Natural de Loulé, onde nasceu a 11 de abril de 1942, D. António José Cavaco Carrilho está a celebrar 25 anos de ordenação episcopal, cumpridos no passado dia 29 de maio, que serão no próximo dia 22 de junho assinalados na Diocese do Algarve com a celebração de uma Eucaristia, pelas 18h, no santuário daquela cidade dedicado a Nossa Senhora da Piedade, popularmente evocada como «Mãe Soberana».
Após 12 anos de sacerdócio no Algarve, seguiu em 1977 para Lisboa para colaborar com a Comissão Episcopal da Educação Cristã. Após a ordenação episcopal em 1999 foi nomeado bispo auxiliar do Porto e, em 2007, bispo do Funchal, serviço que prestou até 2019, ano em que o Papa Francisco aceitou a resignação prevista pelo Direito Canónico.
Por via das responsabilidades que o exercício do seu múnus episcopal lhe trouxe, D. António Carrilho participou em três Jornadas Mundiais da Juventude com três diferentes papas, a primeira em Roma em 1986, a segunda em Toronto em 2002 e a terceira em Colónia em 2005. Fez também três visitas ‘Ad Limina’ com os mesmos pontífices, em 1999 com João Paulo II, em 2007 com Bento XVI e em 2015 com Francisco. Em entrevista, o aniversariante testemunha como viveu não só estes 25 anos de bispo, como os quase 59 de sacerdote. Entrevista conduzida por Samuel Mendonça.
Este Santuário de Nossa Senhora da Piedade traz-lhe boas memórias?
Sem dúvida. Pude acompanhar a construção do novo santuário e as expressões de fé e devoção que são tão patentes e, cada vez, atraem mais participação das gentes do sul. É a minha terra e não a posso esquecer. A minha terra é a minha diocese de origem, o Algarve. Não posso esquecer que aqui vivi 12 anos de vida sacerdotal, os meus primeiros anos de sacerdote. Eu fui ordenado aos 23 anos e colaborei nos mais variados serviços e responsabilidades da pastoral. Por isso, não posso esquecer nada disto e quando se diz que vou comemorar os 25 anos de bispo, acrescento os outros todos que estão para trás.
Acho que esta é hora de recordar e agradecer, olhando para a totalidade daquilo que foi a minha vida, antes e depois de ser bispo, tanto no Porto como na Madeira.
Mas que primeiras memórias tem deste espaço?
Tenho memórias muito interessantes. Primeiro, a subida da ladeira. Aos sábados vinha sempre muita gente em peregrinação e em caminhada pessoal. Lembro-me, quando era miúdo, precisamente deste movimento, de vir ao Santuário de Nossa Senhora da Piedade aos sábados, muitas vezes com a família. E isso deixou marca porque era criança e a criança é sensível a todas estas coisas. E lembro-me da Festa Grande de Nossa Senhora, de modo particular do tríduo que a preparava porque as novenas tinham muita força. São coisas que não se esquecem, tanto pela participação, como pelo canto, como pela expressão de fé das pessoas e da nossa fé familiar e pessoal.
E depois de criança, a minha ligação permaneceu. Vim aqui pregar já como padre e como bispo, até mais do que uma vez, sempre com muito gosto e muita alegria, vendo também o gosto e a alegria dos nossos louletanos por verem também um louletano a presidir à festa de Nossa Senhora.

O senhor nasceu aqui em Loulé no seio de uma família católica comprometida?
Sim, uma família cristã, católica e comprometida na medida do possível. Éramos seis irmãos e a nossa mãe em casa não podia ter muita disponibilidade para além da que implicava cuidar dos filhos, da nossa educação e do nosso acompanhamento. O meu pai esteve sempre ligado aos vicentinos. Eu e os meus irmãos, à medida que fomos crescendo, fomos também participando, cada um ao seu jeito, segundo as suas possibilidades e segundo aquilo que cada um podia dar como contributo, atendendo à circunstância de estar cá ou estar fora por causa dos estudos.
Dos seis irmãos, quantos eram mais novos e quantos mais velhos?
Mais novos eram dois e mais velhos quatro porque, no total, os meus pais tiveram sete filhos. Houve um irmão que não conheci porque faleceu com três anos, ainda antes de eu nascer. Tal como eu, também se chamava António José, nome que herdei precisamente porque era costume assim acontecer.
E qual o número de rapazes e de raparigas?
