Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Fábio André Martinho Pedro
Nasceu a 14 de janeiro de 1989 em Lisboa porque a mãe fez questão que fosse como ela, alfacinha, mas com o regresso da progenitora a Loulé, terra que escolheu para viver com o marido, natural de Abrantes, Fábio Pedro logo veio viver com os pais para o Algarve e, 18 meses depois, também com o irmão mais novo que, entretanto, nasceu.Foi batizado aos seis meses. Da família, a única que tinha prática religiosa era a bisavó que no primeiro ano de vida de Fábio Pedro tinha gosto em tê-lo como companhia na recitação do terço.A proposta para a catequese apareceu mais tarde pela mão de uma catequista que foi à sua escola primária apresentar o desafio. Os pais, apesar de não terem prática religiosa assídua, não se opuseram a que frequentasse a catequese e a inscrição foi feita, mas a participação na Eucaristia era diminuta por «culpa» dos desenhos animados na televisão, cujo horário era coincidente.Quando começou a ser mais assíduo à celebração eucarística, o comportamento não era o melhor e o ingresso no coro paroquial surgiu como estratégia para que melhorasse a conduta.Acabou por fazer a primeira comunhão e depois foi convidado para ser acólito, convite que teve de ser insistentemente repetido até que o convencessem a aceitar. Na catequese, a resposta à pergunta sobre o que gostaria de ser em adulto saiu num impulso: padre! Mas a razão para a pronta reação era apenas por achar “curioso” as vestes que o pároco usava e o que fazia com elas.Já na escola secundária teve um contacto e participou em vários encontros das Testemunhas de Jeová. A experiência de ano e meio, diz, permitiu-lhe identificar uma “fragilidade” na catequese da Igreja Católica: o conhecimento da Palavra de Deus. No entanto, garante que o que o fez afastar-se daquele grupo religioso foi constatar a sua “falta de fé”, não obstante a racionalidade do seu pensamento.Entretanto, foi crismado e no último ano de preparação para o sacramento foi convidado para participar nos encontros mensais do Pré-Seminário em Faro, o que começou a acontecer. No final do ano perguntaram-lhe se queria ingressar no Seminário. Acabou por aceitar e no ano seguinte realizou o ano propedêutico, mas durante aquele período letivo não se sentiu preparado para seguir para o Seminário Maior de Évora e interrompeu a sua caminhada de discernimento rumo ao sacerdócio.Após a saída do Seminário, reconhece ter sido muito importante o apoio e confiança da paróquia ao pedir-lhe colaboração no cartório e que fosse catequista.
O chamamento que chegou a sentir para trabalhar na área da saúde, particularmente como médico, foi desaparecendo com o tempo. Acabou por escolher o curso de Educação Social porque sentia que também poderia encontrar ali resposta para a sua vida. Pensava poder trabalhar tanto na formação de adultos como no cuidado de idosos ou de crianças. Diz também que chegou a encarar a possibilidade de casar e ter filhos. Foi algo que, “de vez em quando”, ia surgindo na sua vida, principalmente quando começou a ver os amigos e colegas de infância a constituírem família.
Licenciou-se na Universidade do Algarve e no último ano do curso, o padre Pedro Manuel voltou a abordá-lo sobre a caminhada vocacional.
Foi então que percebeu haver “qualquer coisa que precisava de ser resolvida” e que implicaria o reingresso no Seminário. Repetiu o ano propedêutico e, no final, concluiu estar desta feita em condições de rumar a Évora. Após completar a formação no Seminário Maior, regressou ao Algarve para estagiar na paróquia de Albufeira. Com o confinamento por causa da pandemia foi para casa e, com o desconfinamento, foi completar estágio nas paróquias de Boliqueime, Ferreiras e Paderne. No último verão, já como diácono, seguiu para a paróquia de Quarteira onde tem estado a colaborar. 
 

Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Samuel Filipe Estêvão Camacho
Nasceu em Faro a 28 de setembro de 1994, filho de mãe algarvia, natural da Feiteira, Cachopo, e de pai alentejano, natural de Sobral da Adiça, Moura. Embora não fossem de prática religiosa, os pais quiseram batizá-lo e o sacerdote que os recebeu convenceu-os a casarem-se também. Na escola primária, o convite trazido à sala de aula pelo padre Manuel Rodrigues foi aceite de bom grado porque, como era filho único, iria conviver com mais amigos. A mãe estranhou a decisão de querer frequentar a catequese. Nos primeiros anos foi muito acompanhado pelo casal de catequistas com quem hoje ainda tem uma relação especial. Foram seus educadores na fé durante 11 anos e, ao reconhecer que “deram a vida” por si, diz ter entendido o alcance da missão do catequista, que não se restringe só à sala de catequese, mas “é doação na vida própria de cada catequizando”.
Após os meus primeiros anos de catequese e realizada a primeira comunhão, começou a crescer a “curiosidade de perceber o que é que acontecia no altar”. Depois de fazer formação, pediu então para ser acólito. Mais tarde, até ser crismado, existiram algumas interrogações e algumas questões que não foram aprofundadas. Esse aprofundamento só aconteceu depois de receber o sacramento. Nesse ano de 2011 participou na Jornada Mundial da Juventude em Madrid, Espanha, e aí começou já a despertar alguma inquietação, mas “não ligava muito”.
Só as conversas, o testemunho da vida e a “paixão pelo ministério” do padre Manuel Rodrigues é que o fez começar a perceber o que era ser padre. Percebeu que o ministério sacerdotal não implica só celebrar missas, nem viver alegremente com a comunidade, mas “passa a barreira da salvação”. Por outro lado, a mútua partilha de vidas permitiu-lhe esclarecer preocupações e interrogações e essas questões motivaram um “despertar vocacional” porque sentiu “uma necessidade também de fazer o mesmo”. O facto de a paróquia de São Pedro de Faro também ter a dimensão sociocaritativa muito consolidada contribuiu para esse “despertar da fé”. Hoje reconhece ter sido tudo isto que o levou a pedir ao pároco para entrar no Seminário.
Após o percurso de Pré-Seminário, iniciou em setembro de 2012 o ano propedêutico que lhe veio dar respostas a muitas perguntas. A formação no Seminário e a Eucaristia diária diz tê-lo ajudado a suprir as “falhas” ao nível da Sagrada Escritura e também de outras áreas da sua fé. Nessa dimensão reconhece que o padre Luís Gonzaga o ajudou a crescer muito na consolidação das bases da fé. Na altura não sabia ainda se queria ser padre, mas constatava que a sua fé se estava a solidificar.Em 2014 seguiu para o Seminário Maior de Évora e a partir daí começou o crescimento vocacional e a perceção de que a sua vocação não podia ficar fechada em si, mas tinha de ser construída juntamente com os outros, na altura com a sua comunidade do Seminário. Foi então que percebeu uma “grande beleza do ministério que é o dom do presbitério” e a “vida em comunidade”, ao sentir-se acolhido e constatar que não trabalha sozinho e para si mesmo, mas com aqueles e para aqueles que lhe “foram dados por Deus”; que não era somente uma questão de trabalhar para a paróquia, mas em diocese.
Regressou ao depois ao Algarve para realizar o chamado ano pastoral e começou a estagiar nas paróquias de Boliqueime, Ferreiras e Paderne. Pouco tempo surgiu a pandemia e passou a viver no Seminário de Faro. Já no fim da sua caminhada, ao viver o isolamento subitamente imposto, surgiu a “grande dúvida vocacional”. Questionava se a sua vida passaria pelo sacerdócio ou pelo matrimónio. Pensar que iria viver sozinho para o resto da sua vida era algo que lhe trazia tristeza. Como filho único sempre tivera o desejo de ter uma família maior, de ter muitos filhos. Por vezes sentia a necessidade de ter alguém próximo, uma mulher que amasse e que estivesse presente todos os dias consigo. Numa das conversas que mantinha por telefone com muitas pessoas, sobretudo das paróquias onde estagiara, um casal confidenciou-lhe que o tinham “como filho” e que mantinham consigo uma “relação familiar” muito mais próxima do que com alguns familiares. Isso fê-lo perceber que o ministério sacerdotal também alcança o dom de sentir-se acolhido em família, pese embora este não seja imediatamente obtido como no matrimónio. À medida que foi descobrindo que o ministério presbiteral tem este dom de, com o tempo, conceder “uma família muito maior como Jesus promete”, percebeu que “essa alegria se transforma numa consolação muito melhor” do que aquela que podia esperar. Consolidou-se então a certeza de que realmente a sua vocação passava por ser padre.

