
As dioceses do Algarve, Beja e Évora promoveram este fim de semana uma ação de formação conjunta que refletiu sobre o enquadramento da Educação Moral e Religiosa Católica (EMRC) na autonomia e flexibilidade curricular pretendida para o ensino.
A iniciativa interdiocesana reuniu quase 40 dos cerca de 75 professores daquela disciplina no ativo nas três dioceses que estão entre as que no país têm menos docentes de EMRC. A formação teve lugar no Centro Social e Pastoral da Diocese do Algarve, em Ferragudo, promovida em colaboração pelos secretariados das três dioceses na área da pastoral escolar.

Em declarações ao Folha do Domingo, a formadora Maria Manuela Barreiros, professora e responsável do Secretariado do Ensino Religioso Escolar da Arquidiocese de Évora, lembrou que o quadro legislativo na área da educação mudou em julho do ano passado e os dois decretos-lei aprovados – 54 e 55 – obrigaram a uma “reflexão muito profunda sobre todo o processo de ensino e de aprendizagem” na sequência do “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”, que já tinha sido homologado pelo Ministério da Educação em julho de 2017.
“Foi necessário cada disciplina definir as aprendizagens essenciais. Essas aprendizagens devem ajudar o aluno, no percurso dos seus 12 anos de escolaridade, a adquirir esse tal perfil”, observou, salientando que a principal alteração teve a ver com a necessidade de valorizar também as competências sociais, através das atitudes, valores e comportamentos dos alunos, para além das cognitivas.
Embora considere que, “para a escola em geral isto tem o desafio de uma mudança de paradigma total”, porque “implica também uma mudança de mentalidades” que “não é fácil”, a formadora destacou que, no caso da EMRC, a alteração legislativa vem ao encontro daquilo que já era feito no âmbito da disciplina. “O perfil do aluno baseia-se em princípios e valores que são os que nós defendemos, os valores que estão implícitos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, dando-lhe o cunho da confessionalidade católica”, observou, acrescentando que estes visam “o caminho para a felicidade, o caminho da inclusão e da tolerância”.

Maria Manuela Barreiros considerou que, também por isso, a EMRC “é sempre uma mais-valia em qualquer agrupamento de escolas”. “Espero que as escolas já tenham visto isso, mas não vendo, agora também é uma boa oportunidade para tomarem consciência”, afirmou, enaltecendo ainda o mérito regulamentador da alteração legislativa.
A valorização das competências sociais que o novo enquadramento trouxe tem de expressar-se também nos critérios de avaliação que são estabelecidos nos agrupamentos de escolas e os docentes de EMRC do sul do país refletiram sobre eles. “As diretrizes dos critérios têm que ser definidas pelo conselho pedagógico e depois cada disciplina, em sede de departamentos curriculares, irá também elaborar os seus”, explicou a formadora, acrescentando ser preciso quantificar o peso das componentes cognitiva e social. “Temos de fazer aqui uma mudança drástica no que é que avaliamos e como é que avaliamos”, advertiu.
Maria da Graça Pinto, professora da disciplina há 26 anos, trabalha no agrupamento de escolas de Vendas Novas, na Arquidiocese de Évora, e é uma das docentes que já trabalha há mais tempo a questão da autonomia e flexibilidade curricular. “É uma questão importante, que está adequada e que nos mostra que temos que alterar o caminho como docentes e como educadores, apontando-nos algumas pistas para essa mudança de rumo e de direção”, afirmou ao Folha do Domingo.
No entanto, aquela professora confirma que a mudança “não tem sido fácil” porque “implica mobilização de recursos”. “A dificuldade tem sido um mobilizar agrupamentos inteiros, conjuntos de docentes”, especifica, confirmando que “a mudança de práticas, de atitudes e de procedimentos, nem sempre é fácil”.
A docente atesta que a flexibilização na disciplina “era já uma preocupação”. “Nós já estávamos preparados para esta flexibilidade curricular e já tínhamos até definido em termos de programa com que disciplinas é que podíamos articular, quais os conteúdos da nossa disciplina que são compatíveis em termos de temática com conteúdos de outras disciplinas”, declarou, acrescentando que no caso do seu agrupamento o contributo da EMRC para a aquisição do “Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória” tem sido reconhecido.
A formação deste fim de semana no Algarve contou com a presença de dois responsáveis do Departamento de EMRC do Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC). Fernando Moita, coordenador daquele organismo, considera a mudança legislativa “uma tentativa do atual governo de colocar ainda mais a centralidade da aprendizagem do aluno no sistema educativo”, “menos nos resultados e mais nos processos”, dotando as escolas de alguns “instrumentos de índole pedagógica”.

Em declarações ao Folha do Domingo, aquele responsável também destacou a “experiência acumulada” da EMRC em “gerir a flexibilidade”. “A nossa disciplina, porque é uma disciplina que toca a quase totalidade dos saberes, tem de ser uma disciplina muito flexível”, enfatizou, acrescentando também que, desde sempre, que “a EMRC encara a formação de pessoas, valorizando a dimensão valorativa” que agora passou a ser mais tida em conta, não obstante já constar da Lei de Bases da Educação de 1986.
Fernando Moita enquadrou aquela iniciativa no âmbito de um dos “grandes desafios” com que a disciplina se depara e que disse ser precisamente a formação dos docentes. “É a grande aposta. Em todas as áreas, mas naquilo que é o nosso campo específico: em Teologia, na Bíblia, nas questões éticas e morais e na dimensão educativa e pedagógica”, sustentou, acrescentando que “este ano o SNEC não tomou a decisão de organizar por si formação, mas decidiu pedir às dioceses que, sozinhas ou com dioceses vizinhas, se organizem e peçam toda a colaboração possível”. “O objetivo é que cada diocese encontre as necessidades que considera mais importantes para os seus professores”, complementou, explicando que as dioceses estão a responder ao desafio.