
O bispo emérito do Algarve, anunciado como primeiro conferencista do simpósio sobre o Concílio Vaticano II (1962-1965) que a Igreja do Algarve está hoje a realizar em Faro, evidenciou que foram os “movimentos reformistas” pré-conciliares impulsionados por padres, teólogos e filósofos que criaram o “clima” propício à “mudança” que aquela assembleia dos bispos veio trazer à Igreja.
D. Manuel Madureira Dias, que não pôde estar presente por motivos de doença mas enviou a sua reflexão sobre o tema “O contexto eclesial do Concílio Vaticano II. Esperanças e interrogações” para ser lida, lembrou que, após a Segunda Guerra Mundial, “a Igreja ainda estava muito centralizada administrativamente” e a Cúria romana “bastante estagnada”. “Sentia-se, por toda a Europa, uma grande necessidade de mudança no interior da Igreja. Iam surgindo movimentos reformistas que criavam um clima de mudança. São os chamados movimentos litúrgico, teológico, bíblico e ecuménico. Urgia dar um passo. Foi o que fez João XXIII”, sustenta no texto enviado ao simpósio que decorre no salão paroquial de São Luís com 250 participantes.
O prelado rememorou a história de cada um daqueles movimentos, através dos quais “os fiéis leigos passam a ser considerados como participantes nos atos litúrgicos porque são Igreja”, sublinhando serem eles que “criaram o clima e o ambiente propícios à realização de um concílio ecuménico”.
D. Manuel Madureira Dias considera que o concílio “abriu a Igreja ao diálogo com outras confissões cristãs, e até com as outras religiões, e com o próprio sistema comunista”. “Não foi um concílio menos doutrinário que muitos outros, mas com uma nova pedagogia – sem imposições, sem condenações – mais voltada para anúncio na busca da verdade”, escreveu.
O bispo emérito, que enquadrou o acontecimento histórico religioso, contextualizando o ambiente pré-conciliar existente na época, começa por se referir ao contexto vivido em Portugal, lembrando que, nos últimos anos que precederam o Concílio Vaticano II, não havia entre a maioria dos cristãos “grandes exigências de mudanças na vida da Igreja”. Segundo o bispo emérito, apesar de as orientações da Santa Sé serem “quase assumidas como «dogmas»”, “a formação na fé tinha pouca profundidade e o contacto com a Sagrada Escritura era quase nulo”, praticando-se muitos “atos de religião” que resultavam da “influência do meio ambiente e da tradição familiar”.
Pese embora este contexto, D. Manuel Madureira Dias sublinha que “já se notavam alguns casos singulares e mesmo pequenos grupos que marcavam pela diferença” e outros que “entendiam que a Igreja estava demasiado clericalizada”. “O anúncio da realização do concílio trouxe uma grande esperança para alguns, e uma certa apreensão para os que não gostavam de mudanças nos costumes e nas tradições”, escreve, lembrando que o ensino da Teologia “destinava-se, exclusivamente, aos candidatos ao sacerdócio, e era ministrada nos Seminários Maiores”, não havendo ensino universitário teológico.
Segundo o prelado, também “a relação entre Igreja universal e Igreja particular ou diocese não era muito clara”. “Tinha-se a sensação que a Igreja universal dizia respeito ao Papa. Os bispos eram vistos quase como simples delegados seus, colocados numa porção territorial determinada. As dioceses mais pareciam ser um, «pedaço» da Igreja que o Papa confiava a um determinado bispo, o qual no fundo, era considerado por muitos como uma espécie de super-presbítero ou presbítero «promovido»”, frisou.
O bispo emérito do Algarve lembra ser na pessoa do padre – que se limitava a celebrar sacramentos – que se “centrava o sacerdócio ministerial”, não havendo diáconos e nem “qualquer espécie de ministérios laicais”. “Os leigos [entenda-se, não clérigos] mais empenhados eram considerados colaboradores dos presbíteros e dos bispos”, refere no texto.
D. Manuel Madureira Dias recorda que, quando a 25 de janeiro de 1959, o Papa João XXIII, manifestou vontade de convocar um concílio ecuménico, embora os objetivos da iniciativa não estivessem ainda muito definidos, pretendia “três coisas fundamentais: uma revisão e reforma da Igreja; uma maior adaptação da Igreja ao mundo em mudança; e o regresso dos cristãos à unidade”.
“Portugal, embora passando um pouco ao lado de tudo isto, viveu cheio de entusiasmo todos os momentos conciliares. Agora, 50 anos depois, só nos resta estar gratos a tantos pioneiros que, por vezes com muito sacrifício, incompreensão e sofrimento, souberam ser firmes na fidelidade às luzes do Espírito a que procuraram ser fiéis e partilhar com os padres conciliares”, concluiu.