Entrevista conduzida por Samuel Mendonça

Para além das que já me contaram, que experiências marcaram positivamente a vossa caminhada no sentido de vos confirmar neste caminho rumo ao sacerdócio?
Samuel – Foi na minha experiência de Seminário que percebi que a minha vocação não era pessoal, mas algo muito mais comunitário, que um pároco só se realiza com uma comunidade. Percebi isso no trabalho do dia a dia no Seminário e nas relações que ia criando. Um sacerdote não vive para si mesmo, mas vive enquanto se relaciona com os outros.
Quem me ajudou muito foi o padre Pedro. Tenho de lhe agradecer porque ele advertiu-me sempre que o exemplo estava em Jesus Cristo sacerdote. Ajudou-me a compreender muitas questões que levantava, muitos problemas que também via na Igreja e que pesaram na decisão sobre a minha vocação. A pouco e pouco foi-me ajudando a olhar sempre para Jesus Cristo como modelo, mas tendo presente que é na partilha que se consegue crescer e alegrar pelo serviço que se presta.

Fábio – No meu caso foram uns encontros que havia durante o verão, promovidos pelas irmãs doroteias, que em participei na Azaruja [Évora] e aqui em Quarteira. Estávamos totalmente dedicados, durante aqueles 15 dias, à comunidade. Um grupo estava com os idosos, outro com crianças. Todos – monitores, crianças, adultos e idosos – preparávamos uma animação para ser apresentada no final.
Algo que também me ajudou foram umas férias, durante a 15 dias, nas Missionárias da Caridade em que trabalhámos com as crianças do bairro onde as irmãs residem. A iniciativa, um intercâmbio entre portugueses e espanhóis, incluía a vertente da fé e outra mais lúdica.
A participação na Jornada Mundial da Juventude em 2011 em Madrid [Espanha] também me ajudou na decisão de regressar ao Seminário.
Também as conversas que fui tendo com o padre [Herique] Varela, nas quais me contava as dificuldades que, às vezes, tinha. Permitiram-me ir percebendo como é que era a vida de padre.
Por essa altura, foi quando faleceram na diocese seis sacerdotes em seis meses. Isso também me fez interpelar, ao constatar que, não bastando serem poucos, no futuro seriam ainda menos.

Samuel, a participação na Jornada Mundial da Juventude também teve importância para ti…
Samuel – Sim. A vivência intensiva daquela semana permitiu-me viver uma experiência de fé mais duradoura. Ou seja, ao sair do estilo de vivência dominical, aquela semana inteira de catequeses, Eucaristia, adoração, partilha, caminhada, fez-me perceber que estava muito mais alegre quando vivia com os que caminhavam comigo – naquele caso, os que também participavam na Jornada Mundial – do que quando estava e rezava sozinho. Comecei a perceber que muita da minha alegria e da minha realização vinha daí. O convívio com os outros jovens fez-me perceber que a minha fé não é uma fé individual, mas universal, em que as necessidades dos bispos e do Papa são necessidades que também tenho de ter presente na minha vida, ou seja, a minha fé não pode ficar só naquilo que me falta ou nas dificuldades que tenho, mas tenho de partilhá-la com todos os outros que também sofrem e também se alegram. Perceber que a fé é muito mais do que uma relação pessoal, é universal, fez-me crescer muito.

Os teus pais descobriram a Igreja por tua causa?
Samuel – Sim. Depois de entrar para o Seminário, sendo filho único, a reação nos primeiros tempos não foi muito positiva. Eles aceitaram, deixaram-me entrar, mas havia sempre ali um sentimento, principalmente da minha mãe, de tristeza, de dificuldade.

