Nestes dias, antes do Natal, dei por mim a refletir sobre a forma como encaramos estas festividades. Falamos muito de família, de partilha, de amizade, de solidariedade, mas na verdade, viveremos a fundo esse espírito, que apregoamos com cores e luzes, festas e jantares? Mais importante, ainda: olhamos para nós mesmos para percebermos se falhamos nessa vivência, ou limitamo-nos a apontar o dedo, sem que exista a capacidade de aceitar que ninguém é perfeito e que esse questionamento tem fundamento e deve ser constante?

As respostas a estas questões que fui colocando a mim mesmo foram tendo resposta nas palavras que o Papa Francisco dirigiu à Curia Romana, ou seja, ao Governo da Igreja e do Vaticano, apresentando os seus votos de boas festas.

Dizia o Santo Padre: «O Senhor concede-nos, uma vez mais, a graça de celebrar o mistério do Seu nascimento. Cada ano, aos pés do Menino deitado na manjedoura (cf. Lc 2, 12), temos a possibilidade de olhar a nossa vida sob esta luz especial: não é a luz da glória deste mundo, mas «a Luz verdadeira, que (…) a todo o homem ilumina» (Jo 1, 9). Na humildade do Filho de Deus que desce à nossa condição humana, temos uma escola de adesão à realidade. Assim como Ele escolhe a pobreza, que não se reduz a mera ausência de bens, mas é essencialidade, assim também cada um de nós é chamado a voltar ao essencial da própria vida, para deitar fora tudo o que é supérfluo. Afirma que ao examinar a própria existência ou o tempo passado, se deve tomar sempre como ponto de partida a memória do bem. Só quando estamos conscientes do bem que o Senhor nos fez é que podemos também dar nome ao mal, que praticamos, ou padecemos. Neste sentido, a atitude interior, a que deveremos dar mais importância, é a gratidão. sem a prática constante da gratidão, acabaríamos elaborando apenas a lista das nossas quedas e deixaríamos na escuridão o que mais importa, isto é, as graças que o Senhor nos concede cada dia».

Tais palavras deveriam fazer-nos refletir profundamente, sobre a forma como nos organizamos interiormente, sobre o modo como nos colocamos diante dos outros e de Deus, sem barreiras que turvem a nossa visão. Por isso e considerando esta forma de estar que devemos cultivar, a gratidão, o Santo Padre considera a conversão uma graça que devemos contar entre os benefícios dados por Deus: «Esta nunca é um discurso acabado. A pior coisa que nos pode acontecer é pensar que já não precisamos de conversão quer a nível pessoal quer comunitário. Converter-se é aprender a tomar a sério cada vez mais a mensagem do Evangelho, procurando pô-la em prática na nossa vida. Não é simplesmente manter-se longe do mal, mas praticar todo o bem possível: isto é converter-se! Presumir que já aprendemos tudo faz-nos cair no orgulho espiritual. E assim – como, aliás, já acontecera mais vezes na história da Igreja – também na nossa época nos sentimos, como comunidade de crentes, chamados à conversão. E este itinerário está longe de terminar».

Alerta-nos o Papa, para que «o contrário da conversão é o fixismo, ou seja, a sub-reptícia convicção de não precisar de qualquer nova compreensão do Evangelho. Trata-se do erro de querer cristalizar a mensagem de Jesus numa forma única e sempre válida; ao passo que a forma deve poder sempre mudar a fim de a substância permanecer sempre a mesma». Francisco considera que «o nosso primeiro grande problema é confiarmos demais em nós mesmos, nas nossas estratégias, nos nossos programas. Assim, alguns falhanços acabam por ser uma graça, porque nos lembram que não devemos confiar em nós próprios, mas apenas no Senhor. Algumas quedas, mesmo como Igreja, são um grande apelo a colocar de novo Cristo no centro».

O Papa mostra-nos, nas suas palavras, que «é demasiado pouco denunciar o mal, inclusive aquele que se esconde entre nós», que «na realidade aquilo que conta é realizar mudanças que nos ponham na condição de não mais nos deixarmos enclausurar pelas lógicas do mal, que muitas vezes são lógicas mundanas. Neste sentido, uma das virtudes mais úteis que havemos de praticar é a da vigilância» e salienta que «só a prática diária do exame de consciência é que nos pode fazer dar conta» de que precisamos dessa atitude continua e incessante, primeiro, diante de nós mesmos e, depois, dos outros, para que não sejamos atingidos pela «rigidez e a presunção» de sermos melhores que os demais.

Esta deve ser a atitude do crente, que vive a sua Fé em comunidade, que procura a realização do bem comum como forma de aplicar os valores centrais do Cristianismo. E que é conducente à Paz, uma cultura que «começa no coração de cada um de nós», pondo em prática uma atitude que visa «extirpar do próprio coração toda a raiz de ódio e ressentimento contra os irmãos e irmãs que vivem junto de nós». E que, claro está, também implica o perdão, dizendo Francisco que «Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir perdão. Toda a guerra, para ser extinta, precisa de perdão; caso contrário, a justiça torna-se vingança, e o amor acaba reconhecido apenas como uma forma de fraqueza».

Sugiro-vos a leitura atenta deste texto, que coloca várias questões e muito necessárias. Mas que nos recentra naquilo que é a essência da quadra e que o Papa salienta com veemência: «Que as prendas deste Natal sejam a gratidão, a conversão e a paz»!

Foi este o meu pedido ao Menino, para todos, por todos. Desejo-vos Santas Festas e um ano de 2023 pleno deste espírito.