«”Quem não está comigo, está contra mim; e quem não recolhe comigo, desperdiça” (Lc 11, 23).
O grande problema, proposto ao mundo, depois de quase dois milénios, continua o mesmo. Cristo sempre a brilhar no centro da história e da vida; os homens ou estão com ele e com a sua Igreja, e então gozam da luz, da bondade, da ordem e da paz; ou estão sem ele, ou contra ele, e deliberadamente contra a sua Igreja: tornam-se motivo de confusão, causando aspereza nas relações humanas, e perigos contínuos de guerras fratricidas».

Estas palavras foram proferidas por S. João XXIII, no dia 11 de outubro de 1962, perante a grande assembleia que se reunia no primeiro dia do Concílio Vaticano II. O Santo Padre, por quem tenho particular apreço e devoção (que, aliás, já manifestei noutros textos e ocasiões), saberia, no seu íntimo, que dava início a um momento marcante, mas que, muito provavelmente, sabendo como era a Igreja, ou melhor – vamos afirmar de outra maneira –, a hierarquia, tudo seria muito difícil. E quando falo de tudo, falo desta necessidade de colocar Cristo no centro de tudo, fazendo-O brilhar singular e imperiosamente, como o Redentor, Caminho, Verdade e Vida que é.

Na Bíblia diz-se que a palavra guerra aparece pelo menos umas 47 vezes. Certamente, não será sempre para relatar episódios de conflito entre irmãos de e na Fé, mas sendo uma constante da história da Humanidade, não deixa de ser marca, também, daquilo que é a própria Igreja, daquilo que, ao longo de tantos séculos, a fez mover e fundamentou tantas das suas propostas. Porque, não esqueçamos, ainda que crentes – e sou-o, não duvidem! – na ação do Espírito, reconhecemos, na nossa humanidade, a limitação que tantas vezes supera a força desse vento, «sopro de nova criação», «sopro vital», nas palavras de Tolentino de Mendonça.

É a nossa incapacidade, a nossa imobilidade que contrasta com esse «oxigénio de que precisamos para existir», dizia. E existir, para o crente católico, é saber que tem de estar, primeiro e antes de qualquer coisa, ao lado do próximo, ao lado do fraco, do oprimido, do pobre, do que sofre por alguma razão. Não é estar do lado dos que julgam e impõem barreiras à proximidade com o Cristo que, sofredor, continua a morrer, por nós, todos os dias. E que morte! Que morte!

Não é, por certo, assumir o papel incongruente e anacrónico de uma “nova, pseudo inquisição”, que acha que tem de cortar a voz do povo de Deus; que tem de forçar o clero a agir de uma determinada forma; que tem de impedir o atual Papa de regressar a esse caminho proposto em 1962 e nunca terminado, porque desafiador de tantos interesses…..

Dizem as vozes por aí, nas redes sociais, nos jornais e sei lá mais por onde, mas atrás de muitas portas, estou certo de que sim: estamos em guerra na Igreja portuguesa. Há fações. Há partidários de fações. Há vozes que se manifestam, outras que se calam. Há leigos que revelam o seu sofrimento e a sua tristeza por se verem, cada vez menos, representados neste emaranhado de egos e disputas, de politiquices e falta de senso. Há pessoas que sentem que, partindo Francisco, a guerra terá uma visibilidade muito mais aberta e causadora de dores profundíssimas.

«Novos caminhos», pedia S. João XXIII. Haverá vontade de criar novos caminhos? Haverá sensibilidade para discutir de forma aberta e descomplexada todos os temas e situações? Haverá consideração por aqueles que manifestam o seu pensamento, mesmo que seja diferente do meu e, se calhar, na grande maioria das vezes, é o maioritário? Haverá discernimento para poder abordar as questões com sabedoria e entendimento e não com o espinho do orgulho ferido, ou o medo da perda de posição? Haverá capacidade para entender que a Igreja sonhada pelos Apóstolos era a Igreja Família, onde as regras nascem do amor, da partilha, da sensibilidade e do respeito, mais do que da imposição e de uma autoridade ferida pela falta de coerência e verdade?

Tenho muito mais questões que respostas, mas a fundamental está dentro de mim e prevalece: Jesus é Amor e pediu que o fossemos. Se não o soubermos ser, amando qualquer um; se não soubermos pedir, humildemente, perdão, perdoando a nós mesmos primeiro, porque quem não tem pecados, não deve ainda ter nascido, para, em seguida, perdoar os outros; se não soubermos estar abertos aos sinais dos tempos; se não tivermos um coração aberto à «graça divina, que, elevando os homens à dignidade de filhos de Deus», nos fará vê-los na «sua excelsa dignidade e o seu fim», assim como «a plenitude da caridade cristã, que é o melhor auxílio para eliminar as sementes da discórdia; e nada é mais eficaz para fomentar a concórdia, a paz justa e a união fraterna». Se não divisarmos isto, então esta Igreja Família nunca existiu, nem existirá. É um produto dos meus sonhos, uma casa que desejei e que amei, a ponto de me entregar a ela, mas que terá sido uma miragem, uma deflexão titubeante e enganadora, tão deserta como o maior dos Saharas. E apenas terei a Cristo, meu Senhor, meu Deus e meu Rei. Porque será sempre Ele o guia dos meus passos. E devia ser o de todos. Se houvesse coragem e vergonha.