Estranharam?
Samuel – Estranharam muito. Mas, graças a Deus, naquela Semana Santa, quando entrei para o Seminário em 2012, a minha mãe, incentivada por mim, confessou-se. Ela chorava muito, mas a partir daquele momento deixou de chorar porque percebeu porque é que me deixei cativar e entrei no Seminário. O sacramento da Reconciliação tem um poder e uma riqueza extraordinários e ao vivê-lo, ela experienciou esse perdão e essa salvação de Deus e compreendeu porque é que quero também isso para a minha vida. O meu pai, juntamente com a minha mãe, fez a catequese de adultos, pois não tinha realizado a primeira comunhão nem era crismado. Fui preparando-os, juntamente com o padre Pedro, para serem crismados e tornei-me testemunha da sua caminhada de fé.

Mas a tua mãe realizou a iniciação cristã em criança?
Samuel – Sim. Mas foi algo a que nunca deu muita importância e acabou por sair da Igreja.

E os teus pais, Fábio?
Fábio – Os meus pais frequentaram a catequese quando eram pequeninos, mas depois também acabaram por se afastar um bocadinho. Agora, com a minha caminhada, também se têm reaproximado, muito mais a minha mãe do que o meu pai. Estão mais no início do que os pais do Samuel, mas têm feito um esforço para se reaproximarem.

Em termos de grandes encontros de juventude, aqueles em que participaram foram só as Jornadas Mundiais?
Samuel – Além dos encontros diocesanos, sim.

Fábio – Também participei nos encontros da Comunidade de Taizé: um europeu, em Estrasburgo, e outro ibérico, no Porto.

Diácono Samuel Camacho • Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Acham que um dos riscos depois de serem ordenados é o de se focarem apenas na dimensão paroquial da Igreja, esquecendo que a diocese é composta pelas diferentes paróquias e que na medida em que cada uma se abre a todas as outras a diocese ganha outra dinâmica?

Samuel – Quando servimos bem a nossa comunidade, quer seja paroquial ou não, estamos a servir bem a diocese. Na medida em que vivemos bem o nosso ministério, estamos a contribuir para o bem da diocese. Não podemos deixar de estar em comunhão, não só com o bispo, mas com toda a diocese. O afastamento desta dimensão diocesana vem muitas vezes pelo receio e pela preocupação que leva alguém a começar a ficar fechado, colocando a prioridade nos seus planos, nos quais encontra segurança. Olho para a minha vida e penso que não posso ter medo. Tenho de ter a humildade – até quando tenho receio e várias interrogações – de perguntar, de me abrir e assumir que não compreendo ou que tenho dificuldade. Muitas vezes dizemos que faltam padres ou que estamos em crise de vocações. Acho que não temos falta de padres, nem estamos em crise de vocações. Acho que a história vocacional da nossa diocese sempre se manteve muito igual. O que falta é os padres serem homens responsáveis e cristãos e exercerem o seu ministério. E a partir daí, se viverem plenamente o seu ministério, vão conseguir realizar tudo aquilo que o Senhor lhes pede nesta Diocese do Algarve e conseguiremos ultrapassar todas as dificuldades. Cabe a todos, começando por mim, ter um sentido de comunhão maior e de corresponsabilidade com o nosso bispo, sentir as suas dores, as suas alegrias e perceber que tudo aquilo que ele faz e diz tem em conta o maior bem da diocese e dedicarmo-nos, com responsabilidade, mas também com alegria e disposição, naqueles trabalhos que nos são confiados.

Fábio – Não tenho uma visão tão positiva como o Samuel sobre esta questão porque ouço, muitas vezes, dizer nas paróquias: «o senhor padre é que sabe». E, muitas vezes, os colaboradores executam as funções, mas não as vivem, possivelmente por estarem habituados a serem simplesmente executores. Isto faz com que se a ame a paróquia só e não exista no coração das pessoas o amor à diocese. Muitas vezes, os eventos diocesanos são em dois ou três lugares centrais e as pessoas das paróquias de mais longe têm dificuldade em participar. Há um esforço nalgumas paróquias com esta preocupação diocesana, mas sinto que grande parte das paróquias ainda não tem esse sentido desenvolvido. Existe uma maior ligação à paróquia e um esquecimento da relação com a diocese. Não sei se é por cansaço de quem está responsável pelas paróquias ou por desleixo ou por não haver motivações, mas sinto que isso é um trabalho muito complicado. Muita gente tem também os horários tão carregados que não consegue responder à paróquia e a responsabilidades diocesanas.

