© Samuel Mendonça
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O Convento de São Francisco, em Faro, acolheu, de 2 a 7 deste mês, um curso padronizado pela UNICEF e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que visa dotar o Algarve de uma rede de voluntárias conselheiras sobre as vantagens do aleitamento materno.

A iniciativa com 48 horas de duração, que incluiu para além da vertente de aconselhamento em aleitamento materno, oito horas de formação sobre o Código Internacional de Marketing de Substitutos do Leite Materno (CIMSLM), contou com a participação de 12 mulheres de vários pontos do Algarve, a maioria entre os 20/30 anos.

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O curso foi promovido pela Mama Mater, uma associação de conselheiros em aleitamento materno, e pelo IBFAN – Rede Internacional de Grupos Pró-Alimentação Infantil, uma organização de grupos de interesse público que trabalham com o objetivo de reduzir a morbilidade infantil e que tem como propósito melhorar a saúde e bem-estar dos bebés e crianças pequenas, das suas mães e famílias, através da proteção, apoio e promoção do aleitamento materno e boas práticas de alimentação infantil. O IBFAN faz ainda a vigilância e a monotorização do CIMSLM que, segundo a regulamentação de marketing da ONU, proíbe, por exemplo, o fornecimento gratuito de amostras e a publicidade a leites artificiais, bem como descontos e promoções, podendo estas práticas abusivas ser contrariadas através de denúncias àquela entidade.

As formadoras foram sensibilizadas para as vantagens do aleitamento materno ao nível do desenvolvimento integral da criança e também da mãe. “Há muitos estudos [científicos] que destacam, não só a relação de proximidade e de vínculo, mas também de benefícios físicos para a saúde da mulher com a diminuição do risco de doenças importantes”, explicou ao Folha do Domingo Cristina Gouveia, pediatra, formadora em aleitamento materno e consultora de lactação com certificação internacional, que destacou sobretudo os benefícios a nível cognitivo e neurológico, mas também físico, para os lactentes. “Crianças que não são amamentadas também têm riscos aumentados”, alertou, garantindo que “a imunidade e a proteção aumentam” com a amamentação.

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Como principal obstáculo a esta prática saudável, aquela responsável destaca a existência de leites artificiais que têm por detrás fortes interesses comerciais. “Nas primeiras dificuldades, se a mulher não tiver apoio, desiste porque tem recurso a um substituto que é vendido como igual ao leite materno”, lamenta, explicando que o objetivo da rede a implementar é ajudar as mães a “terem sucesso no aleitamento”. “Há estudos científicos que comprovam que a maioria das mães, com o apoio certo, conseguiria ter sucesso no aleitamento, ou seja, ter um período de amamentação enquanto quisessem e os seus bebés estivessem bem, com prazer, satisfação e boa progressão de peso e bom crescimento”, prosseguiu, sublinhando que o envolvimento dos parceiros é fundamental. “A amamentação é ainda de maior sucesso na envolvência da tríade”, complementa.

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A médica acrescenta que as recomendações internacionais defendem uma amamentação em exclusivo durante os primeiros seis meses, mantida pelo menos até aos dois anos. “Sabemos que a idade do desmame natural dos humanos acontece entre os dois, três ou quatro anos, mas isto é uma cultura que não temos e que causa muita estranheza às pessoas”, lamenta.

Cristina Gouveia lamenta ainda existirem “muitos mitos” em relação ao aleitamento materno. “Com apoio, uma mãe consegue colocar o bebé confortável e bem adaptado à mama para a conseguir estimular e, quanto mais estímulo tiver, mais leite é produzido e melhor o bebé se vai satisfazer e progredir”, sustentou, explicando que, em potencial, “mais de 90% das mulheres conseguem alimentar mais do que um filho” e que até para a dor existem soluções que se podem implementar. A pediatra reconhece que o stresse pode causar algumas dificuldades, mas garante existirem “mães que trabalham e mantém a amamentação durante três ou mais anos”. “Em termos de alimentação sabemos que só uma grave desnutrição implica alteração no conteúdo, mas é mais em termos de gorduras. Mesmo uma mãe que não se alimente muito bem, o seu leite é de ótima qualidade”, sustenta.

 

Conflitos de interesses

A coordenadora nacional do IBFAN Portugal, outra das formadoras do curso em Faro, assegura ao Folha do Domingo que a legislação não está a ser cumprida e diz que tem de ser o Governo a promover o CIMSLM. “Muitos países adotam leis e regras mas depois são postas na prateleira e ninguém vigia se estão a ser cumpridas”, lamenta Jacqueline de Montaigne, garantindo que o CIMSLM “não é contra os leites artificiais”, pois apenas “defende que as mães têm o direito a escolher como querem alimentar os seus filhos e essa informação não pode ser influenciada por objetivos comerciais”. “Só queremos que as multinacionais cumpram as regras”, assegura, criticando que aquelas empresas promovam leites com determinados nutrientes para os fazer concorrer com o leite materno.

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Jacqueline de Montaigne, coordenadora nacional do IBFAN Portugal © Samuel Mendonça

Lamentando o “grande conflito de interesses com os governos”, critica ainda a existência de estudos promovidos por empresas produtoras de leite artificial em parceria com a Direção-Geral da Saúde e diz que até os médicos são beneficiados pelas grandes produtoras de leite artificial, patrocinadoras de congressos e outras iniciativas. “Fazemos pressão para que as empresas cumpram com a Convenção sobre os Direitos da Criança. Todas as crianças devem ter acesso ao máximo potencial de saúde e as alimentadas com leite artificial não conseguirão atingi-lo”, completa.

A britânica Jacqueline de Montaigne assegura que os países da Europa mais sensibilizados para as vantagens do aleitamento materno são os nórdicos e que, mesmo nesses, as mães que recorrem ao leite artificial apenas o fazem por dois meses. “Em Portugal, a Sociedade Portuguesa de Pediatria promove o leite artificial até três anos por causa de um estudo que chegou à conclusão que as crianças portuguesas eram obesas porque consumiam muito leite de vaca”, lamenta, asseverando que esta prática é contra a recomendação da OMS. “Em Inglaterra, chegou-se à conclusão que uma das razões de as crianças serem obesas é por consumirem leite artificial a mais”, comparou, questionando: “Então em Inglaterra, o leite artificial é a causa obesidade infantil e em Portugal e em Portugal é a resposta para a obesidade infantil?”.

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Aquela responsável mostra-se, no entanto, esperançosa em relação ao futuro. “Nos últimos 18 meses temos visto muitas mudanças”, testemunha, referindo-se à formação que está a ser feita um pouco por todo o país e que agora teve a primeira edição no Algarve.

Também Cristina Gouveia se mostra confiante na consecução de uma rede regional de sensibilização, informação e apoio. Explicando que a motivação tem origem em duas causas antagónicas – “ou porque tiveram dificuldades, ou porque foi fácil obter sucesso no aleitamento materno” –, garante que “há vários grupos de amamentação e há muitas mães interessadas em ajudar outras mães”. “Há mais mães inscritas e, provavelmente, vamos fazer uma segunda edição”, adianta, acrescentando que gostariam de avançar com estas formações nas paróquias do Algarve.