
A segunda mesa redonda do tema “Diálogo em várias frentes” na atualização do clero do sul do país abordou na passada quarta-feira as questões dos “cristãos na política” e da “Educação/Ensino” e contou com a participação de José Filipe Pinto, investigador do centro de investigação em ciência política relações internacionais e segurança, e de David Justino, ex-presidente do Conselho Nacional de Educação e ex-ministro da Educação.
O orador inicial, que se referiu à primeira dimensão, disse aos bispos, padres e diáconos das dioceses do Algarve, Beja, Évora e Setúbal reunidos em formação em Albufeira, que um católico “nunca se pode refugiar no desinteresse quando há questões problemáticas estruturantes da vida humana que estão em discussão”, e, por isso, “tem o dever de intervir a título individual e, sobretudo, a nível coletivo”.
“Eu entendo que os católicos devem ter uma participação ativa, desempenhar uma atividade na vida da comunidade, um papel não excluindo os partidos porque não há democracia sem partidos”, afirmou José Filipe Pinto aos cerca de cem participantes.
Aquele investigador de ciência política considerou que “não se pode ser católico e defender na vida social e política comportamentos que põe em causa a religião professada”. “Trata-se de saber de que forma é que um católico deve contribuir para que as decisões que são tomadas no âmbito de um Estado (que hoje é maioritariamente laico no ocidente) respeitam os princípios da doutrina social da Igreja”, sustentou, considerando que este aspeto “não tem sido devidamente acautelado”, tendo em conta o “número de pessoas que estão abaixo do limiar da pobreza” em Portugal que disse ser de 2,6 milhões.
José Filipe Pinto lembrou ainda que “a Igreja, em si, não é de esquerda nem de direita”, mas “dá aos cristãos a opção de, no mundo político, poderem ser de esquerda ou de direita”. “A escolha é individual. Nunca resulta de uma indicação explícita da Igreja”, observou, acrescentando que “cada católico decide em nome próprio sobre a sua filiação ou simpatia partidária”. “Na verdade, se a não existência de um partido confessional deixa margem de manobra para a escolha individual, não é menos verdade que a opção deverá ser condicionada pelos princípios e pelos valores”, acrescentou.

David Justino, que abordou a dimensão da educativa, disse que o problema do ensino é ter “cada vez mais fontes”, “algumas delas muito mais sub-reptícias de aquisição de conhecimento, que em grande parte colidem e concorrem com o conhecimento formal da escola”.
Segundo o antigo ministro da Educação, “isso leva a que a própria escola entre quase numa crise existencial sobre o seu próprio papel”.
O ex-presidente do Conselho Nacional de Educação alertou ainda que se o professor for “um mero animador cultural dentro da sala de aula” e não “um produtor e transmissor de conhecimento”, “perde o seu papel e o seu sentido”. “Isso é uma das tensões que temos hoje pela frente”, observou, considerando que “os professores não podem abdicar da sua condição profissional porque não são profissionais da pedagogia”, mas “profissionais do conhecimento”.
David Justino considerou que o segundo desafio nesta área “tem a ver com a universalização dos valores sociais”, rejeitando que exista uma “crise de valores”. “Só há crise na medida em que há questionamento. Se esse questionamento for saudável, vale a pena”, considerou.
O orador reconheceu que a “educação está a passar um desafio grande precisamente porque tudo à volta da educação muda”. “Muda a tecnologia, mudam as fontes do conhecimento, muda o próprio conhecimento, muda a forma como acedemos à informação”, sustentou, rejeitando que seja necessária uma “escola nova”. “A escola renovou-se”, considerou, acrescentando que a escola incorpora “aspetos, pontos e parciais” e vai-se “renovando todos os dias”.
“Temos que nos centrar sobre aquilo que não muda porque essa é a base central do conhecimento para que, com ele, possamos perceber o que é que muda. Temos de focar sobre os saberes essenciais, sobre aquilo que são os conhecimentos fundamentais. E nesse sentido temos que privilegiar o saber pensar”, acrescentou, destacando ser preciso “formar cidadãos”. “A cidadania é uma coisa mais restrita que é a construção da pessoa. Têm de ser cidadãos participantes na vida da sociedade”, afirmou, lamentando que hoje os sistemas educativos estejam “excessivamente preocupados em formar profissionais para a economia, para a competitividade”.