Os seis éramos três rapazes e três raparigas.
O senhor entrou no Seminário de Faro em 1953 com 11 anos. Já tinha nessa altura a noção de que queria ser padre?
Sentia-me ligado à Igreja e tive um pouco de influência, tanto do pároco – o padre João Cabanita – como de uma catequista, a dona Maria José Marques. Foram duas pessoas que me tocaram e, de certo modo, me estimularam. O padre João Cabanita era visita da nossa casa, tinha bastante contacto connosco e a catequista também era muito próxima. Era uma catequista que tinha noção de que a catequese também deve abrir caminhos de corresponsabilidade na Igreja.
Portanto, houve palavras que me foram, a pouco e pouco, não obrigando, mas, de certo modo, abrindo um caminho que se veio a confirmar. Naquela idade, vamos para o Seminário, mas temos um desejo sem a consciência da responsabilidade que vamos assumir. Fiz o caminho em Faro, durante cinco anos no Seminário de São José; em Almada, durante um ano que foi significativo por ter sido o da inauguração do monumento a Cristo-Rei e que foi muito interessante e marcante; e, depois, no Seminário dos Olivais, já em Lisboa. Ali, num seminário mais vocacional, é que se foi determinando o caminho e assumindo a proposta com a consciência, bastante mais clara e concreta, daquilo que era pôr a vida ao serviço da Igreja como sacerdote.
…até ser ordenado por D. Francisco Rendeiro na Sé de Faro.
Sim, no dia 28 julho de 1965, em que ele celebrava 25 anos de sacerdócio. Os nossos padres estavam em retiro na Casa de São Lourenço do Palmeiral – orientado por uma equipa do Movimento por um Mundo Melhor que incluía D. Manuel Vieira Pinto (que ainda não era bispo, mas foi nomeado pouco tempo depois) e o padre Feytor Pinto (também bastante conhecido) -, mas foram todos à Sé de Faro, associando-se aos 25 anos de sacerdócio de D. Francisco Rendeiro e acolhendo-me também no presbitério.
O Movimento por um Mundo Melhor, que teve (e ainda tem) muita presença aqui em Loulé, teve alguma influência na sua vocação?
Diretamente, não. Até porque, naquela altura, o movimento ainda não tinha implantação em Loulé. Só mais tarde é que as irmãs doroteias, ligadas a ele noutros lugares, o trouxeram também para cá, constatando que era uma oportunidade de responder às necessidades pastorais da nossa terra. E fizeram um trabalho importante e significativo.

Depois de ordenado foi diretor espiritual do Seminário de São José, entre 1965 e 1970, e pároco da Conceição de Faro, entre 1965 e 1967.
Sim, a primeira nomeação que recebi foi a de diretor espiritual do Seminário. Tinha 23 anos. Poucos dias depois da ordenação estive com o D. Francisco Rendeiro para saber o que ia fazer. Ele disse-me: “há sacerdotes que pedem que colabore nas suas paróquias, mas pensei e rezei e peço que venha para o Seminário como diretor espiritual, sendo acompanhado e ajudado naquilo que for preciso”. Ainda me lembro de ter ficado um bocadinho apreensivo.
E essa experiência de passar de seminarista a formador foi uma experiência gratificante?
Sim. Fizemos equipa com o senhor padre José Nobre Duarte, que depois veio para Loulé e que tinha sido meu diretor espiritual, e com outros padres.
Entretanto, D. Francisco Rendeiro estava em Roma a participar no Concílio Vaticano II e foi necessário prover a paróquia da Conceição de Faro de substituto do padre Joaquim Jorge de Sousa que era também capelão da Misericórdia e que foi desligado daquela paróquia.
Em simultâneo, D. Francisco pediu-me que assumisse a responsabilidade do Secretariado da Pastoral das Vocações que não tinha ninguém, organizando a Semana de Oração pelos Seminários que foi dali a pouco tempo. Foi uma graça por ter sido uma exigência à qual respondi.
Entretanto, tive também responsabilidades no escutismo, para além das aulas no Liceu de Faro e na Escola Preparatória D. Afonso III, tendo sido convidado para participar num trabalho ligado a uma reforma do então ministro Veiga Simão. Foi constituída uma equipa de professores para o acompanhamento dessa reforma e eu deixei o Liceu de Faro para passar para a escola D. Afonso III, onde se processava essa reforma e para a qual me tinham solicitado.
