Foto © Samuel Mendonça
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O reitor da Universidade do Algarve (UAlg) considera que o que Francisco propõe com a sua primeira encíclica – documento de grau máximo das cartas que um papa escreve –, “é uma nova ordem mundial, horizontal e universal”.

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“Não pode haver nada mais radical do que isto no mundo em que vivemos porque isto terá implicações em todas as formas de organização do poder”, acrescentou António Branco, considerando que o discurso e as propostas do documento que apelidou de “o grito sereno do papa Francisco”, “levadas a sério pela humanidade, permitiriam uma verdadeira revolução no mundo”.

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O reitor deixou esta ideia na sua conferência, promovida pelo Colégio de Nossa Senhora do Alto, que decorreu no passado dia 22 de janeiro no auditório da Escola Secundária João de Deus, em Faro, e que procurou ser “um olhar académico” sobre a encíclica ‘Laudato si’ (Louvado Seja) que tem como temática central a ecologia.

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Na conferência, que contou com a participação de cerca de 220 pessoas, António Branco considerou que o documento, um “texto difícil, exigente e rico”, “não é um texto para dentro da Igreja, mas uma espécie de carta dirigida a toda a família humana”.

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“O que o papa Francisco diz é que a melhor e a única forma de mudarmos aquilo que consideramos que está mal no mundo é começarmos por nós próprios e fazermos disso um projeto educativo”, afirmou, considerando que a proposta papal “é uma educação para a aliança entre a humanidade e o ambiente”.

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O reitor referiu-se ao conceito de “casa comum” introduzido pelo papa na encíclica, considerando o mesmo “franciscano”, no duplo sentido do termo, e “muito mais abrangente do que o conceito de família humana”. “A casa é comum mas nós não vivemos em comunhão com ela, nem uns com os outros. Fica claro que se não vivemos a casa comum é porque não vivemos em comunhão com a família humana”, lamentou.

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António Branco destacou, então, as consequências do conceito trazido por Francisco que classificou como “um homem radical porque vai à raiz das coisas e mostra essa raiz”. “A noção de casa comum tem impacto no modo como gerimos os nossos quotidianos, designadamente no modo como consumimos e o que consumimos, os bens que produzimos, a tecnologia que usamos, a energia a que recorremos, os meios de transporte que utilizamos e os respetivos efeitos nos lixos que vamos acumulando. Isto é também muito radical, porque, na realidade, a verdade é que vivemos alienados: usamos o telemóvel como se esse gesto e essa escolha não tivesse nenhuma causa nem nenhuma consequência. Usamos a tecnologia como se ela fosse neutra e fugimos da ideia de que nada é neutro e tudo é ideológico e, nesta encíclica, o papa Francisco diz-nos isso mesmo. Não há nada que façamos, nem que não façamos que não tenha uma causa, um contexto e uma consequência. Isto é radical porque é ir à raiz das coisas, mostrar essa raiz e perguntar: estás vivo?”, frisou.

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O conferencista relacionou o conceito de casa comum com outros dois – “aparentemente equivalentes entre si” mas “muito diferentes no conteúdo e nas consequências” –, “importantes para compreender o texto do papa”: simpatia e empatia. Considerando simpatia como a capacidade de alguém de se aproximar do outro e empatia como a capacidade de se colocar no lugar do outro, António Branco revelou o que aprendeu com a encíclica. “Acho que descobri que o papa Francisco nos diz que enquanto a nossa relação com os outros, com o ambiente e com a casa comum for simpática, nada mudará. E que para tudo mudar essa relação tem de ser empática”, afirmou, considerando que “só a empatia produz consequências efetivas, ação efetiva que transforma a realidade”.

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“Temos de mudar muitas coisas, a primeira é a mais difícil de todas: deixarmos de ser autorreferenciais, deixarmos de estar centrados em nós e o nosso centro passar a ser o outro. É a coisa mais difícil do mundo”, reconheceu, apontando o passo seguinte: “a partir daí exigirmos a mudança radical do paradigma técnico-financeiro, o que implica não aceitarmos a globalização da indiferença”. “Afinal, provavelmente, é essa a globalização que está a acontecer”, considerou, acrescentando ser preciso “arranjar força” para enfraquecer o “paradigma dominante da economia do consumo”. “Temos de criar redes. Sem movimento social, não há mudança”, constatou.

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António Branco considerou o texto fruto “de uma enorme convicção que é sábia”. “Percebe-se que é produto de um tempo muito diferente do tempo em que nós vivemos. Porque essa convicção resulta de um elevado grau de maturidade, reflexão, leitura e observação, essa caraterística faz dele um texto extremamente livre. Há uma espécie de comunhão do princípio da afirmação de uma realidade, de uma visão do mundo muito forte que o torna livre e que se liberta a si próprio. Ele não diz assim tantas coisas que a gente não saiba, mas diz coisas que nós preferíamos não saber e diz coisas que nós preferíamos esconder que sabemos. E há outras que nós não sabíamos dizer daquela maneira e ele dá-nos palavras para nós dizermos coisas que sabíamos e para as quais não tínhamos palavras”, sustentou.