Estava à espera dela, que tinha entrado para fazer um exame médico.

Levei o meu livro para a sala de espera lotada, mas encostei a cabeça à parede e fechei os olhos. Doía-me a cabeça e estava ensonada. Acho que andei aqui “a conversar” uns dias com uma virose chata que me deixou meia murcha. Ia ouvindo a conversa ao longe.

Chegou a vez dela, depois de uma fila interminável e da ditadura das senhas de chamada. Talvez fosse um pouco mais velha que eu, mas não muito. Tinha filhos adultos, pelo menos, pois iniciou com a menina do guichet uma conversa em que contou a vida: os exames que ia fazer e porquê, o que o médico lhe tinha dito, as crises de ansiedade que fizeram despoletar todo este quadro clínico, os problemas com a filha que lhe pediu que fosse fiadora de um empréstimo, a recusa do banco (que fez a filha pensar que a mãe estava de conluio com eles), o que a filha lhe disse, o gesto inapropriado que lhe fez, a agressão verbal e física que daí resultou, o que disse à filha, avisando-a de que aquando da morte da mãe, alguém estaria na igreja, chamando-lhe a atenção, pois é em vida que se trata dos outros, não depois de mortos; enfim…. Um chorrilho.

Uma vida desfiada ali em minutos, perante uma menina do guichet meia aparvalhada e algo constrangida e uma sala lotada de gente que observou esse seu despudor, esta exposição e que viu estas lágrimas grossas que lhe correram pela cara.

Lá se sentou, depois de fazer a ficha e lá esperou que a chamassem pelo mesmo número. Ainda murmurou um “desculpe pelo desabafo”.

Sentou-se ao meu lado. Não sei se reparou nos olhares de todos a olhar para si. Pareceu-me que não. Apesar de tudo, há ainda um certo pudor que se assume, perante as misérias dos outros, despudoradas assim em público.

O que pensei enquanto a ouvia, era naquilo que levaria alguém, numa sala de espera lotada de uma clínica, (sala pequena, entenda-se, onde tudo o que se diz, se ouve, a não ser que se murmure ao ouvido), a mostrar assim, as suas misérias a estranhos.

O que pensei foi que o sofrimento, pode ferir de morte e entupir a alma, fazendo-a, às vezes, vomitar de supetão tudo o que está trancado lá dentro. Como um reflexo orgânico necessário. O que pensei foi que talvez ninguém prepare as meninas dos guichets para estes confrontos emocionais, valendo-nos às vezes, a experiência que têm e o hábito de ouvir, à força da repetição, episódios como estes.

O que senti foi uma ternura enorme por esta mãe ferida, que não aguentou as lágrimas grossas quando falou da filha.

A solidão é uma coisa lixada! Fogo!