
O clero algarvio foi alertado para a necessidade de revitalizar a pastoral dos noivos, de renovar a pastoral familiar e de criar a pastoral dos divorciados.
A exortação resultou da formação realizada no passado dia 17 deste mês no Seminário de São José, em Faro, sobre a temática “Pensar a Família”, apresentada por Gabriel Dávalos Picazo, professor das universidades CEU San Pablo e Pontificia de Comillas, ambas em Madrid (Espanha).
O conferencista, natural do México, que vive na capital espanhola, sendo doutorado em Psicologia, é especialista em mediação familiar e mestre em Educação Familiar, em Terapia Familiar e de Casal e em Assessoria Familiar. Partindo das conclusões do recente Sínodo dos Bispos, realizado no Vaticano sobre a família, Gabriel Picazo destacou que o trabalho realizado na preparação para o sacramento do matrimónio “seria importante prolongar durante mais anos”. “Temos de dar mais energia à pastoral dos noivos”, reforçou, apontando a necessidade de “ajudar os noivos a crescer na dimensão emocional e no desenvolvimento afetivo” e de se promover um efetivo acompanhamento dos matrimónios.
Depois de apresentar a realidade sociológica, antropológica e psicológica, o orador referiu-se à dimensão teológico-pastoral da família, partindo das conclusões da assembleia sinodal. Com base nesse documento aludiu à necessidade de criação da pastoral dos divorciados, considerando que “os divorciados que voltaram a casar civilmente devem estar melhor integrados”. “A nível conceptual há muitos aspetos claros, mas a nível prático como vamos fazer? Acolher, muito bem. E como? Como os ajudamos a superar a decisão de separar-se que, tantas vezes, é entendida como uma espécie de fracasso pessoal?”, questionou.
O orador constatou que “muitos casais decidiram como opção primeira e exclusiva o divórcio antes de procurar ajuda”. “Há estudos sobre o divórcio que dizem que os casais que decidem dissolver o seu vínculo canónico, civil ou de união de facto, rompendo a sua relação sem procurar ajuda, têm 80% de probabilidade de voltar a ter uma nova rutura. Nestes estudos, das pessoas que se divorciaram no primeiro ano de união, mais de 70% diz que não o teria feito se tivesse encontrado uma resposta”, afirmou.
Gabriel Dávalos Picazo apresentou ainda algumas conclusões extraídas de um estudo da psicóloga Judith Wallerstein, segundo o qual 65% dos filhos de casais divorciados tem uma relação conflituosa com o pai, 60% requereu tratamento psicológico, 50% já se divorciou, 50% teve problemas com álcool e drogas antes dos 15 anos, 25% abandonou os estudos e 30% (maioria com mais de 30 anos) não se casou.

“Como iluminar muitas das situações reagrupadas sob o grupo denominado «famílias feridas»?”, interrogou também o conferencista, referindo-se aos separados, divorciados que não voltaram a casar, divorciados recasados, famílias monoparentais e matrimónios nulos, considerando que a recomendação a “acolher” e “escutar” “é também uma oportunidade de abrir fronteiras para um diálogo ecuménico com outras realidades”. “Se todos são pessoas, devem ser aceites e não julgados”, destacou, lembrando que “a família que tem menos ferramentas para resolver os conflitos é a reconstituída”. “Isso significa que necessita de mais ajuda”, sustentou, adiantando ser a monoparental a que tem mais falta deste apoio para conseguir “crescimento, melhor clima e melhor funcionamento”.
Enumerando as diferentes definições e configurações de família, cada uma com “problemáticas e necessidades específicas”, que têm surgido desde a metade do século passado, bem como as suas posições socioculturais, as suas caraterísticas estruturais, comunicativas, afetivas, os seus elementos constituintes e as especificidades psicológicas dos seus membros, Gabriel Picazo identificou a principal dificuldade da Igreja nesta área. “É a velocidade da mudança que nos deixa sem ferramentas para poder dar respostas”, frisou.
Não obstante a necessidade da criação da pastoral dos divorciados, o orador sublinhou o matrimónio como “pilar fundamental da família” e frisou a importância de se defender a sua indissolubilidade e de se trabalhar “em ordem ao seu fortalecimento”, lembrando haver quem defenda que não há uma só maneira de ser família e que a estrutura pode ser diferente, não afetando a personalidade dos filhos.
Neste sentido lamentou a existência do atual fenómeno designado de “cultura líquida”. Baseada na “superficialidade” e no “não-compromisso” e apologista da “rutura do matrimónio”, dos novos modelos de família e da “crise de fé”, bem como de uma “mentalidade demasiado emotivista e afetivamente débil”, o conferencista explicou ser esta é a ideologia que sustenta o chamado “amor liquido”, baseado em relações fugazes. Para fazer face a esta ameaça, o orador lembrou que o sínodo considerou ser urgente “reconstruir o verdadeiro sujeito afetivo”.
Gabriel Picazo evidenciou ainda que “um dos perigos” da atualidade é “cada um fazer uma moral à sua medida” e apelou a “evitar a falácia de falar de diversos modelos de família/matrimónio”. “A família, baseada no matrimónio de homem e mulher, é um lugar magnífico e insubstituível para o amor pessoal que transmite a vida”, complementou.
O especialista familiar constatou ainda a “carência de uma elaborada e madura teologia da família” e defendeu mesmo a urgência de se criar uma “identidade teológica da família”. “É necessário chamar a cada coisa segundo o seu nome. O matrimónio é matrimónio e a união de homossexuais é união ou núcleo de homossexuais. Matrimónio de homossexuais não encaixa nem sociológica, nem antropologicamente”, advertiu, acrescentando que a “teoria básica”, aceite pela maioria das pessoas para “identificar as caraterísticas de uma família funcionalmente sã”é a de “lugar de encontro essencial para formar a personalidade dos filhos”.
Neste sentido, Gabriel Picazo disse que a “dificuldade em conciliar a vida laboral e a familiar está a levar a que a função da educação se delegue”. “Os pais são profissionais de êxito que têm menos tempo para os seus filhos”, constatou, lembrando ainda que “os avós têm sido o suporte económico de muitos casais na crise”.
Picazo referiu-se ainda à ideologia do género, também levada ao Sínodo, lembrando que a mesma nasceu em França, enquadrada pela bandeira da igualdade, exigindo à mulher que perca o que a diferencia do homem e que compita de igual para igual com ele. “Isto significou deitar fora todo o valor da feminilidade”, lamentou.
O orador, que falou para uma assembleia composta por 42 elementos, entre bispo, padres, diáconos e seminaristas, apresentou a mudança de valores entre a modernidade e a pós-modernidade, bem como os sintomas que foram levados Sínodo. “Esperava-se que a Igreja iluminasse como farol, que desse uma resposta concreta, prática, enraizada na realidade e sustentada pela parte mais pastoral”, afirmou, lembrando que “alguns temas requerem mais tempo de reflexão e aprofundamento”.