Padre Miguel Neto

Joseph Stalin, Benito Mussolini, Adolf Hitler, Francisco Franco, Mao Tsé-Tung, Francois “Papa Doc” Duvalier, Kim Il-Sung, Augusto Pinochet, Nicolae Ceausescu, Idi Amin Dada, Saddam Hussein, Moammar Gaddhafi, Kim Jong-Il, Pol-Pot, Jorge Videla, Mengistu Haile Mariam, Robert Mugabe, Jean-Bédel Bokassa, Than Shwe, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, Fulgêncio Baptista, Salazar. Tantos são os nomes, para nossa infelicidade, que certamente não consigo reproduzi-los a todos. Mas estou certo que já os identificaram como alguns dos mais tristemente célebres ditadores da história recente da humanidade. Uns de esquerda, outros de direita, caracterizaram-se, como dizem os dicionários (que são ferramentas úteis e de meu uso corrente), por reunir em si todos os poderes do Estado, usar de prepotência, serem autoritários e déspotas[1]. Tais características geram, por norma, situações extremas: perseguição política (com a prisão, perseguição, tortura, assassinato de opositores), concentração de poder e, consequentemente, da riqueza num circulo muito fechado de apoiantes, empobrecimento das populações a todos os níveis, fraco desenvolvimento económico, social, cultural dos países sob governo de tais figuras, ausência de todas as liberdades, incluindo a de circulação e de opinião.

Para mim, só há esta categoria de ditadores, mas nos últimos dias tenho sido surpreendido com os mais diversos comentários e atitudes que me fizeram colocar a questão: haverá outro tipo de ditadores, uns mais soft, engraçados e carismáticos, que afinal estavam cheios de boas intenções e queriam mesmo era libertar os seus povos?… Uns ditadores, mas “qb”[2]… Ditadorezinhos… Nada de muito grave e sério…

Tudo, está claro, a propósito da morte de Fidel Castro.

Afinal, em que lugar do ranking dos ditadores estava este homem? Vejamos: há bem pouco tempo ajudei a legalizar uma família cubana que veio viver para Portugal. Deixaram o seu país, não certamente apenas e só porque lhes apeteceu ou porque, como qualquer emigrante, buscavam a concretização de sonhos. Deixaram Cuba, porque em Cuba viviam mal, passavam fome e miséria, não eram livres de expressar o seu pensamento. E viram as consequências sofridas por quem se opunha ao regime. Também por estes dias, uma pessoa amiga que contacta com um médico cubano, me contava que lhe tinha perguntado se estava satisfeito pela sua morte ou não. A resposta, educada e humana, foi a seguinte: “- Ninguém se compraz pela morte de um ser humano. Agradeço ao Fidel Castro o meu curso, mas não lhe agradeço mais nada, pois em Cuba era tratado como escravo, sem direitos, sem possibilidade de ser livre e mesmo na minha profissão, se lá tivesse permanecido, não teria possibilidade de melhorar, de continuar a formar-me”.

A mim não me interessam as ideologias que serviram de base a todos estes ditadores, pois independentemente dos seus pensamentos teóricos, de esquerda ou de direita, a prática foi idêntica e Fidel, lamentavelmente, não fugiu a esta regra. Perseguiu, oprimiu, assassinou. Fez escolas e promoveu a medicina como ciência nobre? E isso de que adiantou, se quem aprendeu nas escolas a usar a cabeça não pode exprimir o seu pensamento em liberdade ou se quem precisa de cuidados médicos especiais não beneficia deles e tem falta de saúde por viver na miséria, mal nutrido, mal cuidado?!…

A “aura” romântica e tropical da ilha onde o tempo parou, os carros são do início do século XX, se ouve salsa e se dança com paixão, se fumam charutos e se desfruta do sol e de praias paradisíacas não pode esconder tudo o resto, nem “suavizar” um regime que trata o povo como criancinhas patetas, incapazes de crescer, porque crescer, como todos sabemos, implica contestar, repensar, querer coisas novas, ter projectos próprios.

Não comparo Fidel Castro aos políticos portugueses (ou a outros, de países que vivem em democracia), mesmo que muitas vezes tenha dificuldade em perceber os comportamentos desenvolvidos na esfera política, como, por exemplo, o de branquear regimes como o cubano. Todavia, isso é outro assunto, quem sabe para outra reflexão. Mas, acredito, ainda, que por mais falhas que tenham, os políticos nacionais defendem uma constituição que se rege por princípios democráticos e dirigem um país onde os cidadãos têm direitos e deveres muito claros e meios para os pôr em prática. E há respeito pela liberdade, que é um valor fundamental e reforço, mesmo fundamental.

Não o comparo, mas também não me é possível colocar Fidel Castro num pedestal, ou mesmo num pedestalzinho, desculpando e ignorando tudo o que a história regista que foi feito durante o seu governo. Um ditador é um ditador, porque não há “qb” nestas histórias, nem tão pouco nas vidas de quantos sofreram na pele as ações dos ditadores. O Fidel Castro era um ditador, ponto final.

[1] Infopédia, https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/ditador) e Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/ditador (consultados a 06-12-2016).

[2] Quanto baste – expressão usada na culinária para indicar a quantidade de um ingrediente a usar numa receita.

Padre Miguel Neto