Natural de Alcantarilha, onde nasceu a 7 de abril de 1970, Carlos Alberto Marques de Matos começou a frequentar a catequese com a irmã, dois anos mais velha, por vontade da mãe.
Ao Folha do Domingo, o sacerdote – que completa amanhã 25 anos de ordenação presbiteral –, conta que os pais, embora cristãos, não eram de “muita prática religiosa”. Ainda assim, a vontade materna foi suficiente para impulsionar a caminhada de iniciação cristã dos filhos.
No final da adolescência, ao aperceber-se da existência de grupos de Jovens Sem Fronteiras, ligados aos missionários do Espírito Santo (espiritanos), surgiu no jovem Carlos de Matos o desejo de uma experiência de voluntariado missionário, o que o levou a falar com o seu padrinho, o cónego monsenhor Sezinando Rosa. O sacerdote identificou naquela vontade indícios motivadores de discernimento vocacional, mas como o Seminário de Faro estava encerrado pediu ao afilhado para pensar melhor se seria mesmo esse o seu desejo.
Já na preparação para receber o sacramento do Crisma surgiu então o convite para integrar o Seminário da Diocese do Algarve pela boca do falecido cónego Gilberto Soares Santos. Na altura, a resposta foi negativa, mas a pergunta não deixou de causar inquietação. Aos 17 anos, quando já namorava, o regresso do monsenhor ao tema com a informação da realização de encontros no âmbito do Pré-Seminário reinstalou a dúvida se não valeria a pena.
Da partilha da inquietação com a namorada resultou aos 19 anos a decisão de entrar para o Seminário em Faro para frequentar o ano propedêutico. O convívio com o padre Júlio de Oliveira, pároco aposentado de Cachopo, a residir ali, foi veículo do contágio de amor ao ministério que consolidou a decisão de querer ser sacerdote. “O encanto com que ele falava da paróquia era entusiasmante. Entusiasmou-me o testemunho do modo de vida na paróquia, da sua relação com as pessoas”, recorda o padre Carlos de Matos, lembrando não só “o encanto, o entusiasmo e a alegria”, mas, sobretudo, “o brilho nos olhos” do falecido sacerdote.
Do Seminário de São José recorda ainda a “experiência muito familiar” com mais dois seminaristas, comparando que a integração no Seminário Maior de Évora foi mais difícil. Ao longo da caminhada vocacional reconhece ter tido momentos de maior interrogação, no entanto a principal dúvida prendeu-se com a dificuldade na dicção e na expressão oral que atemorizava a ideia de ter de falar em público, mas que foi ultrapassada com algumas seções de terapia da fala.
Antes de receber as ordens sacras esteve a estagiar na paróquia de Aljezur e, já como diácono, na paróquia de Albufeira. Foi ordenado no dia 11 de janeiro de 1998 na Sé de Faro por D. Manuel Madureira Dias, tendo seguido em julho para a paróquia de São Bartolomeu de Messines para ajudar o pároco da altura. Esteve lá até à Páscoa do ano seguinte e depois foi colaborar na sua paróquia natal de Alcantarilha e na de Pêra, ambas ao cuidado do padre Mário de Sousa.
Em setembro de 1999 foi nomeado pároco da Luz de Tavira e de Santo Estêvão. “Foi um desafio porque quando lá cheguei a casa paroquial estava inabitável. Fiquei na casa de umas pessoas conhecidas na Fuseta durante um tempo e depois foi-me cedida uma casa onde fiquei nos meses seguintes até a residência paroquial ser arranjada e ter condições”, conta, lembrando que a obra “levou quase um ano”. “Aprendi a ser pároco e, ao mesmo tempo, mestre de obras”, graceja, recordando que, na altura, frequentou o curso de capelão em Lisboa e regressava às paróquias apenas ao fim de semana. “Gostava da relação com as pessoas e de estar com elas. Foi uma experiência rica”, considera o sacerdote, acrescentando que essa sua caraterística sempre se manteve por onde tem passado e que foi preciso renovar ali a catequese, o coro dos jovens e os acólitos. A dinamização paroquial passou também por começar a enviar jovens aos Convívios Fraternos, realça.
Enquanto esteve naquelas comunidades foi também vigário da vigararia de Tavira.
Em setembro de 2008 surge então outro desafio, o de passar a paroquiar as comunidades de Alte, Ameixial e Querença, sendo que a primeira paróquia inclui também as freguesias de Benafim e da Tôr. Em área, todas perfazem um total de mais de 320 quilómetros quadrados dispersos entre o barrocal e a serra. O padre Carlos de Matos – que fala de uma “experiência contrastante” não só com as realidades “completamente diferentes” das de Luz de Tavira e de Santo Estêvão, mas mesmo entre aquelas paróquias – sublinha o “desgaste muito grande” provocado sobretudo pelos “muitos funerais”. “Se fosse fazer um funeral ao Ameixial era uma hora para ir, outra para o fazer e outra para vir: três horas”, testemunha.
