
Mas é o século XX, a nossa temática. Logo no início do século XX, três Poetas, apanham o sentimento do Ultimatum inglês de 11-01-1890, que iria levar os portugueses ao protesto nacional. João Lúcio (1880-1916), Olhão; Cândido Guerreiro (1872-1953) Alte; Emiliano da Costa (1884-1968), Tavira. Eles entram na poesia das descobertas, poetas que pintam a história em palavras de cores, em resgates de confiança. Os seus caminhos são os caminhos do mar e do sol, numa estrada aberta para o Homem, pelo Universo. Pelas suas poesias de sensações visuais observamos o Algarve pelos sons das águas marinhas, pelos cheiros, pelos ismos: heroísmo, fatalismo. Eles irradiam e exaltam a terra – Algarve de luz, paisagem e sedução; o sol criador na flor-mulher… Não podemos desassociar os três poetas que tão bem estabelecem o interseccionismo na apreensão total na multiplicidade e diversidade das imagens, que tão poeticamente projectaram no écran da nossa lírica. No entanto, o panteísmo de Cândido ou o simbolismo de Lúcio iniciados em Coimbra, fundem-se na observação breve da natureza, no que Emiliano desenvolve numa descrição triunfante, numa concepção do mundo e da vida em ópticas regionais. Não sejam estes poetas herdeiros idiossincráticos da força aventureira dos deslumbramentos pelo helenismo algarvio. Sem linguagem abstrata, mas muito culta, estes cronistas da poética descarregaram a linguística, o fardo de toda uma cultura guardada ao longo dos séculos.
João Lúcio foi uma criação divertida dos deuses: fizeram-no belo, excêntrico, inteligente e genial oratório. Poeta da imagem. Um deus helénico, perdido nos areais de Olhão, nos labirintos perfumados do pexum da terra cubista, na sua altivez de cabeleira doirada e apoloneamente anelada(2), tem “O Meu Algarve” num turbilhão de imagens, onde o adjectivo se combina ao neologismo, num forte poder descritivo. O verso na poesia de Lúcio, surge, não apenas como enunciados de acção ou como elemento de ligação, mas também como metafórico, criador de um ambiente de fantasia e de mistério: É hiperbólico! “ Oh meu ardente Algarve impressionista e mole /, meu lindo preguiçoso adormecido ao sol/, meu louco sonhador a respirar quimeras/, ouvindo, no azul, o canto das esferas.”
Cândido Guerreiro é o poeta das alturas; vem do ruralismo da beira-serra. Alte é a sua naturalidade. Por Coimbra vez o seu direito, e só regressou ao Algarve já de espírito maduro, com ideias novas, apertando carta de bacharel e um feixe de sonetos. O tempo passou e a obra de Cândido ficou nesse brilho. Respirando por Coimbra, pairou o soneto filosófico. Respirando pelo Algarve ficou de soneto pictural e erótico. Adepto jovial da filosofia anteriana, ficaram meio irmãos no destino trágico de uma geração futurista.
Cândido, esquecendo a perturbação coimbrã, ergue o seu herói: o Infante D. Henrique. Quase chega ao fim da sua viagem poética com a figura fascinante e enigmática do príncipe de Sagres, rodeado da juventude marinheira dos algarvios. Cândido busca as memórias das mulheres-mães, nas “Rosas de Santa Maria”; nos pescadores tanto destemidos como anónimos. Reinventa a Escola de Sagres. Põe Gil Eanes no executor da obra do Homem do progresso. Cândido polariza o seu poema do “Auto das Rosas de Santa Maria” em vitórias e derrotas, em perigos e alegrias. É, pois uma antítese à tese que o poema dramático constitui os navegadores, em nome, em lealdade ao seu príncipe; não se deixam demover, e partem. Herói é Gil, é Lourenço, é Nuno, é Estebam: “Para que as ondas digam aos navios / :Pertence este caminho aos Portugueses/, e foi aberto pelos Algarvios”(3) É em Faro, depois de vida errante que o poeta-notário vai suportar a vida em mutações políticas e poéticas. Ainda o lembro, descia Santo António à baixa, à livraria Silva, ao Aliança, num andar de andor, altivo como uma árvore, num olhar de águia, sedutor e distante.
Emiliano da Costa tem na sua poesia uma apoteose em cor e som; é uma larga maré-cheia dos mais belos poemas deste natural do Sotavento – Tavira. Emiliano usando aliterações produz efeitos de harmonia a nível fónico do linguajar algarvio, recorrendo, por várias vezes ao uso de vocábulos que transpõem para o real de uma imaginação profícua. Os poemas de Emiliano parecem, por vezes, transmitir um certo erotismo proveniente da junção luz-côr. É o clímax do endeusamento físico, em que o poeta coloca os vários componentes pictóricos. Emiliano regressa ao passado de Lagos. Um tempo em que à vila do Barlavento chegavam as novas ao velho mundo, em gentes, bichos, e plantas, em linguagens bravias, num renascimento de preciosidades, tão estranhas como sedutoras, e violentas, à vila do velho mundo europeu do século XV… Portugal crescia na Europa: Visões oníricas… São outras velas /abrindo agora o céu- outra miragem ! /Das Ilhas Tidra e Naar, seis caravelas /Navegam para cá. Ó marinhagem/ Lastro humano de escravos, dor, pilhagem/ vento a zunir, que o vento é um chicote/ E as caravelas, as do Lançarote / … Escravos… Adentro, num recinto/fechados em alcaria, lá estão eles/ Negros a sussurrar num lavarinto/ E vão comprá-los estes, mais aqueles./ E até o Infante a receber o quinto.”
“O Algarve é o grande herói da poesia de Emiliano,” É o elogio de Clementino de Brito Pinto(4)
A meio do século XX, surge em Faro um movimento literário conduzido pelo jovem farense, António Ramos Rosa. Tem 24 anos. Estávamos em 1958 quando surgiu O Grito Claro, Movimento que se abre para a nova poesia portuguesa, em que a cidade cultural se abre em cidade das palavras, com a juventude a não ficar indiferente às novas palavras poéticas. Assim Casimiro de Brito, Manuel Madeira, Gastão Cruz, Lia Viegas, entre mais. O semanário “O Algarve” vem em elogia nos seus cronistas: Como nos meios literários de Lisboa, Porto e Coimbra, a poesia vive e convive. Este “Grito Claro” de António Ramos Rosa, aparecido como n.º 1 da colecção “ A Palavra”, afirma uma personalidade de artista original. O jovem António conta com a admiração do mais reconhecido poeta algarvio, Emiliano da Costa, o poeta de todo o respeito regional e nacional. Passados 54 anos do Grito Claro, em Faro, o poeta tem o reconhecimento universal, sendo indicado ao Prémio Nobel da literatura.
O crítico Fernando Guimarães, uma voz das mais conceituadas da crítica poética portuguesa, vem afirmando: A obra de António Ramos Rosa, considerada globalmente, poderíamos dizer que nela a subjectividade é uma tonalidade afectiva que tende a objectivar-se, a ganhar um peso que é o de uma linguagem instauradora. A concepção tradicional da afectividade, que tem o seu ponto de partida no estudo das paixões feito por Aristóteles, derivou para uma expressão marcadamente subjectiva.(5)
O autor deste artigo não o escreveu ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
2)”Elogio a João Lúcio” – Teixeira de Pascoaes
3) “Promontório Sacro”- Cândido Guerreiro
4)”O Algarve na Poesia de Emiliano Costa” – Clementino B. Pinto
5) “Imaginação, Subjectividade, Mito” J. Letras 12/12/2001 – Fernando Guimarães