36 anos. Linda, simpática e generosa. Deixa dois filhos pequenos. Conhecia-a muito mal. Tive alguns contactos mais ou menos fugazes, todos de trabalho e falei com ela, por questões mais pessoais relacionadas com um dos filhos, por duas ou três vezes. Mas acho que não me enganei: tinha uma doçura que passava pelo sorriso e pela forma de falar. Sei que era muito profissional e organizada no trabalho. Sei que vivia a maternidade com devoção e atenção, dando aos pormenores um peso que às vezes têm. Fui à igreja com algumas colegas, na cerimónia fúnebre. Achei que devia ir, pois trabalhou algum tempo numa equipa que conheço. Achei que devia estar lá e repetir, em jaculatórias simples, frases de consolo, de transcendência, para mim, mas, sobretudo, para ela, só para ela. Num diálogo interior com o Alto, para que a receba no seu infinito amor, com esta certeza que apazigua e consola a ferida, como um lento unguento que lá vamos pondo em cima. Um unguento certo e seguro, revestido do amor de Deus. E ao meu lado, por todo o lado, o desespero. A perda, a dor funda, tão funda, que ecoa, que grita das profundezas, quando se aproxima do pai, da mãe, do irmão, do marido, um amigo, quando se revê uma cara, quando se bate de frente com a perda e se entra neste mistério insondável, gigantesco e doloroso que é a morte. Desmonta-me sempre este sofrimento. Fico partidinha em mil pedaços “esfrangalhados” e não sei o que dizer, o que fazer, pois as frases que repito para mim e para ela, as tais jaculatórias repetidas em diálogo silenciado com o Alto, perdem o sentido e acho sempre que se podem reduzir a uma insignificância perante o tamanho do que se vive ali ao lado.

Não há nada que se possa dizer. Resta-nos o silêncio grande que acolhe tudo o que quisermos pôr lá dentro, resta-nos a presença para sentir com respeito e organizar os pensamentos.

Agora, o que sei que se pode fazer, que se tem de fazer, é revestir estes momentos de dor, de oportunidades pastorais únicas para fazer passar uma mensagem, para acolher e centrar este sofrimento para que, mesmo que não se acredite no mesmo em que acreditamos e mesmo que ali se esteja, numa igreja, só porque é culturalmente habitual, se perceba pelo tom com que falamos e pela doçura com que dizemos, pela forma como acolhemos, que Deus também está ali, nesse sofrimento. Paradoxal? Sim, é. Mas está. Mesmo. Porque Ele está na inteireza da vida. Toda.

E quanto a mim, continuarei a repetir a frase atribuída a Santo Agostinho e a imaginar cada um que parte, a dizê-la…. “Se me amas não chores. Se conhecesses o mistério imenso onde agora vivo, este horizonte sem fim, esta luz que tudo reveste e penetra, não chorarias, se me amas…” (…)