D_manuel_quintas2O bispo do Algarve, que foi missionário em Moçambique na década de 70, considera que essa experiência foi “determinante” na sua decisão vocacional.

“Foi uma experiência muito enriquecedora e muito cativante para mim, a que eu faço referência muitas vezes, porque foi determinante para mim no sentido de uma decisão definitiva em relação à minha resposta vocacional”, confessou D. Manuel Quintas ao Folha do Domingo.

D. Manuel Quintas explicou que era habitual, como ainda hoje acontece nos Sacerdotes do Coração de Jesus (dehonianos), congregação a que pertence, fazer-se um estágio de dois anos, depois de celebrar os votos temporários mas antes de cumprir os votos perpétuos. O estágio serve para “integração numa comunidade, procurando desempenhar um serviço próprio, adequado também ao estádio de vida em que se encontra o estagiário”. “Interrompíamos o curso de Teologia para fazer esta experiência, coisa que ainda hoje acontece, embora numa fase diferente do curso”, explicou o prelado.

“Pedi ao Superior Provincial se era possível fazer essa experiência em Moçambique porque desde sempre fiquei cativado pelos missionários italianos que, quando iam ou regressavam de férias, passavam por Portugal, visitavam os seminários onde nós estávamos e lançavam a «semente» missionária. Senti desejo de passar esses dois anos com eles em Moçambique e isso foi possível, juntamente com outro colega, que hoje também é padre dehoniano”, recordou.

O jovem Manuel Quintas seguiu então em 1971 para a localidade de Mawela, na alta Zambézia entre Alto Molocué e Gurúè, pertencente à então única Diocese de Quelimane, território hoje dividido com a Diocese de Gurúè. Ali trabalhou na formação dos seminaristas no Seminário Menor e também noutras atividades ligadas à instituição e a uma escola. “Sempre que tinha oportunidade participava em ações missionárias com os próprios padres que estavam no Seminário e, durante as férias, dedicava-me a passar por, praticamente, todas as missões dos dehonianos na alta e na baixa Zambézia”, relata D. Manuel Quintas, que chegou a contrair Malária. “Na altura era habitual apanhar a doença. Tive Malária mais por causa do tempo que passei visitando as diferentes missões no verão, pois no local onde eu morava não havia mosquitos por se situar a cerca de 900 metros de altitude”, recorda com graça.

Em 1973 regressou a Portugal, ocorrendo no ano seguinte a revolução do 25 de Abril. “Vivemos períodos muito conturbados, não só a nível político mas também a outros níveis, nomeadamente naquilo que dizia respeito a uma opção definitiva de vida. E foi, sobretudo, essa experiência que eu tive oportunidade de viver em Moçambique que pesou muito na minha decisão em aceder a este apelo que eu sabia que vinha de Deus, mas que tinha alguma dificuldade [em aceitar] devido ao contexto em que vivíamos”, testemunhou, acrescentando que, na altura, considerou mesmo exercer o seu ministério sacerdotal como missionário. “Recordo-me de ter manifestado o desejo de, como padre, regressar a Moçambique para ser missionário”, relembra.

Apesar de a guerra ainda persistir em “pequenos focos”, D. Manuel Quintas lembra que “o clima que se respirava já era de paz”. “A zona onde eu estava era uma zona calma e pacífica e, naquela altura, já tinha passado o período de guerra, mortes e violência”, conta.

Posteriormente, toda a situação se alterou com a independência das antigas colónias portuguesas e naqueles anos, após ter sido ordenado (1977), era impossível ao padre Manuel Quintas regressar a Moçambique. “Os que já lá estavam, continuavam. Novos padres, não podiam entrar”, recorda o bispo do Algarve.

O bispo diocesano recorda que, nos anos seguintes ao 25 de Abril, com a independência e com a guerra civil local “gerou-se um clima de muita instabilidade e de muito sofrimento para o povo e para os missionários”. “Foram anos muito difíceis que trouxeram muita pobreza, basta só pensar na impossibilidade de as pessoas se poderem movimentar e de os produtos poderem circular. As pessoas produziam mas não conseguiam vender porque ninguém comprava e não compravam porque não podiam circular nas estradas. Foi um tempo de convulsão muito complicado”, conta.

Mais tarde, já com a convulsão serenada, o padre Manuel Quintas pediu então para ir para Madagáscar, onde os dehonianos portugueses começaram a trabalhar na impossibilidade de regressarem a Moçambique, mas também não lhe foi concedida a autorização.

Só na década de 90, já como Superior Provincial da sua congregação e até ter sido nomeado bispo auxiliar do Algarve (2000), teve oportunidade de trabalhar em Madagáscar durante seis anos, embora por períodos anuais de apenas um mês. “Aproveitava para visitar os missionários e para com eles projetar a sua presença missionária e foi um reavivar dos tempos em que estive em Moçambique que me ajudou também a reforçar a opção que na altura fiz, seja pelos votos perpétuos, seja pela ordenação”, conta.

O bispo diocesano considera ainda estas experiências enriquecedoras a diversos níveis. “Deixa-nos despertos e com uma sensibilidade própria em relação a esta dimensão missionária da Igreja que é essencial e fundamental, pois a Igreja é, por natureza, missionária. E foi enriquecedora no sentido de abrir novos horizontes, do confronto com uma cultura diferente, de crescer com uma maior capacidade de tolerância em relação aos outros, de relativizar certos aspetos da nossa vida que às vezes consideramos como absolutos”, destaca.

D. Manuel Quintas confirma ser verdade que quem vive uma experiência destas recebe muito mais comparado àquilo que dá. “Aquilo que damos (ao darmo-nos) é bom porque nos realiza como pessoas, mas aquilo que recebemos – a nível de conhecimento de realidades e de uma nova maneira de se situar face à vida – é muito mais importante porque descobrimos a alegria de uma vida mais genuína e um sentido mais pleno até da própria realização pessoal e do sentido de doação aos outros”, testemunha.