
Contrariamente a uma imagem, tantas vezes, apresentada pelos media, muitos são aqueles que constatam que o papa Francisco ainda não mudou uma vírgula na doutrina da Igreja desde que foi eleito. O jornalista Joaquim Franco concorda com esta ideia, mas veio ao Algarve na última sexta-feira à noite defender que o papa argentino, embora não esteja a mudar a doutrina, está a reposicioná-la na vida dos cristãos.
Joaquim Franco considera que, com Francisco, a doutrina, na vida dos católicos, “deixa de estar a montante, condicionando ou segregando, para estar a jusante como guia e proposta de caminho”. “O que está a montante, a condicionar a nossa vida, é um drama de interpretação chamado evangelho”, complementou, considerando que esta mudança conduz a “um tremendo processo de criatividade para o acolhimento”. “Ninguém está excluído neste caminho porque a misericórdia [de Deus] é infinita e insondável”, acrescentou o jornalista, que foi o protagonista de uma tertúlia inserida na atividade “Encontro com Autores” da Biblioteca Municipal de Tavira.

Em conversa com Maria Luísa Francisco, pós-graduada em Sociologia da Cultura e das Religiões e investigadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Joaquim Franco – co-autor do livro intitulado “Papa Francisco: a revolução imparável” com o também jornalista António Marujo –, destacou que “a experiência de fé, na perspetiva de Bergoglio, é muito pragmática e muito prática” e que “só faz sentido se promove o encontro com o outro”. “Se é fé que segrega, na perspetiva de Francisco, não faz sentido”, advertiu, explicando que “a experiência de fé, se não for vivida com o ombro do lado e se não o tiver como azimute e como prioridade – sobretudo o que, por força das circunstâncias, está mais magoado –, não conta”.

Neste sentido, Joaquim Franco destacou que o papa vem afirmar a ideia também deixada na sua peregrinação a Fátima de que os homens são “todos irmãos no batismo e em humanidade”. Para o jornalista, Francisco “vem dizer uma coisa muito sublime”: “em contexto cristão temos de olhar para o outro em igualdade de circunstâncias”. “O outro é antes mesmo da sua condição de ser, qualquer que seja: religiosa, gastronómica, futebolística, de opção sexual. O outro é, em primeiro lugar, lugar de dignidade humana. Isto é revolucionário. Não é o primeiro a dizê-lo, mas com esta forma tão simples de comunicar parece-me ser claramente revolucionário”, afirmou.
Joaquim Franco justificou assim o título do seu último livro, explicando que os autores consideram haver, “de facto, dimensões revolucionárias” em Francisco, bem como “uma dinâmica imparável” no seu pontificado. “Imparável porque há dinâmicas lançadas pelo papa dentro e fora da Igreja que me parece que têm já um caminho que não põe parar. Ou melhor, se for parado, verdadeiramente, não pára, já não volta atrás. Se alguém vier parar, o resultado será estragos tremendos na própria estrutura eclesial e na comunhão eclesial”, sustentou.
O jornalista considera as “atitudes revolucionárias, não no sentido militar do termo, mas porque imprimem um toque de diferença e que faz mudança”. “Rasga com um paradigma que vinha de trás”, completou, considerando que o pontífice “está a construir um novo paradigma de liderança para lá das próprias estruturas religiosas”. “O papa Francisco arrisca-se a ser o construtor ou o ideólogo de uma nova forma de liderança social. Há aqui o despertar de uma nova forma de liderança no tempo mediático que pode fazer escola”, prosseguiu, realçando que Francisco “privilegia muito a questão dos afetos num tempo em que os afetos são consumidos pela lógica do contacto virtual”. “Também aqui temos uma nova forma de assumir a liderança e de construir liderança. Também aqui me parece que temos potencial revolucionário”, afirmou.

Continuando a exemplificar a ação revolucionária de Francisco, Joaquim Franco afirmou que o papa “traz para o discurso teológico da Igreja dimensões social e politicamente relevantes que são grandes preocupações do homem, mas não tinham sido ainda colocadas de forma tão ousada”. O jornalista considerou que a exortação apostólica ‘Evangelii Gaudium’ e a encíclica ‘Laudato Sí’ contêm “tratados de política na defesa do bem comum”. “É a Doutrina Social da Igreja no seu esplendor. São verdadeiros programas políticos, no sentido nobre do termo”, observou.
Considerando que o “drama da experiência religiosa” tem sido “como tratar da consciência individual”, disse que o papa apresenta na exortação ‘Amoris Laetitia’ uma “revolução na forma de ver a consciência individual em contexto cristão”. “Ele vem realçar a supremacia, o primado da consciência individual”, afirmou.
O jornalista defendeu que outra dimensão inovadora consiste em “fazer perguntas ao mundo”. “Com a sua sabedoria jesuítica, traz para o debate na Igreja o princípio do discernimento”, afirmou, destacando que este é feito em sínodo. “É um homem preocupado em auscultar ao máximo o sentimento e o sentir da Igreja, em cruzar todas estas informações e depois decidir”, completou.