A Comunidade do ‘Chemin Neuf’ (Caminho Novo) realiza anualmente um festival de juventude, intitulado ‘Welcome to Paradise’ (Bem-vindo ao Paraíso), durante quatro semanas na França com cerca de 1.500 participantes de 40 países, que nos anos em que acontece a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é transferido para o país de acolhimento daquele evento com o Papa durante a semana que o antecede e vê a sua participação alargada a cerca de 4.500 jovens. Assim, no próximo ano decorrerá de 26 a 31 de julho em Portugal e o local escolhido foi Portimão.

O padre Luciano Couto com três jovens da fraternidade que está no Algarve
Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo
Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

A Comunidade do ‘Chemin Neuf’ enviou logo em agosto deste ano uma delegação de seis colaboradores para o Algarve com vista à preparação quer do festival, que decorrerá durante no âmbito dos designados ‘Dias nas Dioceses’, quer da sua participação na JMJ em Lisboa. Esta “fraternidade missionária” que está há três meses sediada no Centro Pastoral e Social da Diocese do Algarve em Ferragudo, é coordenada pelo padre Luciano Couto, responsável pela Comunidade do ‘Chemin Neuf’ no Brasil, um dos 35 países do mundo onde está presente. Para além daquele sacerdote, a equipa é composta ainda por um religioso, por três jovens brasileiras e um francês da comunidade.

Foto © Comunidade ‘Chemin Neuf’

O padre Luciano Couto explicou ao Folha do Domingo que o ‘Welcome to Paradise‘, evento traduzido em 10 línguas que acolhe participantes de cerca de 40 países, é “construído a partir da intuição de Santo Inácio de Loyola do retiro de exercícios espirituais, adaptado para uma pedagogia de festival jovem”. “Basicamente, o tema gira em torno do querigma, o anúncio do amor, da misericórdia e da salvação em Jesus Cristo. Mas – e para utilizar uma expressão do Papa Francisco – a imagem mais pertinente sobre o festival, que tem também um forte cariz ecuménico, é a da Igreja de portas abertas. É um lugar eclesial aonde a Igreja abre suas portas para acolher o jovem do jeito que ele está, como ele está, como ele é, sem nenhuma pergunta, nenhum julgamento, nenhuma condição. A única pergunta que a gente faz é «você quer vir?»”, desenvolveu, acrescentando que “não interessa” se o participante é ou não cristão ou se vive ou não “de acordo com a doutrina da Igreja”.

Foto © Comunidade ‘Chemin Neuf’

“Um jovem cristão, engajado na Igreja, que tem já uma fé sólida e uma caminhada na Igreja, seja sozinho ou com o seu grupo, vai encontrar no festival alimento para se alimentar e crescer na sua fé. Um jovem que não foi batizado, não é cristão, nunca abriu a Bíblia, nunca ouviu falar de Jesus Cristo, vai encontrar no festival um ambiente saudável entre os jovens e vai ouvir de forma muito variada e muito aberta a mensagem de amor de Jesus sem nenhum tipo de julgamento. É um primeiro anúncio. A primeira coisa que ele vai ouvir é: «Deus te ama do jeito que você é»”, sustentou, acrescentando: “Se o jovem nos diz: «Ah, mas eu vivo uma vida toda bagunçada, que não está de acordo com a doutrina da Igreja», respondemos: «Isso não é o nosso problema. Quem vai resolver isso depois é esse Jesus que nós vamos te apresentar. É Ele que vai te falar se você vai ter que mudar a sua vida em alguma coisa ou não, não nós. Nós estamos aqui para te acolher, para te receber do jeito que você é»”.

O sacerdote garante que “a experiência mostra, já há alguns anos, que o Senhor confirma essa imagem da Igreja de portas abertas” do festival, o que diz ter voltado a acontecer na edição do verão deste ano do festival na antiga abadia beneditina de Hautecombe. “60% dos 1.500 jovens que vieram não eram cristãos”, testemunha, acrescentando que a maioria deles participou a convite de um amigo que esteve em anteriores edições.

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Aquele responsável explica que a principal diferença da versão adaptada do festival nos anos de JMJ é a obrigatoriedade de participar nos cinco dias. “Na França, o jovem pode ficar o tempo que quiser, um dia, dois dias ou as quatro semanas. Claro que tem tempos fortes onde nada mais acontece e convidamos a todos a participarem neles. Mas nos outros momentos é um festival a la carte, com muitas possibilidades. O jovem pode escolher fazer um passeio de barco para ver os golfinhos ou ir num workshop de um influenciador cristão que vem falar de como evangeliza nas redes sociais ou num workshop sobre a encíclica ‘Laudato Sí’ do Papa Francisco de como cuidar do meio ambiente ou um workshop sobre engajamento político da juventude cristã no mundo de hoje ou um workshop sobre a vida afetiva, sobre relações ou um espectáculo ou um jantar num restaurante de Portimão com o fado para descobrir um pouco a cultura ou jogar volei na praia”, explicou, deixando antever um pouco o que poderá ser o programa da edição em Portimão.