É preciso dar o passo decisivo – e isto parte da resposta pessoal de cada um – de nos centrarmos no essencial do ministério

Samuel – É preciso dar o passo decisivo – e isto parte da resposta pessoal de cada um – de nos centrarmos no essencial do ministério. Muitos padres têm responsabilidades e trabalhos fora da centralidade do seu ministério.

Por exemplo…
Fábio – Gestão de lares.

Samuel – Sim…

E como é que se pode contornar essa situação? É que muitos são presidentes das direções?
Samuel – Acho que se devem concentrar no essencial, na prática daquilo que é específico do ministério – o sacramento da Reconciliação, o sacramento da Eucaristia, o acompanhamento das enfermidades e também do discernimento espiritual – porque é isso que o Senhor nos pede e foi para isso que nos chamou.

E o resto? Delegar nos leigos?
Samuel – Não digo delegar o resto nos leigos… Agora fala-se muito em dar espaço e responsabilidade aos leigos. Tenho outra visão. Acho que não se trata de dar, mas de restituir, porque os padres, fruto de muitas questões e de acontecimentos, foram tomando para si muitas responsabilidades que são dos leigos e nós temos de lhes restituir o seu lugar. Hoje fala-se muito (e bem) – porque se tornou o mote próprio do ministério do Papa Francisco – da sinodalidade. Eu já falava disso, não sabendo que se chamava sinodalidade, mas porque já a vivia na minha comunidade. Havia esta comunhão de responsabilidades, de serviços. Existiam problemas, é certo – e acho que não avançamos mais com medo desses problemas –, mas é na medida, como diz o Papa Francisco, em que a Igreja avança, com acidentes e, por vezes, enlameada, que se consegue caminhar e aperfeiçoar. E não podemos ter medo. Temos é de avançar neste caminho que o Papa hoje propõe da sinodalidade que é um caminho que não pertence só à nossa geração, mas é fruto de uma caminhada intergeracional. Nós e outros lançamos as bases, esperando que daqui saiam muitos frutos.

A Igreja vive um momento muito particular da sua história, tal como a sociedade e o mundo. De que forma é que esperam exercer o vosso ministério neste contexto que a Igreja atravessa? E também gostava de saber se se acham vocacionados para alguma área em particular.
Fábio – A área que mais me sensibiliza é a social. Daí a minha vida ter sido sempre voltada para essa dimensão.

Mas vais querer ser presidente de IPSS?
Fábio – Não. Uma coisa é estar mais sensibilizado para essa área do que para outras, outra coisa é querer ser presidente de instituições. O facto de ser presidente, por vezes, gera situações de choque ao ter de tomar decisões sobre idosos que estão institucionalizados ou crianças ao nosso cuidado, sobre funcionários que, por vezes, nós ou eles não conseguimos distinguir entre o ser paroquiano e o ser funcionário, entre ser o prior e ser o patrão. Sinto que não passa por aí o meu ministério.
Mas creio ser necessário estar nessa realidade de forma diferente, não só por via dos bens materiais, mas também dos bens espirituais.

Fábio, e em relação à questão do contexto da Igreja hoje?
Fábio – Alguns amigos que escolheram o matrimónio comentam comigo que se admiram por alguém querer seguir este caminho que implica o celibato e doar-se totalmente aos outros. Sinto que o maior desafio é o da coerência porque se formos coerentes connosco e com o compromisso que abraçamos, acaba por ser uma forma de dar testemunho e de interpelar também aqueles que vivem uma vida muito superficial, para que passem a ter uma vida mais profunda e a assumir compromissos.
Acho que se me dedicar mesmo naquilo que é essencial e importante, de alguma forma, conseguirei ser resposta para as necessidades da Igreja, não me fechando em mim e nos meus critérios, mas abrindo-me às necessidades da Igreja, àquilo de que ela necessita, estando presente, disponível. Já me apercebi que o facto de estar presente, mesmo que não faça nem diga nada, é importante para muitos. Estar lá faz com que não se sintam abandonados, nem sozinhos. O retorno é muitas vezes superior e mais profundo do que possamos imaginar. Acho que é por aí que passa o futuro da Igreja, não se fechando em si mesma, mas estando presente na vida e nas dificuldades das pessoas.