Entretanto, também procurei acompanhar uma ou outra equipa de casais…
…porque também foi diretor espiritual do Secretariado Diocesano do Movimento dos Cursos de Cristandade?
Sim. Foi uma atividade bastante intensa que me ligou a muita gente, a muitas famílias. Orientei mais de 30 cursos.
E também esteve no Secretariado Nacional do Movimento.
Sim. Estava comprometido aqui como diretor do Secretariado Diocesano e pediram-me que fosse para o Secretariado Nacional em Lisboa. Foi um trabalho muito interessante que me deu uma dimensão de ação mais ampla, a nível nacional, para além do âmbito diocesano e que me permitiu ter contactos com muitas pessoas. Por exemplo, fiquei muito amigo de D. Francisco Santana que, na altura, também trabalhava nos Cursos de Cristandade e, a certa altura, é nomeado bispo da Madeira e me convida para ir à sua ordenação episcopal…
Mal sabia o senhor que iria fazer o mesmo percurso. Olhando para trás, consegue identificar momentos em que Deus lhe terá dado sinais desse caminho que lhe destinava?
Tantos… E eu procurava estar mesmo atento. Quando chegou a hora de deixar o Algarve a convite da Conferência Episcopal, achei que a minha resposta não podia ser outra que não a de aceitação porque o serviço de âmbito nacional que me pediam era na área da catequese, da formação cristã, do ensino nas escolas e eu tinha experiência de professor, de acompanhamento de todas essas atividades e isso terá contado para o convite que me foi dirigido. Claro que se punha o problema de uma diocese com tão pouco clero ter de deixar sair um padre com as responsabilidades que eu tinha. Saí daqui para diretor do Secretariado Nacional da Educação Cristã [SNEC]. O meu lema era “Como Jesus, vim para servir”. No meu tempo de Seminário, o símbolo que o meu curso escolheu foi o do lava-pés. Então pensei: se sou chamado a servir num âmbito mais alargado, ao servir o país estou a servir a diocese também.
E como foi esse trabalho no âmbito do SNEC?
Havia três secretariados, um para a infância e adolescência, outro para a juventude e outro para as escolas, sendo que depois se criou outro para a escola católica. Mas a Conferência Episcopal quis unificar numa estrutura única o SNEC com departamentos para a catequese da infância e adolescência, para a juventude e para os adultos. Eu fui para criar essa estrutura nova que também tinha ligação com o Ministério da Educação por causa das aulas de Educação Moral e Religiosa Católica [EMRC].
Por outro lado, as comissões episcopais passaram a integrar também um secretário, não bispo, e eu fui convidado para secretário da Comissão Episcopal da Educação Cristã. Foi uma experiência muito interessante.
Mais tarde, como o bispo, fui presidente da Comissão Episcopal do Apostolado dos Leigos durante nove anos e depois continuei membro dela, que mais tarde passou a designar-se Comissão Episcopal do Laicado e Família porque passou a integrar a família. Curioso é que quem me convidou para essa comissão foi um bispo madeirense, D. Maurílio Gouveia, que também foi seu presidente.
As responsabilidades no SNEC e na Comissão Episcopal do Apostolado dos Leigos permitiram-lhe acompanhar de perto crianças e jovens. Trabalhar na sementeira do futuro da Igreja foi um trabalho gratificante?
Sem dúvida. Mas o trabalho não era só meu. Eu era o diretor do SNEC, mas tinha diretores dos vários departamentos que tinham as suas equipas e as suas atividades. Nós fizemos um programa para 10 anos de catequese porque antes havia apenas alguns materiais de apoio não muito articulados, nem muito completos. Foi um trabalho intenso, quer para a catequese, quer para as aulas de EMRC com a preparação dos manuais desde o 1º ciclo até ao 12º ano. Procurámos com as equipas preparar materiais e pô-los ao serviço da Igreja em Portugal.
Graças a Deus, as duas dimensões estão a renovar-se, mas tudo vem na sequência de um trabalho de há 30 ou 40 anos que permitiu avançar, rever, renovar.
Também organizámos a constituição da Fundação SNEC, precisamente atendendo aos objetivos educativos deste serviço. Quisermos que o SNEC aparecesse, desde logo, com esta função educativa e fossem reconhecidos os seus materiais: catecismos, livros de EMRC e outras edições que, entretanto, fomos publicando. E, graças a Deus, a Fundação hoje continua bem.
