A pergunta sobre o que é que o leva a Taizé todos os anos tinha sido lançada pela organização e o próprio aceitou o desafio de vir responder.
O interlocutor da Comunidade de Taizé com a Diocese do Algarve, que desde 1999 organiza anualmente grupos de peregrinos algarvios àquela comunidade cristã monástica no sul da França, veio à edição do passado sábado da rubrica ‘Partilhas Inspiradoras’, promovida pela paróquia da matriz de Portimão, remeter a resposta para a consideração proferida pelo Papa São João Paulo II quando passou por aquela comunidade ecuménica: «Passa-se por Taizé como se passa perto de uma fonte. O viajante para, mata a sede e continua o seu caminho».

“É isto que me leva todos os anos a Taizé. É ir à tal fonte que João Paulo II dizia”, respondeu João Cabral na intervenção que fez no Centro Pastoral da paróquia portimonense, ressalvando: “Não é só o João Cabral que todos os anos quer voltar a Taizé. É quem lá vai”.
O orador sustentou que precisa de ir anualmente absorver a espiritualidade de Taizé para “carregar baterias, energias” e pensar na sua vida. “Eu cá também consigo pensar, mas lá penso melhor”, acrescentou, explicando que todos os anos tem necessidade de ir ao encontro daquela “experiência de muita simplicidade e humildade” que o marcou a primeira vez que lá foi e também de proporcionar a outros que tenham essa mesma vivência. E que experiência é essa? “É o espírito do Evangelho vivido na sua pureza”, responde João Cabral, acrescentando: “Ali conseguimos captar o tal espírito do Evangelho, no Espírito da reconciliação dos cristãos”.
Mas aquele interlocutor junto da comunidade ecuménica francesa interroga-se porque é que aquela espiritualidade atrai tanta juventude e também adultos e famílias do mundo inteiro. “O próprio irmão Roger [fundador da comunidade] se interrogava porque não percebia porque é que tantos jovens iam a Taizé”, garante João Cabral, considerando que o irmão Roger e os restantes irmãos “não inventaram nada”. “Porque é que tenho de ir descobrir Cristo ressuscitado ou o amor de Deus a um Convívio Fraterno, a um Curso de Cristandade ou a Taizé? Porque é que não o descubro na minha paróquia? Porque não descobrimos isso na nossa comunidade cristã?”, questionou, garantindo não estar “a criticar”, mas “só a constatar”.

Considerando que os irmãos têm uma “liturgia muito rica, com a escuta da Palavra, com cânticos repetitivos em várias línguas e cerca de 7 a 8 minutos de silêncio” que promove a “envolvência toda da comunidade”, João Cabral acrescenta que “quem lá vai envolve-se naquela dinâmica de profundidade religiosa, humana, cultural” e destaca que “é tudo muito simples”. “A simplicidade e a pobreza é o que nos falta na nossa Igreja”, considera, sublinhando a importância do “testemunho”.
Lembrando que o projeto do fundador da comunidade monástica não tinha “nada a ver com o que hoje é Taizé” porque “não passava por acolhimento de jovens, de adultos, de famílias”, mas apenas que os irmãos fizessem os seus votos e vivessem em comunidade, com “as suas orações, a sua vida e mais nada”, João Cabral garantiu que o objetivo da comunidade nunca foi “que se criem grupinhos ou o movimento de Taizé”. “Pedem, sim, que o jovem vá lá, faça a experiência de uma semana e volte para a sua comunidade. O objetivo deles é que os jovens se integrem nas suas comunidades, na Igreja. Vamos lá viver a espiritualidade de Taizé e depois podemos trazê-la para as nossas comunidades e tentar vivê-la na nossa comunidade”, explicou.
A propósito explicou que a intensão do então pastor calvinista Roger Schütz, que constatava “com muito sofrimento a separação” dos cristãos, era fundar uma comunidade monástica de irmãos de várias confissões e que para isso, na década de 1940, abalado também pela II Guerra Mundial, sai da bicicleta desde Genebra, na Suíça, e vai até Cluny, uma aldeia a poucos quilómetros de Taizé, para onde seguiu e onde acaba por ficar a convite de um casal que ali o acolheu. “Entretanto, juntam-se mais sete irmãos, todos os protestantes, que pedem licença para fazerem as três orações diárias na Igreja católica da aldeia e tudo começa aí”, referiu, acrescentando que Roger Schütz renuncia à condição de pastor para “ser igual aos outros irmãos” e, para “espanto” dos mesmos, “começam a aparecer cada vez mais pessoas para participar nas orações”. “Taizé começa a crescer e a igreja românica da aldeia começa a ser pequena demais”, acrescenta, explicando que, durante uma estadia prolongada do irmão Roger com Santa Madre Teresa em Calcutá na década de 1960, jovens alemães de um organismo criado para a reconciliação após a II Guerra Mundial aproveitam para construir a igreja da Reconciliação que o irmão achou “grande demais”, mas que mais tarde teve de ser ampliada diversas vezes.

O orador disse ter sido esse desígnio que abraçou desde a primeira hora, aliás, como outros antes de si já o tinham assumido e do qual ele próprio foi beneficiário. João Cabral lembrou que conheceu Taizé na década de 1990 através de Nuno Calão, já falecido. “Tirando os anos da pandemia em que muito sofri por não poder, nunca mais deixei de lá ir. Sinto a necessidade de ir a Taizé”, frisou, explicando que convida especialmente os jovens a fazer essa experiência e tem feito os possíveis para levar anualmente um autocarro a Taizé. Este ano adianta que, a pedido do bispo do Algarve, não organizará a peregrinação porque a única semana em que o poderia fazer coincide com a da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa.
Para além disso, também a promoção daquela espiritualidade pelo Algarve tem sido uma preocupação. “Depois de ir para Aljezur senti que tinha de trazer a espiritualidade de Taizé. Através do apoio da Câmara Municipal de Aljezur que nos cedeu um autocarro corremos o Algarve para fazer orações da Taizé”, acrescentou, lembrando que também promoveu “três ou quatro encontros diocesanos” da espiritualidade que tiveram como convidado o irmão David, o único português que integra a comunidade francesa. João Cabral regozija-se com a “grande percentagem” de jovens que diz ter conseguido trazer para a paróquia, mas lamenta, ainda assim, que haja quem “só vai à paróquia quando há orações de Taizé”.
O orador lembrou ainda que a comunidade promove o Encontro Europeu de Jovens no final de cada ano, intitulado “Peregrinação de Confiança através da Terra”, com a participação média de 30 mil jovens que são acolhidos em famílias. O palestrante considerou, por isso, que “a génese das Jornadas Mundiais da Juventude está um pouco ligada a estes encontros” realizados desde os anos 70.
João Cabral disse ainda ter sido em Taizé que no ano de 1997 aprofundou a decisão de se “lançar na aventura de viver em comunidade” na paróquia de Aljezur, de 1999 a 2015, com um padre e uma amiga de ambos, tendo sido mandatados pelo bispo do Algarve da altura para o efeito. “O balanço que hoje faço é positivo. Foi uma experiência muito, muito gratificante, a nível humano, a nível cristão. A nível diocesano também penso que foi importante. Foi uma vivência que me marcou para toda a vida e marcou, certamente, o padre José Joaquim Campôa, a Teresa Martins e as paróquias de Odeceixe, Bordeira e Aljezur”, afirmou.
Ligação do Algarve à Comunidade Ecuménica de Taizé mantém-se desde 1974