
«Nós, os jornalistas, estamos habituados a usar categorias para classificar os Papas, que perante o Papa Francisco já não funcionam», diz Spadaro. «Ele não entra em categorias, não cabe em nenhuma: não sei se é conservador ou progressista, já que não corresponde a clichê algum», afirma.
Na sua opinião, o papado atual coloca questões em relação às quais não estávamos habituados a pensar, sobretudo porque o Papa recorre sempre à lógica do testemunho para expressar os seus pontos de vista. «Ele não fala por abstrações, por teoria», explica o sacerdote jesuíta e acrescenta: «Sempre que fala de algo abstrato, regressa à sua experiência concreta. Não fala na lógica dos documentos, mas da sua experiência» e por isso «cria eventos comunicativos», que estão profundamente ligados à sua capacidade e vontade de dar testemunho. E Spadaro acrescenta: «Nós acreditamos que o Papa vai do ponto A ao B, pondo em ordem de forma cartesiana as suas ideias. Este modo de pensar não funciona, percebi isto na entrevista. Ele, ao falar dos outros, está a falar dele mesmo». Na verdade, Francisco baseia as suas decisões relativas à Igreja numa dinâmica que Spadaro define como de «oração e reflexão» e que o leva a seguir um caminho, enfrentando o que se lhe vai deparando, sem recorrer a declarações de princípio ou distanciando-se da sua experiência. «Este papado é marcado pelo discernimento. O Papa não é rígido, mas flexível e marcado pelo diálogo. Com coragem e humor», diz o Diretor de La Civiltà Cattolica e acrescenta: «Ele vive na oração e na partilha e é muito disponível e flexível».
António Spadaro acredita que para o Papa Francisco a mundanidade é «o cancro da igreja» e que para ele «os conceitos mais importantes são a proximidade dos mais fracos e a luta contra a mundanidade espiritual». Considera que foi «muito corajoso» nas atitudes que tomou até este momento e que em Roma há a perceção de «uma grande fluidez, de que não há rigidez, mas há muita abertura relativamente ao que se deverá fazer daqui para a frente». Percebe-se que a dinâmica que o Papa está a imprimir «não é a de um só homem, que pensa o futuro da Igreja só». Essa dinâmica é visível em algumas das suas decisões, como a de ter a seu lado um Conselho composto por oito cardeais, que tem como objetivo ajudar a pensar a reforma da Cúria (órgão administrativo da Santa Sé, constituído pelas autoridades que coordenam e organizam o funcionamento da Igreja e que pode ser visto como o seu governo). «Globalmente, o Papa não é pró ou contra a Cúria», diz Spadaro. «A sua ação é de abanar, como se abanasse as estruturas da igreja, tornando-as fluídas», acrescenta e reforça esta ideia, dizendo que o Santo Padre procura, com a criação deste Conselho, «refletir com todos, no mundo, para perceber qual deve ser a forma de tornar a Cúria um instrumento mais ágil e simples ao serviço da igreja».
«O Papa Francisco pretende não falar das coisas que para ele são óbvias e o Concílio Vaticano II para ele foi um ponto de não retorno», conta o Diretor de La Civiltà Cattolica, dizendo que este Concílio «produziu um movimento de renovação a partir do próprio Evangelho» e que o que verdadeiramente interessa a Sua Santidade «é perceber essa dinâmica, aplicando-a um contexto cultural contemporâneo.
Para Spadaro, O Papa Francisco «é um ponto absoluto de não retorno», que «não pode ser ignorado ou esquecido».
Ideia da entrevista ao Papa surgiu em Portugal
A ideia de realizar a entrevista ao Papa nasceu em Portugal, mais precisamente em Lisboa, onde decorreu, em junho passado, o encontro dos diretores das revistas jesuítas da Europa e América Latina. «E esta ideia foi muito apreciada», conta António Spadaro, «e como encontraria o Papa dali a dias, fiquei encarregue de lhe propor isso, já que a revista La Civiltà Cattolica, que é a revista mais antiga de Itália e do mundo, publicada sem interrupções desde 1850, tinha uma audiência marcada com Sua Santidade».
Aliás, a propósito do agendamento dessa audiência com o Papa, Spadaro recorda um episódio que revela, mais uma vez, o caráter informal, próximo e simples do Santo Padre. «O porteiro da minha casa recebeu um telefonema. Como eu não estava, a pessoa que ligou disse-lhe que voltaria a contatar-me. O porteiro pediu-lhe que se identificasse e ouviu do outro lado: – “Diga-lhe que sou o Papa Francisco”. E mais tarde, voltou efetivamente a ligar-me para o meu telemóvel, dizendo: – “Ciao, sono Papa Francisco” (Olá, sou o Papa Francisco)».
Durante a referida audiência, António Spadaro tem a possibilidade de estar a sós com Sua Santidade e pede-lhe uma entrevista. Francisco diz-lhe que não dá entrevistas, «porque as respostas só lhe ocorrem cinco minutos depois de lhe fazerem a pergunta», mas acaba por sugerir que Spadaro prepare as questões que pretende fazer e lhas envie antecipadamente, para que pudessem, então, fazer a entrevista. «Entreguei-lhe as perguntas no Brasil, nas Jornadas Mundiais da Juventude», conta o sacerdote jesuíta.
O encontro com o Papa Francisco foi agendado para 19 de agosto. «Tenho dificuldade em ver este diálogo como entrevista», revela o diretor de La Civiltà Cattolica e justifica: «Para mim foi uma verdadeira experiência espiritual, de estar em contato com esta pessoa muito simples e imediata, diria intima». Conta que o Papa o recebeu no quarto, um espaço «com um ambiente muito simples, austero, mais simples que o meu quarto». Diz que sentiu «uma imediata simplicidade, imediatez, acolhimento».
A entrevista foi publicada em seis revistas da Companhia de Jesus editadas em diferentes partes do mundo (em Portugal pode ser lida na integra na revista Brotéria) e foi revista em conjunto com o Papa. Muitas pessoas tiveram contato com o texto antes da sua publicação, mas «ninguém falou sobre a entrevista», conta Spadaro. «Saiu à mesma hora, no mesmo momento e foi uma espécie de um milagre comunicativo», diz. «Recebi, na véspera da publicação, uma mensagem de um grande jornal internacional, dizendo que tinham sabido do conteúdo e pensei que o furo tinha acabado, mas logo a seguir recebi outra dizendo que respeitariam o embargo, facto que contribuiu, ainda mais, para considerar esta entrevista um milagre comunicativo».