Aqui na diocese, o D. António foi também vigário episcopal para a coordenação pastoral.
Primeiro fui secretário da pastoral. Logo no início da minha vida de padre, o senhor D. Júlio Rebimbas veio ter comigo para me convidar para diretor do Secretariado Diocesano de Pastoral. Disse-me: “os padres é que o pediram e eu quero corresponder ao pedido dos nossos padres”. Eu fiquei um bocadinho preocupado como é que iria corresponder.
Depois passei a ter a responsabilidade de vigário do bispo D. Florentino de Andrade e Silva que, entretanto, veio substituir o D. Júlio e percebeu que eu estava por dentro do trabalho do Secretariado de Pastoral e também pela relação que tinha com os diversos movimentos. Mais do que secretário, ele queria que eu fosse vigário episcopal.
E a paróquia da Conceição de Faro foi a única onde foi pároco?
Foi.
E foi uma experiência importante para lhe dar o “cheiro a ovelhas”, como pede o Papa Francisco?
Foi. Mas foi pouco tempo. Aquilo que estava previsto era que, ao fim do primeiro ano, passasse a assumir outras responsabilidades, liberto das preocupações paroquiais. Mas não aconteceu assim e foram dois anos. Tive contato com aquela gente com muito gosto e muita alegria.
E essa experiência foi importante para ser bispo?
Acho que para ser bispo tudo é importante, tudo o que a pessoa vai sendo. Aquilo que vai crescendo em experiência, em espiritualidade, em capacidade de servir a Igreja, em maturidade humana são aspetos muito fundamentais.
E depois da ordenação episcopal foi nomeado bispo auxiliar do Porto, serviço que desempenhou durante oito anos, de 1999 a 2007. Essa foi a sua primeira experiência como bispo numa diocese. Que significado teve?
Foi uma grande experiência porque a Diocese do Porto é uma grande diocese. Constituímos uma boa equipa com D. Armindo Lopes Coelho, que era o bispo diocesano; com D. António Taipa, que, como eu, também celebra agora 25 anos porque fomos nomeados no mesmo dia; e com D. João Miranda, que já vinha do tempo de D. Júlio Rebimbas.
Foi uma grande experiência porque, como o D. Armindo era o primeiro responsável pela diocese e havia muitas coisas que passavam por ele, nós ficávamos mais libertos para a relação e contacto com as pessoas, para visitas às paróquias, para os Crismas. Libertos de responsabilidades mais administrativas, estávamos envolvidos e empenhados na ação pastoral e fizemos tanta coisa. Foram anos muito ricos, precisamente porque é nesta relação que o bispo cresce com o tal “cheiro das ovelhas”, sendo pastor, estando com, acompanhando, não sendo bispo de gabinete, mas das pessoas. Foi uma graça muito grande para mim.
“
O meu lema episcopal é “Faz-te ao largo”, mas nunca pensei que fosse ao largo, passando o Atlântico para chegar À Região Autónoma da Madeira
Foi o “estágio” para depois poder ir para a Madeira?
Digo-lhe a verdade: eu nunca pensei ir para a Madeira. Quando se pôs a questão da substituição do bispo local D. Teodoro de Faria, que tinha atingido o limite de idade, pensei que para a Madeira iria um madeirense. Quando o senhor núncio apostólico me chama e me comunica, disse-lhe que não contava nada. O meu lema episcopal é “Faz-te ao largo”, mas nunca pensei que fosse ao largo, passando o Atlântico para chegar à Região Autónoma da Madeira. Mas nunca disse não àquilo que me foi pedido como serviço à Igreja.

E esteve lá 12 anos que ficaram marcados por três grandes iniciativas pastorais: a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima durante sete meses, a comemoração dos 500 anos da Diocese do Funchal e a comemoração dos 500 anos da catedral diocesana. Como é que viveu esses desafios?
A cada ano tinha sempre a preocupação de haver um programa pastoral para a diocese que tinha em atenção as necessidades locais da diocese e aquilo que era proposto por Roma.
Quando cheguei, pensei em pedir a visita da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima porque seria uma grande oportunidade de a imagem percorrer as paróquias e eu próprio acompanhar, levando as paróquias a relacionarem-se umas com as outras.
