Padre Miguel Neto

Sentar-me para escrever e refletir um pouco é, nos dias que correm, um luxo que pouco me assiste. Mas creio que o será para muitos de nós.
A vida, que obriga a constantes cuidados profissionais, com família, com inúmeros afazeres consumidores de tempo e energia, faz-nos correr e assumir com frequência multitarefas. Não nos proporciona momentos sempre fácies, nem tão pouco as decisões que temos de tomar são do agradado de todos e, no entanto, sabemos que é assim, que é isso que nos está reservado, como costumamos dizer, que «é a vida».
Neste momento que roubo à correria do meu dia, não posso deixar de pensar neste novo ano que começa e em como gostaria que ele fosse diferente em tantas coisas, daquele que terminou.

Olho para o mundo e vejo a guerra que dilacera os corações dos homens em tantas regiões e o terrorismo, que a todos nos traz em cuidados. Olho para os homens e vejo tanta falta de verdadeira humanidade e compaixão. Olho para a natureza e vejo como sofre, porque nós, que dela deveríamos cuidar, apenas a usamos, como usamos até os nossos irmãos… Vejo, na verdade, muita coisa que não gostaria de ver. Vejo a falta de amizade, de compreensão, de solidariedade entre tantos de nós; vejo a inveja que nasce por razões tão pequenas e mesquinhas, mas que deixa marcas tão profundas; vejo o egoísmo, que nos faz olhar apenas para dentro dos nossos problemas ou das nossas alegrias, não incluindo o outro, ou tornando-o objeto do nosso ódio, do nosso sarcasmo, da nossa arrogância inútil e estéril… Vejo a preguiça, uma preguiça que nos impede não de trabalhar para ganhar o sustento, o dinheiro – essa bem-amada meta -, mas que nos impede de sermos capazes de fazer alguma coisa, qualquer que seja, para que o mundo sorria à nossa volta.

E penso: não é este o quadro que quero pintar de 2017! Quero conseguir respirar, sentir no ar a esperança, ver rostos que acreditam e que mostram, com as suas ações, essa fé. Ver pessoas que, com os seus atos – ou com a ausência deles – colaboram na construção de um mundo melhor. O Papa Francisco, na sua mensagem para o “Dia Mundial da Paz” de 20171 desafia-nos a isso mesmo, à não-violência. Esta é uma atitude não de passividade, mas de testemunho claro e manifesto sobre aquilo em que acreditamos: se nos atacam e nos caluniam, não respondemos no mesmo tom; se nos humilham e nos rebaixam, não descemos ao mesmo patamar; se nos incitam ao conflito, não aceitamos a proposta. Como diz o Evangelho, oferecemos a outra face, mas sempre conscientes que este nosso gesto é um gesto promotor de paz, é um gesto verdadeira e definitivamente muito mais subversivo e luminosos nas suas intenções que qualquer outro, que envolva a agressão e o desrespeito.

Diz o Santo Padre na sua mensagem, citando a Encíclica Laudato Si: «O exemplo de Santa Teresa de Lisieux convida-nos a pôr em prática o pequeno caminho do amor, a não perder a oportunidade duma palavra gentil, dum sorriso, de qualquer pequeno gesto que semeie paz e amizade. Uma ecologia integral é feita também de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração, do egoísmo». «A violência», diz Francisco, «é uma profanação do nome de Deus».

E é essa a esperança que hoje quero trazer para este espaço de diálogo e de opinião, sabendo, com toda a clareza, que ela só existe porque o amor maior venceu o pecado e a morte em Belém há 2017 anos. Esta esperança que vive em nós, que pode ser fruto das ações de cada um vai-me aquecer o coração e fazer caminhar, em todas as dimensões da minha vida, no sentido do bem. E é esse o meu desejo para todos! Um feliz 2017!

1 Francisco (2017). “A não-violência: estilo de uma política para a paz”, Mensagem do Santo Padre Francisco para a celebração do 50º Dia Mundial da Paz 1º de janeiro de 2017. Libreria Editrice Vaticana: Vaticano. http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/messages/peace/documents/papa-francesco_20161208_messaggio-l-giornata-mondiale-pace-2017.html (consultado a 01/01/2017)