa, Faro e as ruínas de Milreu, levando consigo, a imagem fotográfica do magnífico busto da romana de Faro.
Na companhia do escritor de “Clarissa”, “Um Lugar ao Sol” ou “Olhai os Lírios do Campo”, que foi o celebrado Erico Veríssimo, lá seguiu para o Brasil, o grande poeta, ensaísta e Professor, Jorge de Sena, o português que estava a mais na sua terra-país.
Nesse ano de 1963, já a leccionar na Universidade de Araraquara – Estado de S. Paulo, Sena, nessa lembrança da Cabeça Romana de Milreu, compôs o poema, que haveria de o incluir no seu livro Metamorfoses – 1963 – Araraquara.
É uma homenagem que, modestamente, faço ao filósofo português, um dos grandes do século XX e autor de uma grandiosa obra, reconhecida mundialmente, desde que, nos Estados Unidos da América do Norte, na Universidade Santa Bárbara, na Califórnia, ganhou toda a projecção.
Assim, sinteticamente transcreve-se um breve excerto do poema:
Cabecinha Romana de Milreu
Esta cabeça evanescente e aguda,
Tão doce no seu ar decapitado,
Do Império portentoso nada tem:
Nos seus olhos vazios não se cruzam línguas,
Na sua boca as legiões não marcham,
Na curva do nariz não há povos
Que foram massacrados e traídos.
E uma doçura que contempla a vida,
Sabendo como, se possível, deve
Ao pensamento dar certa loucura,
Perdendo um pouco, e por instantes só,
A firme frieza da razão tranquila.
Viveu, morreu, entre colunas, homens,
Prados e rios, sombras e colheitas,
E teatros e vindimas, como deusa.
Apenas o não era: o vasto império
Que os deuses todos tornou seus, não tinha
Um rosto para os deuses. E os humanos,
Para que os deuses fossem, emprestavam
O próprio rosto que perdiam. Esta
Cabeça evanescente resistiu:
Nem deusa, nem mulher, apenas ciência
De que nada nos livra de nós mesmos.
Gostaria de ter incluído este poema de Jorge de Sena no meu recente livro Faro-Romana, Árabe e Cristã. A carta de D. Mécia não me chegou a tempo. Mas hoje a homenagem está, singelamente recuperada. Assim, o Algarve, a Governadora Civil e a Directora Regional da Cultura, apoiadas pelas forças dos Deputados pelo Círculo do Algarve (se eles nisso estivessem interessados), conseguissem deslocar de Lisboa, para o nosso Museu Municipal, desde que abalou, indevidamente, para o centralismo do futuro Museu do Algarve, um sonho do arqueólogo Estácio da Veiga que nunca se realizou.
1) Ver livro “Café Aliança – 1908-2008 – Um Século de História da Cidade”, página 53 – Edição Aliança – 2008 – T.N.