Estou, portanto, aberto sempre à novidade do que Deus me quer dar

Samuel – Nunca pensei, nem me vejo em nenhuma área específica, quer pastoral ou outra, na diocese, porque tive sempre presente a dimensão da novidade. E este critério da novidade sempre me trouxe muita segurança e alegria, convicto de que tudo aquilo a que me chamavam e me entregavam era sempre chamamento de Deus. Se era Ele que me chamava, eu confiava e seguia, como tem acontecido agora nesta comunidade formativa do Seminário. Estou, portanto, aberto sempre à novidade do que Deus me quer dar. Acho que o central deve ser sempre o sacramento da Reconciliação e da Eucaristia.
Em primeiro lugar, Deus chama-me a ter presente a dimensão da caridade. Temos um mundo onde o amor ao próximo é algo que se encontra deturpado. O ministério sacerdotal tem de ter sempre presente a dimensão da caridade, isto é, a doação não só dos bens materiais, mas a doação de nós mesmos com tempo para escutar num mundo onde todos nos dizem o que é que temos de ser e de fazer, mas ninguém está presente para escutar. Esta dimensão da doação para a escuta do outro é muito importante porque há muita gente com necessidade de ser escutada.
Depois, juntamente com a caridade, surge a dimensão da justiça. Há uma grande fome de justiça na sociedade e é preciso também promover o diálogo da Igreja com o mundo, perceber que fome é esta. Notamos nas gerações mais novas haver uma vontade de se levantarem e revoltarem contra muitas injustiças e a Igreja tem de saber, em primeiro lugar, escutar e também guiar estas próprias interrogações e revoltas. Na medida em que a Igreja conseguir escutar e perceber que tipo de justiça é que o mundo precisa, poderá fazer muito bem.
Nesta questão da justiça entra também a parte do diálogo cultural ou de fé. Acho que a sociedade espera muito da Igreja uma forma de diálogo, seja de fé com outras denominações ou cultural em várias áreas. Há muita gente que se interroga religiosamente, mas que fica nessa primeira camada de sentido a que o Papa Francisco vem chamando de via da beleza. É preciso levar as pessoas a uma descoberta de um sentido mais profundo de beleza.
Resumindo, diria que é necessário ter muito em conta a questão da caridade porque muitos olham para a Igreja na busca desse testemunho, depois a busca do sentido de justiça nas suas vidas e nas dos outros e, por fim, a abertura ao diálogo.

Esperam encontrar esse tempo para a escuta no meio de tantos afazeres?
Samuel – Sim. Isso é o essencial, assistir ao discernimento da vida de cada um, porque quando as pessoas nos procuram é para isso mesmo. Há que dar tempo às pessoas. Jesus Cristo deu tempo a cada um e eu também vivi isso na minha vida quando o padre Manuel também soube dar-me do seu tempo para me ajudar a caminhar. Se não conseguirmos dar tempo às pessoas, vamos dar tempo a quem? Não nos poderemos desculpar com o trabalho, porque o trabalho serão sempre as nossas «ovelhas», a nossa comunidade. E se não conseguirmos perceber o que é falta às nossas «ovelhas» como é que iremos trabalhar?

Abraçámos esta vocação para estar com as pessoas e não fechados dentro de um escritório

Fábio – Abraçámos esta vocação para estar com as pessoas e não fechados dentro de um escritório. Quando precisarmos teremos de regressar à origem da nossa vocação e lembrarmo-nos porque é que aceitámos este caminho. Se não é para estar com as pessoas, se é para estar fechado, mais valia irmos para um convento de clausura.

Mas pode-se estar fechado a preparar uma conferência ou uma catequese para as pessoas.
Fábio – Somos mais contactados no horário dito pós-laboral do que durante o dito laboral. Aproveitemos esse horário todo para preparar o que temos de preparar e reservemos o horário dito pós-laboral para os atendimentos.

O maior desafio vai ser o de aprendermos a ser verdadeiros pastores

Qual acham que será o maior desafio que vão encontrar depois de ordenados?
Fábio – O maior desafio vai ser o de aprendermos a ser verdadeiros pastores, conseguindo manter-nos fiéis a estes critérios que estamos aqui a defender.

