"Caros amigos, a Igreja sente como sua missão prioritária na cultura actual, manter desperta a busca da verdade e, consequentemente, de Deus; levar as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e porem-se à procura das últimas", disse agora, na inesquecível visita que fez ao nosso país, o Papa Bento XVI. Um admirável discurso pronunciado no Centro Cultural de Belém, no encontro que teve com o mundo da cultura, com os homens e mulheres do Pensamento, da Ciência e da Arte. Mas também referiu que, já em 2009, no seu outro encontro com os Artistas, tinha dito: "E não tenhais medo de vos confrontar com a fonte primeira e última da beleza, de dialogar com os crentes, com quem, como vós, se sente peregrino no mundo e na história, rumo à Beleza infinita".
Foi por ter perdido este medo, e na minha condição de "peregrino", que me decidi a este diálogo. E digo "diálogo" porque estou convencido que as palavras que nos saem do coração, em busca da verdade, terão sempre um eco e uma resposta na inteligência e no coração dos outros "peregrinos".
Faço muitas vezes o percurso deste caminho de procura da Beleza infinita. E encontro-a sempre, não só nas grandes mas, sobretudo, nas pequenas coisas da vida, ajustadas ao meu tamanho, à minha medida. Tal como o amar se faz amando, o caminhar faz-se caminhando. Sem paragens. Sem descanso. Contemplando, no deslumbramento e no êxtase, a beleza das margens, alongando o olhar até à luz e à cor da linha última do horizonte.
A fé, para mim, não é uma tranquilidade – é um desassossego. Uma permanente ânsia de caminhar e de encher este caminho de companheiros de jornada. Para que respirem o mesmo espírito, oiçam a mesma música, sintam a mesma brisa, o calor do mesmo sol. "Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza", disse o Papa.
Neste desassossego há atitudes que não entendo. Mais do que isso, que me entristecem e magoam. Como esta, por exemplo: contou-me uma rapariga que, há pouco tempo, em conversa com um padre, jovem e culto, tinha questionado a existência do inferno e do diabo. – Porque pões isso em dúvida? perguntou ele. – Porque, respondeu ela, penso que a justiça de Deus passa pelo Seu amor e pela Sua misericórdia. Só Ele pode usar de misericórdia no seu pleno significado, porque só Ele conhece profundamente a pessoa e a razão e culpa dos seus actos. A misericórdia desagua no perdão e no esquecimento como consequência do conhecimento. É amor. E amar implica conhecer. O julgamento de Deus é sempre justo e a sentença, ao ser pronunciada, terá sempre em conta o peso do mistério íntimo e subterrâneo de cada um. Quanto ao diabo, esse não é necessário para justificar as nossas faltas, porque os demónios nascem e são criados dentro de nós, gerados nas tentações interiores, que fazem parte da natureza humana.
O padre escutou-a atentamente. E, curioso, perguntou: – Mas quem te disse isso?… – Penso muito nestas coisas…, respondeu ela. E ele retorquiu prontamente, afastando-se: "A pensar morreu um burro".
Será que estamos proibidos de pensar, de raciocinar, de aprender, de nos deslumbrarmos com o Amor que Deus é?
Bento XVI disse que a Igreja tem, como "missão prioritária na cultura actual, manter desperta a busca da verdade", cujos caminhos nos conduzirão a Jesus Cristo que, sendo a única Verdade, é também Caminho e Vida.
Nesta busca, numa entrega sincera, humilde e empenhada, não deveríamos estar todos muito atentos à descoberta dos horizontes que se abrem neste nosso tempo, às "coisas últimas" olhando para além das "penúltimas"?
Há sinais de mudança. Os sinais de uma nova evangelização multiplicam-se na cidade dos homens. Que cada um de nós seja também um desses sinais. Em busca da verdade.