A realidade de envelhecimento solitário e de desertificação, sobretudo nas comunidades mais serranas, foi ainda mais penalizada em 2020 com a inesperada chegada da pandemia e dos confinamentos por ela impostos. “Cheguei a passar com o carro a apitar, como o padeiro ou o peixeiro, quando as pessoas não podiam sair à rua e elas sentiam que não estavam esquecidas nem desamparadas ou abandonadas”, relata, referindo que o trabalho com as gentes “genuínas e autênticas” da serra, apesar de desgastante por causa do número de quilómetros, “dava gosto” e “era entusiasmante”. “Cansaço, sim, mas o entusiasmo de ir ao encontro das pessoas era gratificante”, considera, não obstante as dificuldades por que passaram as comunidades. “Ao deixar de haver celebrações, a almofada financeira das paróquias foi diminuindo porque as despesas eram as mesmas e as coisas ficaram muito complicadas”, lembra.

O sacerdote recorda ainda que um dos pontos altos do tempo em que ali trabalhou – a receção da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima na sua visita a Alte em 2008 – o inspirou naquele período sombrio a levar novamente a imagem da Virgem de Fátima numa carrinha de caixa aberta a visitar os “muitos lugarejos” daquelas freguesias que a receberam com as “ruas engalanadas com flores”. No tempo da Quaresma conta também ter promovido “perto de 30 vias-sacras” porque “era necessário ir ao encontro das pessoas onde elas estavam”.
O aniversariante refere ainda que procurou criar equipas de trabalho da pastoral da liturgia, incluindo leitores e elementos para os coros, e também para a limpeza e catequistas. Em Benafim, recorda que a catequese ainda durou oito anos até começar a “falta de catequistas”. A retoma de festas paroquiais diz ter sido também outra das iniciativas que procurou realizar. Numa delas ocorreu a inauguração das obras de restauro da igreja do Ameixial para resolver as infiltrações que estavam a fazer apodrecer também o mobiliário resultou. “Foi feito um retábulo novo e a estrutura do telhado foi recuperada e impermeabilizada”, recorda.
Em outubro de 2020 deixou o Ameixial, Querença e Tôr para assumir as paróquias de São Bartolomeu de Messines e São Marcos da Serra que acumulou com Alte e a comunidade de Benafim, num total de 546 quilómetros quadrados de área. Nas novas paróquias continuou a levar a imagem de Nossa Senhora de Fátima ao encontro das pessoas como sinal daquilo que designa como “pastoral da empatia pessoal”, promovida pessoa a pessoa, para a qual contou também com o imprescindível apoio da Fraternidade da Mãe de Deus, entretanto saída da diocese algarvia.
No âmbito daquela dimensão pastoral continuou a prestar naquele extenso território ao seu cuidado o acompanhamento espiritual e a presidir às muitas celebrações exequiais. Nesse contexto, lembra realizado 27 funerais só em São Bartolomeu de Messines em dezembro de 2021 e “mais uns 15 nas restantes comunidades”.

Em setembro do ano passado deixou de ser pároco para passar a ser capelão, tendo sido nomeado para assistir o Santuário de Nossa Senhora da Piedade, popularmente evocada como Mãe Soberana, em Loulé. Na nova experiência que lhe está a permitir colocar em prática a formação adquirida em Lisboa, cabe o acolhimento a quem peregrina àquele que é o principal santuário algarvio. Ao Folha do Domingo testemunha que os peregrinos chegados àquele lugar de oração procuram um sacerdote, seja para a bênção de algum objeto religioso ou para acompanhamento espiritual. “Vê-se muita gente com necessidade de desabafar. As pessoas precisam de alguém que as escute”, conta, explicando que muitos dos que ali chegam são “espanhóis, ingleses e italianos”.
Este ano, o santuário deverá poder voltar a receber, nas semanas seguintes à Páscoa, as festividades em torno da padroeira já sem qualquer restrição relacionada com a pandemia. Para além dessa, o capelão diz também haver “alguma expetativa” em relação à Jornada Mundial da Juventude que deverá motivar a que o santuário seja lugar de passagem de muitos jovens, até porque a Mãe Soberana é um dos patronos algarvios do encontro.
Em jeito de balanço, o sacerdote destaca como mais significativo o “desafio” das primeiras paróquias que assumiu, a vivência da pandemia que o marcou pela “solidão de estar longe de tudo e de todos” e a nova missão no santuário de Loulé. “Cresci imenso a nível humano e da fé porque as dificuldades também trazem crescimento. Os momentos de sofrimento ajudam-nos a crescer. Quando me envolvo, entrego-me. Quando decido apostar numa coisa, vou até ao fim. Quando vejo que as pessoas precisam de mim, sou incapaz de dizer que não”, acrescenta.
Perspetivando os próximos 25 anos de ministério, confessa que o desejo do voluntariado missionário ainda o atrai e que gostaria de realizar uma experiência dessa natureza embora limitada no tempo porque o seu lugar é na Diocese do Algarve.
Como mensagem para quem esteja a interrogar-se se a sua vocação não será a presbiteral lembra que “não há caminhos fáceis, seja para o que for”. “Há sim que ter a ousadia e a coragem de procurar aquilo que realmente nos encanta. E o amor de Deus encanta-nos”, conclui.
Amanhã, 11 de janeiro, as bodas de prata de ordenação sacerdotal do padre Carlos de Matos serão assinaladas em Loulé na celebração da Eucaristia, pelas 19h, no Santuário da Mãe Soberana.