Criou-se uma boa relação entre as paróquias e o acolhimento foi extraordinário. Procurámos que fosse uma bênção de Nossa Senhora para a diocese que também a tem por padroeira, sob a evocação de Nossa Senhora do Monte, à qual eu acrescentava sempre a da Senhora da Piedade para lembrar a padroeira da minha terra. Esse projeto foi muito bom no envolvimento e no dinamismo pastoral que se criou.
Mas também houve uma aposta na proximidade às pessoas…
Sim. Tivemos o Ano Paulino em que conseguimos dinamizar as comunidades e fazer uma grande assembleia, debaixo de uma chuva torrencial no espaço de uma escola, participada por sete ou oito mil pessoas. Foi uma graça extraordinária.
Depois, o Ano da Fé e o Ano da Vida Consagrada proporcionaram sempre motivos especiais de ação pastoral, tendo em conta determinadas necessidades e objetivos complementares.
Nos meus 10 anos de bispo da Madeira – para além dos dois que se seguiram a pedido do Santo Padre – celebrámos os 500 anos da cidade do Funchal, os 500 anos da diocese e os 500 anos da catedral. Tivemos a possibilidade de preparar os 500 anos da diocese com um programa de três anos com temas diferenciados e complementares. Lembro a primeira atividade, um encontro das famílias naquele grande espaço debaixo do aeroporto, o qual consta ter sido participado por cerca de 13.000 pessoas. Foi uma graça muito grande e uma marca muito bela. Também tivemos o cardeal Fernando Filoni, enviado pelo Santo Padre para a celebração final dos 500 anos, realizada no Estádio dos Barreiros. Foram três anos de caminhada para celebrar estes acontecimentos que deixaram uma marca profunda.
Gostava ainda de acrescentar a organização de um grande congresso para estudo de temáticas importantes para a região. A nossa preocupação era fazer uma análise da situação e apresentar propostas como resposta. Teve uma grande participação e publicámos dois volumes com as atas do congresso que culminou a comemoração dos 500 anos.
Depois, seguiram-se mais três anos de preparação da celebração dos 500 anos da catedral, em que procurámos aprofundar a temática da Igreja e da participação. Fez-se um trabalho importante para que a catedral fosse vista como espaço celebrativo e de encontro de onde brota a vitalidade e a capacidade interventiva do apostolado cristão.
Tivemos experiências muito ricas. Não vamos dizer que foi tudo perfeito, limitações não faltaram, mas procurámos fazer o melhor. Foram razões que nos encheram de muita alegria e nos dão a consciência de ter servido com simplicidade e alegria.

E nessa procura de proximidade com as pessoas e também de abertura à sociedade como é que foi a relação com o Governo Regional?
Sempre tive a preocupação de não interferir em nada, respeitar e procurar ser respeitado.
Às vezes, acontece fazerem-se interpretações indevidas, consoante os interesses de grupos, mas é normal que tal aconteça. Não é isso que pode constituir problema. Há grupos que interpretam de uma maneira e outros de outra. Quem quis ver, viu que não havia conluio com ninguém. Antes pelo contrário, havia um desejo de ser de todos e de todos procurámos ser.
Portanto, o que me está a dizer é que a relação era marcada por autonomia e cooperação?
Exatamente, por autonomia e cooperação, mas uma cooperação dentro daquilo que era o melhor bem para a comunidade. Não era uma questão de interesses particulares, mas uma questão de serviço à própria comunidade. Foi assim, mas quem quiser interpretar de outra maneira é livre de o fazer. A nossa intenção, o nosso projeto e o nosso trabalho foi sempre dentro deste espírito de cooperação.
Houve também três desastres naturais que marcaram o período em que esteve na Madeira: as cheias de fevereiro de 2010, os incêndios de agosto de 2016 e a queda de uma árvore no Monte um ano depois. Como é que viveu esses momentos de maior provação?
A Igreja procurou ser uma presença interventiva de apoio nas diversas situações junto das famílias que foram atingidas, nos lugares onde se albergaram as pessoas, na dor e no sofrimento de tanta gente.
Tenho a consciência de que as pessoas sentiram a Igreja perto e acolheram bem uma palavra amiga, uma ajuda. Sofremos com o nosso povo e com as preocupações que se geraram em várias áreas. Procurámos estar junto das pessoas, acompanhar. Nunca se tira todo o sofrimento, mas ameniza um bocadinho quando sabemos que não estamos sozinhos, que alguém está connosco. As pessoas acolhem com reconhecimento e gratidão. A Igreja tem de ser de todos e para todos e isto pressupõe viver as alegrias e viver os sofrimentos e acompanhar tanto numa situação como noutra.
