Num mundo onde o deslizar de dedos no ecrã substituiu o virar de páginas, a forma como nos vemos a nós próprios sofreu uma transformação radical. A cultura digital contemporânea, com a sua incessante ênfase na imagem e na instantaneidade, criou uma geração obcecada com a aparência física, numa busca desenfreada pela perfeição estética, que ultrapassa os limites do realismo.

As redes sociais transcenderam a sua função comunicacional original, para se tornarem verdadeiros catalisadores de padrões de beleza e ideais corporais. O que antes eram páginas de revistas de moda, com modelos profissionais, transformou-se num desfile infinito de corpos “perfeitos” no Instagram, TikTok e outras plataformas. A diferença crítica: estes corpos pertencem, agora, aos nossos colegas, amigos e conhecidos, criando uma falsa sensação de proximidade e alcançabilidade destes padrões.

É precisamente na adolescência, fase de profundas transformações biopsicossociais, que esta influência se torna mais perniciosa. Num período marcado pela construção identitária e pela necessidade de aceitação pelos pares, os jovens encontram-se particularmente vulneráveis ao impacto das redes sociais. A insegurança natural desta fase amplifica-se exponencialmente, quando confrontada com um feed repleto de imagens editadas, filtradas e cuidadosamente curadas.

A proliferação de “selfies” manipuladas por filtros constitui um fenómeno particularmente inquietante. Estas ferramentas, aparentemente inofensivas, distorcem subtilmente a percepção da própria imagem, criando um abismo entre a realidade e a representação digital. A busca incessante por “likes” transformou-se numa medida quantificável de validação social, onde o valor pessoal é reduzido a métricas de popularidade. O ter vale mais que o ser! O valor do ser humano deixou de ser o conhecimento, para, agora, ser mensurável pelo que cada um de nós possuir e puder comprar.

Do ponto de vista neurológico, esta dinâmica é reforçada pela libertação de dopamina associada às notificações e interações nas redes sociais. Este circuito de recompensa cerebral, semelhante ao activado em comportamentos aditivos, cria um ciclo vicioso de dependência da validação externa. Simultaneamente, compromete o desenvolvimento de competências cruciais para lidar com frustrações e adversidades, elementos fundamentais para uma personalidade resiliente.

As consequências deste fenómeno são alarmantes. A pressão social exercida pelas redes sociais tem conduzido a um aumento preocupante de problemas de autoimagem, baixa autoestima e, nos casos mais graves, distúrbios alimentares entre adolescentes. O conceito de beleza, historicamente dinâmico e culturalmente construído, sofre agora uma padronização global através das redes sociais, gerando uma insatisfação corporal generalizada, que transcende fronteiras culturais.

Mais preocupante ainda é a forma como esta constante busca por validação online compromete a construção de uma identidade autêntica. O desenvolvimento da autonomia e do pensamento crítico, pilares fundamentais da maturação psicológica, são sacrificados no altar da conformidade estética e da aceitação digital.

É imperativo que pais, educadores e a sociedade em geral reconheçam a gravidade desta situação e implementem estratégias que promovam uma relação mais saudável com a tecnologia. A Literacia Mediática deve incluir, não apenas competências técnicas, mas também ferramentas para descodificar criticamente os conteúdos consumidos, reconhecendo a natureza fabricada das imagens nas redes sociais. E a Literacia Mediática é da máxima importância!

Ao mesmo tempo, devemos fomentar espaços onde os jovens possam desenvolver a sua autoestima, com base em valores mais profundos que a mera aparência física. É na diversidade de interesses, no desenvolvimento de talentos e na qualidade das relações interpessoais, que reside o verdadeiro alicerce de uma identidade robusta e autêntica.

A beleza da juventude está precisamente na sua natureza imperfeita, na descoberta, no erro e na aprendizagem. Permitamos que as novas gerações experimentem esta jornada, sem o peso esmagador de expectativas irrealistas, impostas por um mundo digital que, ironicamente, na sua busca pela perfeição, perdeu o contacto com a autenticidade que define a essência humana.