Como é habitual no dia 24 de janeiro, memória de São Francisco de Sales, o Papa Francisco envia a sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que é celebrado na Ascensão do Senhor. Este ano foi o tema da escuta que foi trabalhado.

De facto, “escutar” é essencial para vivermos em sociedade, sobretudo numa sociedade que desejamos cristã. O Santo Padre alerta-nos: «estamos a perder a capacidade de ouvir a pessoa que temos à nossa frente, tanto na teia normal das relações quotidianas como nos debates sobre os assuntos mais importantes da convivência» humana. Diz-nos que «a um médico ilustre, habituado a cuidar das feridas da alma, foi-lhe perguntada qual era a maior necessidade dos seres humanos. Respondeu: “O desejo ilimitado de ser ouvidos”.

E o Santo Padre reflete: «Apesar de frequentemente oculto, é um desejo que interpela toda a pessoa chamada a ser educadora, formadora, ou que desempenhe de algum modo o papel de comunicador». Mesmo na Sagrada Escritura fica demonstrado que «a escuta não significa apenas uma perceção acústica», mas é uma «relação dialogal entre Deus e a humanidade». E acrescenta: «No ‘shema’ Israel – escuta, Israel” (Dt 6, 4) a iniciativa é de Deus, que nos fala e a ela correspondemos escutando-O». Assim «a escuta corresponde ao estilo humilde de Deus. Ela permite a Deus revelar-Se como Aquele que, falando, cria o homem à sua imagem e, ouvindo-o, reconhece-o como seu interlocutor. Deus ama o homem, por isso “inclina o ouvido” para o escutar.»

Na mensagem, Francisco salienta, porém, que «o homem tende a fugir da relação para não ter de escutar. Esta recusa de ouvir acaba muitas vezes por se transformar em agressividade sobre o outro». Grande parte dos que falam da necessidade de escutar querem ser escutados, mas não querem ouvir a sério, que o que se lhes revela através da escuta e da vida não pode ser autorreferencial. Queremos mais vezes ser escutados, do que escutar e pôr-nos em causa com aquilo que escutamos». A escuta não é um pedido: é uma atitude nossa, clara e substancialmente assumida, atitude de quem ultrapassa «uma surdez interior, pior do que a física» e compreende que «a verdadeira sede da escuta é o coração» e que não pode usar a escuta como uma forma de «espiar» os outros, instrumentalizando-os «para os nossos interesses». Pelo contrário, teremos de nos abeirar de todos «com abertura leal, confiante e honesta», recorrendo à virtude da «paciência, juntamente com a capacidade de se deixar surpreender pela verdade», pois «só o espanto permite o conhecimento». E é isso que o Papa Francisco nos diz: não se trata de implorar a escuta dos outros como se fossemos sempre os donos da verdade e inteligência, mas demonstrar que escutamos todos, como alguém que tem tudo a aprender do outro. «Assim temos, por um lado, Deus que sempre Se revela comunicando-Se livremente, e, por outro, o homem, a quem é pedido para sintonizar-se, colocar-se à escuta. No fundo, a escuta é uma dimensão do amor».

Mas escutar não é, apenas e só, escutar. É escutar bem, como fica explicito na sugestão de Jesus (Lc 8, 18), que Francisco destaca: «Só prestando atenção a quem ouvimos, àquilo que ouvimos e ao modo como ouvimos é que podemos crescer na arte de comunicar, cujo cerne não é uma teoria nem uma técnica, mas a “capacidade do coração que torna possível a proximidade (Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 171)”». E mais: «a primeira escuta a reaver quando se procura uma comunicação verdadeira é a escuta de si mesmo, das próprias exigências mais autênticas, inscritas no íntimo de cada pessoa. E não se pode recomeçar senão escutando aquilo que nos torna únicos na criação: o desejo de estar em relação com os outros e com o Outro. Não fomos feitos para viver como átomos, mas juntos», conclui o Sumo Pontífice.

Na vida pública, na política, também há esta deturpação do que é o verdadeiro sentido da escuta, invertendo-a, na perspetiva de Francisco, para a busca pela audiência e esta, por sua vez, promove a banalização, o ridicularizar do outro, a simplificação e a ideologização. Promove, também, a incapacidade de «narrar um acontecimento ou descrever uma realidade» sem que estejamos «prontos mesmo a mudar de ideia, a modificar as próprias hipóteses iniciais». Ou seja, estamos mais prontos para o monólogo, do que para a verdadeira e saudável troca de ideias, que «garante credibilidade e seriedade à informação que transmitimos». Inclusive na Igreja, afirma o Santo Padre, mencionando que o discernimento «se apresenta sempre como a capacidade de se orientar numa sinfonia de vozes» e que quem não tem esta capacidade de escuta «depressa deixará de ser capaz de escutar o próprio Deus». A riqueza da Igreja está na sua polifonia e no que Francisco denomina de «apostolado do ouvido»

Diz o Papa: «Na realidade, em muitos diálogos, efetivamente não comunicamos; estamos simplesmente à espera que o outro acabe de falar para impor o nosso ponto de vista. Ao contrário, na verdadeira comunicação, o eu e o tu encontram-se ambos “em saída”, tendendo um para o outro».

Neste tempo de pandemia, o Papa exorta-nos a sermos capazes de vencer todas as desconfianças, de tornarmos a Igreja e o mundo mais transparentes, mais acolhedores, porque quem conhece e escuta de coração aberto as histórias dos que sofrem – migrantes, refugiados, etc. – torna-se mais capaz de «participar numa comunhão que nos precede e inclui», de construir «uma Igreja sinfónica, na qual cada um é capaz de cantar com a própria voz, acolhendo como dom as dos outros, para manifestar a harmonia do conjunto que o Espírito Santo compõe».