Padre Miguel Neto

No passado sábado, depois de muitos dias, longuíssimas horas de ansiedade e apreensão, foram retirados todos os corpos dos que faleceram no colapso da estrada que estava localizada em Borba, junto a uma pedreira.

As minhas primeiras palavras e as minhas orações vão, naturalmente, para todos os que perderam familiares neste trágico acidente, neste dramático evento que a todos nós impressionou e marcou. Vão, igualmente, para todas as autoridades e forças de segurança que colaboraram no trabalho de recolha destas vítimas, tão importante. Em muitos momentos puseram, por certo, as suas próprias vidas em perigo, para servirem os outros, para minorarem o sentimento de perda e de impotência que quem esperava tem nestes momentos. O seu esforço deve ser reconhecido e deve merecer uma palavra de agradecimento.

Ao longo destes dias, como todos os portugueses, tenho vivido incomodado com as imagens, com a dimensão do perigo que tantos viveram ao passarem numa estrada que eu mesmo conhecia tão bem! Por ali passei tantas vezes enquanto seminarista que estudou em Évora e já depois disso.

Incomodou-me a sensação de ter tido o perigo debaixo dos meus pés, debaixo das rodas do meu carro, um perigo desconhecido e traiçoeiro, que pelos vistos ninguém “viu”, nem “identificou”.

Agora que todas as vítimas foram recuperadas, temo que comece um outro cenário de horror: a atribuição de culpas e o julgamento público, sem noção clara do que envolve um assunto destes.

Eu nada percebo deste assunto. Não sei qual o processo de decisão que envolve a criação de uma pedreira tão próxima de uma estrada. Não sei quem autoriza, nem quem fiscaliza, nem quem atribui licenças, seja para o que for: para a realização de explosões, para a ampliação dos buracos, para a comercialização dos materiais, para a manutenção de segurança. Não sei se é o governo, se é a Câmara Municipal local, se é outra entidade.

Sei, todavia, que deve haver uma investigação rigorosa e vistos os procedimentos realizados. Não deve ser inútil a morte de tantos que inocentemente usavam essa via de comunicação e conviviam com um perigo que os matou sem saberem que o faziam.

Recordo-me de outro episódio não tão distante assim no tempo: o da derrocada da Ponte de Entre Os Rios.
Após tão triste episódio muitas pontes foram fiscalizadas, muitas interditadas e, na verdade, no tempo presente o que sabemos nós sobre a qualidade das pontes que servem o nosso país? Voltou-se a realizar tal investigação tão profunda e tão responsável, ou o tempo tudo faz esquecer e tudo suaviza?!…

Não gostaria de ver que a “culpa morre solteira”, como se diz popularmente. Não pela sanha de buscar culpados, mas pelo sincero desejo de justiça. Mas mais do que isso: pela necessidade de todos vivermos o mais seguros possível, nos lugares onde habitualmente circulamos e onde fazemos circular as nossas famílias.

Essa investigação deve ser real e visível, mas não deve constituir espetáculo para alimentar os media e os oportunistas, que sempre aparecem. Deve ser justa e honesta, para bem de todos, pois que esta estrada que já não existe e todos os que nela pereceram sejam, um dia, testemunho de que tudo ficou melhor e de que nada acontece sem que se lhe dê um sentido, porque a vida é e deve ser sempre motor de crescimento. Mesmo quando se perde em circunstâncias tão inacreditáveis.