O D. António trabalhou no Algarve, em Lisboa, no Porto e na Madeira. Pode-se dizer que a passagem por todas estas regiões o ajudou a completar-se e realizar-se como bispo?
Realizar-me como bispo, sim. Porque o bispo tem de se realizar, respondendo a cada situação em concreto. Em Lisboa fui procurando responder àquilo que foi pedido pela Conferência Episcopal, no Porto foi um tempo de exigência, de graça, uma experiência diferente porque não há duas dioceses iguais e na Madeira procurei responder segundo aquilo que vi que era necessário, procurando ter memória do passado, não esquecer o que foi feito antes e dar continuidade. Essa corresponsabilidade com a memória significava participação em abertura à novidade e não ficar preso ao passado. Era avançar para as exigências do futuro. O passado conta porque não há presente sem passado e o futuro tem de se projetar de acordo com as novas exigências que os tempos nos vão colocando.
O meu lema era “conto convosco, contai comigo” porque o bispo não pode trabalhar sozinho. Era um convite a todos para nos situarmos no contexto de quem quer caminhar sem esquecer ninguém, avançando sempre para mais e para melhor.
“
Ser promotor de comunhão é uma responsabilidade do bispo
Na mensagem do livro para a sua ordenação citou os ‘lineamenta’ de preparação do Sínodo dos Bispos do ano 2000, lembrando que “o bispo é convidado a ser promotor e modelo de uma espiritualidade de comunhão”. Foi essa a sua prioridade?
Foi. Não vou dizer que tenha conseguido em pleno porque a comunhão não parte apenas de uma pessoa. A comunhão é conjugação de vontades, compromissos, entregas. Portanto, ser promotor de comunhão é uma responsabilidade do bispo. Todos podemos contribuir, mas o bispo tem uma responsabilidade particular. E os resultados estão nas mãos de Deus porque nelas está o esforço que foi feito e os objetivos que foram alcançados. Também não podemos esperar que todos os objetivos se alcancem de um momento para o outro porque se trata de um caminho. São projetos que se vão realizando e concretizando também com as limitações que temos porque ninguém é perfeito. Demos as mãos e fomos em frente. Quando é assim, então uma diocese pode caminhar. Não vamos dizer que se conseguiu realizar tudo aquilo que se desejou, mas também não é isso que está em causa. O que está em causa é que demos as mãos e caminhámos com humildade, simplicidade e gosto de servir, alegrando-nos na relação com as pessoas, procurando ser muito próximos.
“
A Igreja é mistério de comunhão. Se não for comunhão, está longe de ser a Igreja de Jesus
Para além do Sínodo dos Bispos do ano 2000, o senhor viveu, enquanto bispo, a realidade de vários outros, desde logo aquele que se está a realizar agora e que muitos apontam como um momento de viragem na própria Igreja. Tendo em conta este contexto, pergunto-lhe qual é o papel do bispo nestes tempos do século XXI?
Em primeiro lugar deve abrir os olhos à realidade, procurando inteirar-se bem dela. Não há projeto pré-concebido que não deva ter em atenção a realidade concreta. Isso implica a partilha de experiências e realidades que se vão vivendo porque há muitas coisas que são comuns ou muito semelhantes e outras que são muito diferentes e requerem um tratamento diferente.
Depois, é preciso querer mesmo avançar com a colaboração de todos porque ser promotor da comunhão é avançar com. É curioso que a caminhada que fez este Sínodo que se vai concluir em outubro foi a de análise, acolhimento de propostas e escuta, exatamente um caminho em ordem à comunhão. A Igreja é mistério de comunhão. Se não for comunhão, está longe de ser a Igreja de Jesus. Portanto, não se pode perder de vista este sentido do mistério de comunhão que é a Igreja de Jesus, com diversidade de dons, de situações, de capacidades. É preciso darmos todos as mãos para construir a Igreja.
E é importante não perder de vista que a Igreja é corpo místico de Jesus Cristo, sendo que Ele é a cabeça e nós os membros.
Por outro lado, não podemos absolutizar porque nunca se resolverá tudo em absoluto.
Diocese do Algarve presta homenagem a D. António Carrilho nos seus 25 anos de bispo