É quase unânime que hoje o tempo parece escorrer-nos por entre os dedos, dando-nos a sensação de uma enorme falta de tempo, embora façamos imensas coisas. Há quem deseje que o seu dia tenha mais horas úteis para levar por diante tantos projectos, tantas reuniões, inúmeras viagens, vários jantares de família e de amigos… É apenas percepção, logicamente. O dia continua com as mesmas horas, mas as nossas vidas não são como há 40 ou 50 anos.
Nos tempos que correm, os dias começam cada vez mais cedo e acabam cada vez mais tarde, aumentando o desejo de insatisfação. A maioria dos casais tem de acordar cedo, preparar os filhos, levá-los à escola, dar o seu dia de trabalho, voltar à escola para levar os filhos até casa, tratar do jantar, preparar os miúdos para dormir, e fazer ainda uma série de coisas que com eles não se consegue, se de facto lhes querem dar atenção e cuidados. No final disto tudo, é quase novo dia. E os dias vão correndo, consecutivamente, uns atrás dos outros, até que os problemas surgem, e as forças diminuem.
Somos tendencialmente avessos às rotinas porque a nossa pressa de viver cada momento é tal, que cada oportunidade é esgotada, pairando no ar um desejo constante de mais e mais, por nos faltar a tranquilidade que nos ajuda a saborear a vida. Isto é transversal à sociedade hodierna, atravessando culturas, classes, estados de vida e faixas etárias. Há um fartume geral.
Mais do que nunca precisamos parar. É urgente que o façamos, para nos desligarmos da correria quotidiana, e assim reflectirmos sobre a nossa vida, as nossas relações, o nosso trabalho. Paremos apenas para pensar. Sem auto-julgamentos. Efectuemos balanços frequentes para que se veja em que direcção avançamos.
Ninguém consegue dar aquilo que não tem. Então, como poderei transmitir aos outros a desejada paz e serenidade se nunca as vivo na minha vida? De que me serve ser um profissional exímio, a quem ninguém tem nada a apontar, mas que facilmente sou atormentado por imensos problemas que me complicam a vida, simplesmente porque não sei parar e cuidar de mim? De que me vale a dádiva total ao outro se não páro para me “abastecer”? O ponto de ruptura estará próximo, e, quando alguém estiver sufocado em problemas, ao dar-lhe a mão, não o resgatarei, mas, afogar-nos-emos os dois.
Vivemos um tempo tão belo que nos convida a mudar de vida – a Quaresma. Não nos chama a fazer coisas grandiosas, mas a entendermos que o pouco que conseguirmos mudar, fará de nós pessoas mais belas. Para tal, é preciso parar. Só aí se compreenderá o que é necessário converter. Não tenhamos medo. Todos têm feridas abertas, e, mesmo assim, são chamados a cuidar das dos outros. Que elas não sejam motivo de vergonha, nem nos impeçam de caminhar. Sejamos capazes de assumi-las e integrá-las na nossa vida, pois se as virmos como oportunidade e não como derrota, ajudaremos certamente a humanizar o mundo que nos envolve.
Atreve-te a parar e a assumir o que em ti é débil!