O festival será realizado no Portimão Arena, mas haverá atividades um pouco por toda a cidade, particularmente na zona ribeirinha, no teatro municipal, no museu, em vários equipamentos desportivos e na praia da Rocha. “É a preparação desse programa que estamos fazendo em colaboração com a Igreja local, com a Câmara Municipal de Portimão e com várias empresas”, explicou ao Folha do Domingo o padre Luciano Couto, acrescentando estar a ser preparado também o alojamento e a alimentação dos participantes, entre outros aspetos concernentes à logística do evento. Para além desta organização em Portugal, o festival está ainda a ser preparado por uma equipa em Lyon, responsável pela comunicação e divulgação, pelos temas e oradores, e por outra em Paris, responsável pela criação de um espectáculo de rua que será não só apresentado em Portimão, mas também na JMJ em Lisboa.

Foto © Comunidade ‘Chemin Neuf’

O sacerdote realça que, pelo facto de o festival acontecer no verão, habitual período de férias dos destinatários, importa que estes não fiquem com a impressão de que estão a “sacrificar uma semana de férias”. “Quando o jovem participa do festival, ele participa também de uma experiência de lazer, de amizade, de férias, de relações. E a gente tem dinâmicas para isso, para conhecer pessoas de outros países, fazer amizades, descobrir também um pouco da cultura local do país que nos acolhe”, salienta aquele responsável.

O padre Luciano Couto explica que o festival tem como destinatários jovens dos 18 aos 30 anos. “Claro que jovens com mais de 30 anos são aceites, mas a gente pede para estarem também um pouco ao serviço de alguma coisa. Os jovens com 16/17 anos podem vir também, mas têm de conversar connosco, até porque, para cada 10 menores, tem de ter um adulto responsável”, acrescentou, explicando que o valor da inscrição varia entre os 150 e 180 euros, “dependendo do país de cada pessoa”.

Foto © Comunidade ‘Chemin Neuf’

Sobre a possibilidade de participação de jovens do Algarve no festival garante não haver qualquer impedimento da parte da organização. No entanto, disse ter-se comprometido com a diocese algarvia a não recrutar ativos que sejam necessários para a organização dos ‘Dias na Diocese’.

Foto © Comunidade ‘Chemin Neuf’

Aquele responsável considera que o fator diferenciador do festival em relação a outras propostas é ser “uma preparação espiritual importante para a JMJ”. “Isso quem diz são os jovens que participam connosco no festival e depois na JMJ”, assegura, acrescentando que os participantes consideram que se não fosse essa preparação prévia outras edições da JMJ teriam sido apenas “uma experiência cultural” e não “uma experiência espiritual muito forte”.

Foto © Comunidade ‘Chemin Neuf’

A delegação de seis colaboradores no Centro Pastoral de Ferragudo permanecerá intacta até fevereiro. Naquele mês deverá ser reforçada com “mais duas ou três pessoas” para a nova etapa que se realizará até ao final de junho e que já deverá incluir “alguns eventos regulares” de preparação para o festival. A partir de junho deverão começar a chegar mais voluntários até ao início do festival. Até junho continuarão naquele local, mas a partir do mês de julho provavelmente já passarão a utilizar instalações em Portimão como escolas, pavilhões e o próprio Centro Paroquial da paróquia da matriz para estarem mais próximos do Portimão Arena.

A escolha de Portimão

Ao Folha do Domingo, o padre Luciano Couto explicou que a ideia da realização do Festival ‘Welcome to Paradise’ no Algarve surgiu em dezembro de 2021, decorrente do “desafio” de o levar a cabo num país onde a comunidade francesa ainda não tem representação. “Aqui [em Portugal], como não tem presença do ‘Chemin Neuf’, estávamos abertos para esse desafio de ver aonde o Senhor iria nos conduzir”, contou, acrescentando: “fizemos um tempo de oração e intercessão e o Senhor nos deu uma imagem de barcos e água”. “Os irmãos na França me partilharam essa imagem e eu comecei também a interceder e a buscar um lugar. Abri o meu computador no Google Maps em Portugal e, em oração, pedi para o Senhor me mostrar onde iria nos conduzir. Os meus olhos fixaram-se no sul de Portugal. Uma das condições para realizar o nosso festival é ter um pavilhão que comporte a totalidade dos participantes. Então, fiz um zoom no Algarve, digitei pavilhão e «caí» em cima do Portimão Arena”, prosseguiu.