Samuel – Acho que é a busca da unidade. Tomei isso como lema da ordenação. A busca da unidade da minha vida com Deus, em primeiro lugar, e depois da minha vida com aqueles que me são dados. E pode ser a comunidade do presbitério, mas também pode ser a comunidade paroquial. Na construção da unidade, na medida em que me dou e que vou recebendo dos outros, é que percebo claramente a voz de Deus e consigo perceber o que Ele quer para a minha vida.

Sentem existir uma desconfiança em relação aos sacerdotes em geral por parte sociedade?
Samuel – Sim. E haverá sempre porque o caminho do ministério sacerdotal é um caminho sempre diferente e com critérios contrários aos do mundo. Nesse sentido, será sempre olhado com estranheza. Na medida em que se mantém essa estranheza – que é uma boa estranheza, porque permite um certo mistério, uma certa interrogação de outros em relação a esta vocação – conseguiremos manter esta beleza do que é a vivência sacerdotal. Quando o ministério já não suscitar essa estranheza será sinal de que perdemos muito porque perdemos essa dimensão do mistério que vem até do próprio exercício da vida de Cristo.

Diácono Fábio Pedro • Foto © Samuel Mendonça/Folha do Domingo

Fábio – Concordo que existe a tal estranheza e a desconfiança porque muitas vezes quando me vêm pedir qualquer coisa perguntam quanto é que custa, entendendo a Igreja como uma prestadora de serviços a troco de dinheiro. Isso revela uma desconfiança, considerando a Igreja como uma instituição preocupada só com o dinheiro e não com a salvação das almas.
E também existe desconfiança por muitas situações mais vergonhosas que acontecem e que são notícia nos media, cujos envolvidos são quase sempre condenados em praça pública, muito antes de se apurar se são ou não verdadeiramente culpados. E quando um é condenado, todos acabam por sê-lo de igual forma junto da opinião pública. É um grande desafio trabalhar-se num sítio em que todos pensam dessa forma.

O senhor bispo disse no encerramento do último lausperene que via no facto de terem entregado naquela altura os pedidos para serem ordenados quase a resposta de Deus àquelas duas semanas de oração. Como é que reagiram a essa declaração? Sente-se o peso da responsabilidade ou vê-se mesmo que Deus vai escrevendo a nossa história, servindo-se de tanta coisa?
Samuel – Sim. Deus escreve a nossa história a partir de muitas pessoas e chama-nos, a partir da nossa realidade, a responder às próprias questões dessa realidade. Mas nunca podemos deixar de rezar, nem de permanecer fiéis ao pedido de que nos dê mais trabalhadores. Não somente no sentido da petição, mas no de provocar em nós um sentido maior de entrega, ou seja, não peço só para outros, mas peço também por mim. Acho que foi esse o sentido que o senhor bispo quis dar. É uma resposta, não só para não deixarmos de rezar, mas para que na oração o meu ministério tenha mais força, me reencontre com ele e a partir dele e do meu testemunho, possa também cativar outros. A dimensão da oração tem de estar sempre presente porque essa é a base de tudo.

Fábio – A oração de intercessão foi sempre algo que me tocou profundamente, principalmente quando olho para a minha caminhada vocacional e vejo que houve sempre gente a rezar por mim, pela minha realização e felicidade.
Em tempos, eu e um grupo de amigos criámos um grupo de oração de intercessão uns pelos outros. Quando alguém tinha alguma dificuldade ou algum compromisso mais sério partilhava-os para rezarmos por essas intenções.
Quando o senhor bispo disse aquilo tocou-me porque senti que, muitas vezes, estas orações de intercessão uns pelos outros (às vezes até por desconhecidos) faz com que o mundo avance, caminhe e possam acontecer milagres na nossa vida e na dos outros. Sinto, por isso, que este lausperene, este momento de intercessão da diocese, não foi só por nós os dois. Nós demos a resposta, mas foi também por todos os outros, pelo Getúlio, pelo Bruno, pelo João, pelos que virão e pelos que já por cá passaram. É por isso que devemos continuar a investir em iniciativas como aquela, tentando fazer com que elas sejam mais profundas e parte do nosso dia a dia, não só naqueles 15 dias, mas algo que vai acontecendo ao longo de todo o ano.