Há mais de 10 anos, Paulo Duarte deixou de ser comissário de bordo de uma companhia aérea portuguesa para ser sacerdote. Depois de uma caminhada vocacional em que se fez jesuíta, o atual diácono e futuro sacerdote da Companhia de Jesus (jesuítas), natural de Portimão, será ordenado no próximo dia 5 de julho na Sé Nova de Coimbra.
O dia 26 de setembro de 2003 permanece na sua memória como aquele em que deixou tudo e iniciou um “processo de esvaziamento” para se encontrar consigo mesmo.
Como comissário de bordo do quadro de uma companhia aérea portuguesa voava pela Europa fora, “ganhava bem” para a sua idade e tinha uma “boa vida social”. Estava também a terminar a licenciatura em Ergonomia.
Realizado aos olhos do mundo e dos seus pais como filho único, precisava, no entanto, de algo mais e sentia-o na sua interioridade. “Estava preocupado unicamente com o meu bem-estar”, reconhecera em 2007 ao Folha do Domingo.
Aos cinco anos já dizia que queria ser padre, mas a ideia rapidamente se dissipou aos sete, quando fugiu (literalmente) da catequese, como explica num post do blogue e do seu perfil do Facebook.
Aos 15 anos, no contexto da morte de uma “grande amiga”, considera que “Deus entrou de fininho” na sua vida. Um ano depois fez a primeira comunhão, altura em que começaram a “surgir inquietações”. Ainda assim pensava: “Não, isso não é para mim. Quero ser veterinário”. Acabou por não seguir Medicina Veterinária, mas Ergonomia.
Anos mais tarde, concorreu a uma vaga na companhia aérea e entrou. Foi comissário de bordo durante três anos, período em que diz ter passado pela “fase New Age” com interesse por “meditações da Lua Cheia, cristaloterapia, astrologia”, entre outras.
Integrou-se, entretanto, num grupo de jovens e passou por um período de discernimento onde foi deitando abaixo “falsas imagens de Deus e do próprio Cristo”, chegando, cada vez mais, à realidade do Deus-encarnado.O contacto e a identificação com a Companhia de Jesus aconteceu nessa fase de estudante, através do Centro Universitário Padre António Vieira, em Lisboa.
Numa peregrinação em que se estreou a trabalhar como voluntário no apoio a outras pessoas sentiu-se interpelado a mudar de vida. “Percebi que tinha de dar um passo mais. Passei um ano a pensar nisso… até que, nuns exercícios espirituais, mais vocacionais, foi claro. Sentado num pontão, na praia, vejo um avião a passar. «Deixa-o ir que já não te pertence», surge-me no pensamento imediato. Instalou-se em mim uma paz inexplicável e decidi entrar na Companhia de Jesus para servir Deus como padre”, testemunha. Numa entrevista, em março deste ano, ao programa “Portugueses no Mundo” da Antena 1, complementou o testemunho. “Percebi que fazia sentido avançar para uma entrega maior de mim mesmo”, sustentou, acrescentando em tom de brincadeira ter decidido mudar de companhia: “da companhia aérea para a Companhia de Jesus”.
Já em 2007 Paulo Duarte adiantava ao Folha do Domingo que não foi frustração o que o levou a avançar. “Se fosse frustrado ou estivesse farto da vida seria uma contradição ter um desejo imenso de mostrar que a vida é um dom que deve ser anunciado e revelado com todas as nossas forças. Se a decisão de ser consagrado ou consagrada começa com uma frustração, a vocação pode estar morta nesse caminho. As fugas, normalmente, não dão grandes resultados”, sustentou na altura.
Seguiu-se então a formação jesuíta composta pelo noviciado – o período de discernimento que antecede a consagração definitiva a Deus –, a licenciatura em Filosofia seguida da licenciatura em Teologia. Já como jesuíta, licenciou-se, então, em Braga em Filosofia e em Madrid em Teologia, foi professor e começou a ter aulas de dança contemporânea, uma das suas formas prediletas de expressar a espiritualidade.
Em Paris desde setembro de 2013, está a fazer o mestrado (dois anos) em Teologia Fundamental, dá assistência à comunidade portuguesa e acompanha refugiados políticos.
Ordenado diácono em Madrid no dia 16 de março de 2013, Paulo Duarte, hoje com 34 anos, prepara-se para se iniciar na vivência do segundo grau do sacramento da ordem, perfazendo o desejo que o motivou há 10 anos. “Um dos desafios que tenho na vida é ser livre. Livre de ideologias religiosas, políticas, sociais, psicológicas, afetivas, permitindo-me caminhar para a autenticidade e respeito. É um caminho duro, com bastantes dificuldades… mas apaixonante. A liberdade implica o respeito enorme por quem pensa de forma diferente de mim, ao mesmo tempo que me impede de aceitar o que pode matar o outro na sua dignidade. O que não é nada fácil”, testemunha, acrescentando: “em cada dia continuo a (re)descobrir o que Deus vai-me pedindo, o que exige o arriscar-me a mudar… para melhor entregar-me ao Outro”.
O diácono Paulo Duarte garante ser “muito feliz” e explica que o seu o trabalho tem a mesma finalidade. “O padre tem muito esta função de ajudar a dar vida”, sublinha.
Depois de ordenado sacerdote, o padre Paulo Duarte regressará no dia 26 de julho à sua paróquia de origem, a matriz de Portimão, para celebrar a “Missa Nova”, a primeira eucaristia presidida pelo novo presbítero depois de ordenado. Os paroquianos da matriz de Portimão estarão também presentes com o seu pároco, o padre Mário de Sousa, na ordenação sacerdotal do diácono Paulo Duarte, estando a comunidade a organizar um autocarro para a deslocação.