O padre Luciano Couto acrescentou que, depois de rezar durante mais uma semana, entrou em contacto com a diocese algarvia em janeiro deste ano para explicar o projeto e em março veio ao Algarve encontrar-se com o bispo diocesano, com o coordenador do Comité Organizador Diocesano da JMJ 2023 e com o pároco da paróquia da matriz de Portimão.

O contributo da Comunidade ‘Chemin Neuf’ na JMJ 2023

O padre Luciano Couto conta ainda que a sua outra missão é a de interlocução com a organização da JMJ com vista à colaboração da Comunidade do ‘Chemin Neuf’ no evento. “Teremos uma igreja confiada ao ‘Chemin Neuf’ no centro de Lisboa, onde seremos responsáveis da animação da catequese oficial da jornada naquele ponto”, adiantou, acrescentando que terão “uma presença forte em Lisboa para todos aqueles que viverem o festival” e quiserem continuar na mesma dinâmica durante a jornada, podendo até inscrever-se nela através da Comunidade do ‘Chemin Neuf’.

O sacerdote destaca, sobretudo, o contributo que aquela comunidade católica com vocação ecuménica pode dar à JMJ. “Qual o desafio que o Senhor nos deu para essas jornadas de maneira especial? A nossa vocação à unidade dos cristãos”, realça, garantido que a comunidade está a contribuir para a mudança da mentalidade dos jovens de outras Igrejas cristãs em relação à JMJ com vista à sua participação no encontro. “Temos uma perspetiva bem encorajadora de jovens de outras Igrejas cristãs que virão participar no festival e na jornada em Lisboa porque estamos preparando toda uma dinâmica ecuménica junto com a Igreja Anglicana, a Igreja Lusitana e algumas Igrejas evangélicas de Portugal que se interessam por esta perspetiva”, contou, acrescentando que “muitos líderes de outras Igrejas já estão vendo a importância de os seus jovens não se sentirem excluídos”.

A título de exemplo, o sacerdote adianta que no dia 3 de agosto, depois do acolhimento do Papa em Lisboa, será feita uma oração ecuménica pela paz e pela unidade em parceria com a Comunidade de Taizé. O padre Luciano Couto explica que as duas comunidades são “muito próximas”. “Os nossos fundadores foram sempre muito próximos, mesmo porque o ‘Chemin Neuf’ nasceu em Lyon que é muito perto de Taizé. A diferença fundamental é que Taizé é na sua essência uma comunidade ecuménica que não tem uma ligação especial com nenhuma Igreja, enquanto o ‘Chemin Neuf’ é uma comunidade católica com vocação ecuménica. Isso muda muita coisa. Mas trabalhamos muito juntos e estamos muito felizes com essa colaboração”, desenvolveu.

O padre Luciano Couto acrescenta que esse “diálogo” com outras Igrejas cristãs com presença no Algarve já foi encetado e garante que “a abertura é muito grande”, pese embora elas também se debatam com a diminuição do número de jovens.

O pós-JMJ

Para além das duas primeiras, o programa da Comunidade do ‘Chemin Neuf’ no âmbito da JMJ inclui ainda uma terceira etapa: um retiro de sete dias em silêncio com exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola, depois do encontro com o Papa, restrito a 200 jovens convidados, que no próximo ano será realizado numa casa da comunidade em Saragoça (Espanha). O padre Luciano Couto explica que esta iniciativa se destina a jovens que, com o que viveram no festival e na JMJ, precisem de um tempo para discernimento sobre “alguma questão importante” da sua vida. “Muitas vezes, o jovem decide nesses retiros fazer uma pausa para um ano de serviço humanitário, decide os seus estudos, decide pela vida consagrada, decide partir em missão ou decide fazer uma experiência de discernimento vocacional”, sustenta.

O que é a Comunidade do ‘Chemin Neuf’?

A comunidade católica do ‘Chemin Neuf’ com vocação ecuménica foi fundada em Lyon (França) em 1973 pelo sacerdote jesuíta Laurent Fabre, então seminarista, após uma experiência de oração no âmbito do Renovamento Carismático Católico. “Temos essas duas pernas na nossa espiritualidade: os jesuítas e o Renovamento Carismático Católico que se misturam muito bem na intuição de fundo de que Deus pode falar diretamente com a sua criatura”, refere o padre Luciano Couto.

A comunidade, formada por um corpo apostólico que partilha assim a espiritualidade inaciana e carismática, as suas missões e a vida fraterna, constitui-se como associação pública de fiéis aprovada pela Santa Sé e como instituto religioso clerical de direito pontifício. Conta atualmente com cerca de 150 padres incarnados, 200 irmãs consagradas, 150 irmãos consagrados ou em preparação para o sacerdócio e 4.000 leigos. A vocação ecuménica faz com que inclua irmãos de outras confissões cristãs e uma das missões principais do seu carisma é o trabalho de evangelização da juventude.