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Foto © Samuel Mendonça

Milhares de pessoas, incluindo emigrantes e muitíssimos turistas (portugueses de vários pontos do país e estrangeiros) voltaram a reunir-se em São Brás de Alportel no Domingo de Páscoa para a tradicional Festa das Tochas Floridas, uma manifestação popular da fé em Jesus Cristo ressuscitado.

Esta festa, e concretamente a Procissão da Ressurreição, vai-se impondo no Algarve como a segunda de maior participação, logo depois da de Nossa Senhora da Piedade (Mãe Soberana), superando mesmo a Procissão do Senhor Morto em Faro, realizada em noite de Sexta-feira Santa.

Após a eucaristia da Ressurreição, presidida na igreja matriz pelo pároco de São Brás de Alportel, o padre José Cunha Duarte, seguiu-se então a procissão onde os andores dão lugar às flores que ornamentam as trabalhadas tochas e as ruas. Estas, engalanadas também com bandeiras vermelhas e brancas, colchas penduradas às janelas e lonas com a imagem de Cristo ressuscitado, transformaram-se, uma vez mais, num «mar» de tochas floridas com os homens a abrir a procissão, formando alas e empunhando na mão uma tocha. Ao longo do cortejo, também conhecido como Procissão do Aleluia, reúnem-se em pequenos grupos para, alternadamente, levantarem o grito do “aleluia”. Aqui e além ouve-se uma voz potente e sonora: “Ressuscitou como disse!”. O grupo, erguendo bem alto a tocha, responde: “Aleluia, aleluia, aleluia!”.

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Foto © Samuel Mendonça

Um longo tapete com dois quilómetros de flores cobre o chão com símbolos, descrevendo o percurso da procissão com cores e aromas de funcho, rosmaninho, alecrim, alfazema e flores silvestres, que louvam a ressurreição de Cristo. Para a obra, num trabalho que resulta de uma centena de voluntários, são precisas três toneladas de flores. Depois de uma árdua semana na apanha e preparação da matéria-prima, é na madrugada do Domingo de Páscoa, por volta das 5h, que todos os minutos são poucos, noite fora, até ao amanhecer, para que, quando o sol nasça, possa revelar o tapete florido que descreve o percurso do cortejo e que pode ser observado a partir das 9.30h nas ruas de São Brás de Alportel.

O padre Afonso Cunha Duarte, vigário paroquial de São Brás de Alportel, historiador e irmão do prior, explica que “esta procissão foi outrora popular em todo o Algarve”, realizando-se presentemente também ainda em Portimão. No séc. XIX, “praticamente todas as aldeias organizavam esta Procissão da Ressurreição”, na qual as pessoas levavam nas mãos uma vela que antigamente “era designada por tocha”, conta o sacerdote. Também conhecida como a Procissão das três Marias (em alusão às mulheres que se deslocaram ao túmulo de Jesus na manhã da ressurreição), as confrarias, responsáveis pela organização, eram então obrigadas a levar uma tocha acesa ou luminária e as opas vestidas. Posteriormente, a falta de cera levou ao aparecimento de paus pintados e ornamentados com flores, no cimo do qual se colocava uma pequena vela.

Mais tarde, com o desaparecimento das confrarias, permanecem na procissão os paus enfeitados, as lanternas e as velas acesas ao lado do pálio e as opas, que ainda hoje são usadas pelos homens que transportam o pálio. “Ao longo da procissão, cantavam-se hinos, responsos e o aleluia, em honra da Ressurreição do Senhor. Antigamente havia também um ou dois coros a cantar e o povo respondia, mas com o passar do tempo, a falta de clero e de cantores, levou a que o canto ficasse na boca do povo. Com a implantação da República esta situação, que era comum em todas as paróquias, alterou-se, pois as manifestações públicas foram proibidas. A tradição das procissões esmoreceu”, refere o padre Cunha Duarte que, a título de exemplo, relembra que, em Lagos, a primeira procissão apenas voltou em 1941.

Com a ida do padre José Cunha Duarte para a paróquia de São Brás de Alportel, em 1981, a festa foi recuperada e nunca mais cessou. “O bispo de então pediu-me para restaurar a tradição e todos os anos se organiza a Procissão das Tochas em todo o seu esplendor”, garante o pároco.

No domingo, a procissão da festa, promovida pela paróquia de São Brás de Alportel em colaboração com a Câmara Municipal e a Associação Cultural Sambrasense, terminou como é hábito: com o regresso à igreja matriz para nova celebração da eucaristia.