
“A palavra de Deus ajuda-nos a entender e a viver o valor essencial da ação litúrgica”, destacou o padre Flávio Martins no passado sábado na jornada de formação sobre liturgia promovida pela Igreja algarvia.
“A liturgia da palavra orienta-nos para a celebração do sacramento”, sustentou o sacerdote sobre a eucaristia, lembrando haver “uma unidade entre o rito e a palavra”. “Há uma relação que não pode ser quebrada, pois, na história da salvação, Deus não quebra entre o fazer e o dizer. A palavra e a eucaristia correspondem-se tão intimamente que não podem ser compreendidas uma sem a outra”, sustentou na Jornada de Pastoral Litúrgica, que teve lugar no Centro Pastoral de Pêra sobre o tema “Liturgia e Espiritualidade: «Por Cristo, com Cristo e em Cristo», participada por cerca de 150 pessoas de todo o Algarve.

O orador, que começou por lembrar que a presença da palavra de Deus na liturgia e na vida da Igreja foi herdada dos judeus, lamentou que a sua proclamação tenha perdido peso com a chegada do latim. “A homilia deixou de ser exortativa, de anúncio, para uma exposição dogmática e moral, já afastada da liturgia, do povo e da palavra. Do querigma passou-se ao moralismo. Afastou-se a palavra de Deus do povo de Deus”, criticou na sua intervenção (áudio disponível abaixo).

O padre Flávio Martins, que abordou o tema “Presença e Celebração da Palavra na Liturgia”, lembrou o surgimento de “alguns movimentos de renovação” bíblicos e litúrgicos como “desejo de aproximação quer da palavra, quer dos ritos litúrgicos a todos os fiéis”, mas considerou haver ainda “muito caminho a percorrer”. “A palavra continua a esquecer-se em toda a liturgia, mesmo já sendo proclamada nas línguas vernáculas”, acrescentou, defendendo que “a palavra deve ser de acesso fácil para os fiéis”.

Lamentando a pressa com que se celebra a liturgia, o formador apelou ao silêncio e à concentração durante a eucaristia, considerando ser “urgente preparar dignamente a celebração da liturgia da palavra, de modo a favorecer a meditação e o silêncio”. “Não deixamos tempo para a palavra interiorizar em nós. E é preciso tempo”, advertiu, realçando que “a primeira linguagem de Deus é o silêncio”. “Aprendamos a estar em silêncio e a descansar em Deus”, pediu, destacando que “o silêncio é um dom de Deus” e que “o silêncio aprende-se na escuta da palavra”. “Eduquemos para o valor do silêncio. É preciso cuidar a liturgia para a escuta autêntica”, desafiou.
O padre Flávio Martins criticou ainda a indisposição e a impreparação, para refletir sobre os textos sagrados a partir de casa. “Não há hábitos de leitura da sagrada escritura entre os cristãos”, lamentou, questionando: “não temos tempo ou a palavra não encontra lugar nos nossos afazeres diários? Ou sobrepomos os nossos afazeres à palavra?”.

Considerando que “muitos batizados tem dificuldade em entender e admitir a importância dessa palavra”, disse que “bastantes cristãos vivem alheios à sua mensagem”. “A Bíblia diz-lhes pouco ou nada. Sem a palavra de Deus, não é possível viver uma vida cristã”, alertou, acrescentando ser “preciso caminhar nesse sentido também” porque “essa é a verdadeira espiritualidade do cristão”.
O orador frisou que “o cristão cresce ao ler a Escritura, quando reza e medita a palavra de Deus”. “A palavra escutada faz-nos crescer no mandamento do amor, da caridade”, reforçou, lamentando também que se utilize “muito pouco” a palavra de Deus nas celebrações penitenciais. “Como queremos converter-nos sem nos confessarmos iluminados pela palavra de Deus?”, questionou.

Por fim, entre outras sugestões, apelou à promoção da Lectio Divina, à criação de “grupos de preparação da palavra de cada domingo” e à formação para leitores.
Conferência do padre Flávio Martins: