A instituição matrimonial atravessa na actualidade uma profunda crise que deriva, entre outras causas, da consideração de que a sexualidade é única e exclusivamente uma questão privada, é um assunto que só interessa às duas pessoas envolvidas na relação e sendo isto assim, nenhum poder externo, nenhum poder social, teria o direito de intervir na sua regulação. Em certos círculos, chega a pensa-se que o amor é coisa exclusiva dos interessados e que nada deve imiscuir-se nos seus assuntos pessoais. Mas, na realidade, o amor é e sempre foi, um fenómeno que comporta também uma forte dimensão social.

Isto é tanto assim que aqueles que começam por proclamar a sua indiferença, desprezo e até hostilidade pela instituição matrimonial, fazendo mesmo a apologia do “tálamo sem lei” e do “amor sem papéis” são exactamente os primeiros que acabam a reivindicar aos governos e aos parlamentos legislações que os proteja e enquadre de modo análogo ao matrimónio e isto tanto para as uniões de facto de cariz heterossexual como para as uniões de tipo homossexual.

É neste contexto, que surgem leis como por exemplo a Lei 7/2001 que adopta medidas de protecção das uniões de facto e regula a situação jurídica de duas pessoas que vivem em união de facto, independentemente do sexo. Ora se ainda podemos compreender, até por razões de humanidade, solidariedade, equidade e respeito pela pessoa homossexual, que a lei das uniões de facto abranja no seu âmbito as uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo, já não podemos aceitar que se pretenda assimilar pura e simplesmente ao matrimónio as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Se o legislador pretende ir mais além da mera regulação das uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo e da protecção legal que daí deriva, deverá, a nosso ver, criar uma nova figura jurídica, distinta do matrimónio, pois também essa nova realidade social que se pretende institucionalizar, é estruturalmente diferente do matrimónio. O conceito jurídico do matrimónio está ocupado há séculos, para não dizer há milénios, pressupondo uma relação complementar entre duas pessoas de sexo diferente, com a possibilidade natural de gerar novas vidas humanas. Tal conceito é anterior aos Estados e até às religiões e antes de ser um instituto jurídico é um instituto natural e por isso não pode nem deve estar à mercê de episódicas maiorias políticas conjunturais que o manipulem a seu bel-prazer, quais engenheiros de bio-sociologia.

O matrimónio radica na diversidade dos sexos, na complementaridade da virilidade e da feminilidade. A dualidade homem – mulher implica que um e outra, sendo plenamente pessoas humanas, não possuam contudo do mesmo modo determinados aspectos existenciais da natureza humana, aspectos diferenciados que se reconduzem às dimensões complementares da virilidade no homem e da feminilidade na mulher. Assim, torna-se evidente que a diversidade sexual é essencial para o matrimónio, pois este, ainda que não única e exclusivamente, visa também a procriação, finalidade que a homossexualidade não realiza de modo algum.

Estamos hoje confrontados, é certo, com um contexto cultural marcado pelo relativismo e positivismo jurídicos, que considera o matrimónio como mera formalização social dos vínculos afectivos, segundo o qual o matrimónio não só se transforma em algo de permeável aos sentimentos humanos, como até o quer apresentar como uma superestrutura legal que a vontade humana poderá manipular a seu gosto, privando-o até da sua natural e prévia índole heterossexual. Aqui chegados e àqueles que assim pensam, cumpre-nos recordar que salvaguardar “a verdade do matrimónio”, ou defender essência do matrimónio, tal como sempre o conhecemos na nossa civilização, não constitui uma ingerência indevida da sociedade ou uma imposição extrínseca na realidade mais privada e íntima da vida, sendo pelo contrário uma exigência intrínseca do pacto de amor conjugal e da profundidade da pessoa humana.