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Painel “Memória, Receção e desafios conciliares no Algarve”
© Samuel Mendonça

Os cónegos Joaquim Cupertino e Joaquim José Nunes e o padre Rui Guerreio dinamizaram um painel que guiou os participantes no Simpósio Vaticano II pela forma como a Igreja algarvia acompanhou a reunião conciliar e todas as transformações por ela suscitadas.

«Em 1956, o cardeal Roncalli visitou Fátima e o Seminário dos Olivais. Aos alunos, entre os quais me encontrava», recordou Joaquim Cupertino, «impressionou a bondade e a forma como falou». Mais tarde, já em 1958, em Roma, o sacerdote algarvio viu o fumo branco da eleição do novo papa, «o mesmo que nos havia impressionado com a sua bondade e simplicidade e que tomaria o nome de João XXII». Este homem, que Joaquim Cupertino classificou de «simples e alegre», seria o responsável pela convocatória do Concílio.

«Neste mundo, tudo o que é novidade atemoriza uns e excita outros e há sempre perigos de excesso de ambos os lados», comentou o sacerdote e, na sua opinião, «tal aconteceu com o concílio Vaticano II». Nessa ocasião, conta o sacerdote, «os jovens padres sentiram que se fazia uma revolução no seio da Igreja, aproximando-a dos tempos atuais, de modo a que os homens pudessem ver melhor o rosto de Cristo».

Relembra que assim que o concílio iniciou, surgiram duas tendências entre os participantes: o progressismo e o conservadorismo. «Os cardeais da cúria eram vistos pelos progressistas como rigidamente conservadores», conta e acrescenta: «Outros eram vistos como mais flexíveis, como o cardeal Béa, que estava profundamente ligado ao ecumenismo. O arcebispo de Bolonha também teve particular destaque, tendo tido um papel importante na definição do texto final da Lumens Gentium».

A Diocese do Algarve teve no concílio o seu Bispo, D. Francisco Rendeiro, que «sempre que possível ia pondo a diocese a par do que se passava na reunião conciliar, escrevendo crónicas publicadas no jornal Folha do Domingo».

Joaquim Cupertino destacou o papel do diálogo, do voto e da aceitação do outro, para que se conseguisse um consenso em todos os trabalhos que decorreram ao longo da reunião magna da Igreja. «A frase que corria era: oiça-se sempre a outra parte», refere a este propósito.

Para Monsenhor Cupertino o «concílio veio superar o anterior trinómio – clero, religiosos, leigos –, para passar ao binómio comunidade/carisma e ministérios» e refere mesmo que este terá sido um momento de «um novo Pentecostes, que trouxe uma luz nova à humanidade e trouxe sementes para um mundo novo, que teremos de ser nós a pôr em prática, na fidelidade».

Joaquim José Nunes, numa viagem pessoal às suas memórias, acabou por nos dar conta da forma como as marcas da grande reunião da cristandade foram sendo sentidas no seio da Igreja algarvia, nomeadamente através do trabalho nas comunidades. As diferenças vividas e experienciadas na catequese e nos catecismos, em que novos temas ganharam destaque, a própria configuração das salas de catequese, com bancos corridos, bem como a disponibilidade dos catequistas para ouvir e esclarecer, sugiram como uma novidade, uma nova forma de dar a conhecer a Igreja e a Palavra de Deus.

Joaquim José Nunes recorda, ainda, que a marca mais visível do concílio terá sido a liturgia, «marca mais visível por fora do que por dentro», como realçou. «A missa», relembrou o sacerdote, «passa a ser celebrada virada para o povo (a primeira foi a missa nova do Pe. José Nunes), os leigos são chamados a fazer leituras, o arranjo da igreja passa a ser diferente». A própria linguagem sofre uma alteração, no sentido de realçar a participação e o envolvimento de todos os católicos: homilia dominical, por oposição a sermão; participar na eucaristia, por oposição a assistir à missa, entre outras, são sinal desta transformação que ia dando um novo rosto à Igreja.

Também no que toca ao conhecimento a Igreja algarvia muda, passando a ser visível uma preocupação de criação de grupos de formação cristã, de análise bíblica, de leitura e partilha de experiências.

A Igreja tem visivelmente um relacionamento direto com a sociedade, com o mundo que a envolve, implementando projetos e ações, que ainda hoje são visíveis e que continuam a envolver os católicos.

Rui Guerreiro, o sacerdote mais jovem deste painel, trouxe até ao simpósio o resultado da reflexão dos presbíteros mais jovens da diocese algarvia, quanto aos desafios que se colocam à Igreja, que considerou numerosos e, em alguns aspetos, marcados por alguma utopia.

No que diz respeito à Sinodalidade/colegialidade apontou a maior responsabilização dos leigos na realização dos programas pastorais e um reforço da solidariedade como pontos a aprofundar. «A dimensão da fraternidade inquieta-nos quanto à vida paroquial, nomeadamente como criar o espírito de família e o acolhimento a quem chega de novo, bem como uma maior transparência nas contas de cada paróquia», salientou. Também apontou a «importância da catequese e da disciplina de Moral e Religião Católica, que é preciso honrar» e a necessidade de ter «uma presença que não pode ser fraca nos professores que apresentamos». Rui Guerreiro salientou, ainda, que a «paróquia não pode ser uma empresa de sacramentos».

No caso do apoio que a Igreja presta às famílias consideram os sacerdotes mais jovens do algarve que é «preciso encontrar formas de estar presente nos momentos pós casamento e em momentos difíceis vividos pelos casais» e questionam: «Quando se fala de acolhimento, de que estamos a falar, o que propõe a igreja?»

Viver a busca pela santidade é outro dos desafios propostos pelo Concílio e apontado por Rui Guerreiro como um dos pontos a refletir: «Como chamar os crentes à santidade, sem que este seja um ideal utópico?», questiona.

A unidade dos critérios pastorais, a inclusão da cultura na prática pastoral são, igualmente, temas que interpelam o clero mais jovem do algarve e que permanecem desafios colocados pela reunião da Igreja, de há 50 anos atrás.

«É preciso crescer na fraternidade», salientou Rui Guerreiro, sintetizando a posição de todos os participantes neste painel, de modo a que se continue, como referiu Joaquim Cupertino, a «levar a igreja ao mundo, mostrando o seu rosto de mãe espiritual» e «apelando a uma união espiritual com base na partilha de valores comuns».