
«Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo…»
O Principezinho, Antoine de Saint-Exupéry
Nestes dias, para além das constantes hipócritas homenagens dos líderes políticos europeus às vítimas dos atendados em Paris (em vez de cessarem a venda obscura de armas aos mais variados grupos terroristas) e do constante desenrolar do magote de notícias sobre a política portuguesa, houve uma notícia que me chamou a atenção. Num jardim zoológico na Rússia, em Shkotovsky, há uma comunidade de tigres siberianos que recebem presas vivas duas vezes por semana, sobretudo cabras e coelhos. O objectivo é recrear o melhor possível o habitat natural desses animais. É claro que a presa não demora mais do que algumas horas até ser devorada pelo esfomeado tigre. Porém, nesse jardim zoológico, esta semana aconteceu um fenómeno extraordinariamente antinatural. Uma cabra foi colocada na jaula do tigre para ser a sua refeição. Só que a cabra não mostrou qualquer indício de medo: encarou o tigre e até assumiu seu lugar de dormir, fazendo com que o tigre fosse descansar no telhado. Convém explicar que os tigres, ou qualquer animal felino, só ataca se a sua vítima sentir medo. Ora para um dos funcionários do Jardim Zoológico, a cabra provavelmente nunca se havia deparado com um tigre antes e, por isso, também não terá percebido que estava diante do seu predador e que, logo, devia sentir medo dele. Como a cabra não teve medo do tigre, o tigre não a atacou. Agora, os dois dividem o ambiente e todo dia caminham juntos, como se fossem personagens de uma qualquer estranha fábula, que certamente daria um perfeito filme da Disney.
Teremos muito a aprender com esta cabra? É provável.
As histórias dos fracos que, sem medo – real ou metafórico -, vencem os gigantes acompanham a memória dos homens e dos cristãos em particular. Recordemos apenas David (que enfrentou Golias), Daniel (que enfrentou o leão) e Sansão (que, cego, derrotou os filisteus). Sem medo ou enfrentando o próprio medo, que é algo ainda mais poderoso e muito mais imbatível, venceram a opressão e a morte…
Com a cabra teremos muito que aprender, assim como com todos os que assim se superam. Com o Papa Francisco também. À semelhança do que faz o dito animal, também o Santo Padre age no reino dos homens. Na sua recente viagem a África, visitou países dilacerados por guerras étnicas e religiosas, conviveu e criou amigos entre os muçulmanos, entrou em mesquitas de comunidades islâmicas que até há poucos dias viveram em guerra, gerando centenas de mortos. Levou segurança, é certo, mas não mostrou um pingo de medo diante de grupos “felinos e ferozes”.
A desconfiança gera o medo, que por sua vez causa as lutas e as guerras. A confiança, a abertura de coração, a disponibilidade para despertar no outro o mais escondido sentimento de amor e amizade gera o encontro! O encontro entre as mais diversas espécies do reino animal, mas sobretudo, o encontro entre os homens, mesmo os mais distantes e desconfiados. Se não queremos aprender com a coragem de uma cabra, aprendamos com a serenidade, a confiança, a simplicidade, o encontro e a sinceridade de coração do Papa Francisco! Só os Santos são capazes de converter as feras em amigos. Mas todos nós somos capazes de vencer os nossos próprios medos e criar laços, que podem fazer das nossas vidas muito mais do que uma fábula: poderão transformá-las em realidades onde reina a harmonia e a felicidade, porque todos nos cativamos e todos sabemos que precisamos uns dos outros para construir o bem comum. E todos saberemos compreender e aceitar que somos únicos.