“Estamos à espera de quê?” foi a pergunta sobre a qual o padre Rui Fernandes procurou refletir no contexto da realização do Ano Santo, a que o Papa Francisco deu início na noite de Natal, que será vivido em 2025 sobre o tema da esperança.
O sacerdote da comunidade algarvia jesuíta – que protagonizou, no passado dia 18 deste mês, a terceira e última noite de reflexão no âmbito da proposta diocesana de preparação para o Jubileu de 2025, promovida pela Igreja algarvia – concluiu, precisamente, ser por esperança que o mundo espera.

Na iniciativa que desta vez teve lugar no Centro Pastoral de Pêra, o conferencista – que abordou a questão que lhe serviu de tema “Um Jubileu sobre a Esperança… Porquê?” – começou por fundamentar a sua conclusão ao evocar a famosa peça teatral de Samuel Beckett, na qual dois homens esperam um amigo que não se sabe se existe porque “nunca aparece”. “Às vezes parece que estamos ‘À espera de Godot’”, considerou, citando o título daquela encenação.
O padre Rui Fernandes referiu-se também aos resultados de um inquérito feito em 2021, com o patrocínio da Fundação Francisco Manuel dos Santos, a parte da população juvenil entre os 15 e os 34 anos sobre as suas “esperanças”. O questionário concluiu que não obstante ser a “geração mais preparada” de sempre, “para quem o ir estudar foi a porta de garantia de um futuro seguro”, “hoje perdeu essa segurança”. “Temos uma quantidade enorme de jovens que se preparam, fazem a sua formação e depois não têm garantido nem um trabalho certo na área em que se prepararam, nem trabalho em geral”, lamentou o sacerdote, lembrando tratar-se de “uma geração que tem vivido uma grande instabilidade”, “crescido em contextos de sucessivas crises” e cujos seus membros “olham para o futuro com insegurança”.
“Hoje, esta nova geração não só se sente insegura no presente, como se sente insegura quando olha para o futuro”, lamentou, explicando que “um em cada três jovens deste estudo diz que, se calhar, vai imigrar à procura de melhores condições, de outro futuro” e que, “hoje, os jovens procuram segurança no trabalho, mas assusta-os a ideia de ter sempre o mesmo trabalho”.

O padre Rui Fernandes realçou que a maioria dos jovens, não obstante gostassem de sair “mais cedo da casa dos pais”, sentem-se “novos demais” para tomar “certas decisões” e que “sem casa própria, muitas vezes sem emprego, muitas vezes às apalpadelas e sem saber para onde ir”, a idade média para a decisão de ter o primeiro filho “supera largamente os 30 anos”.
O sacerdote aludiu assim a dados e sinais “bastante preocupantes” nesta geração que indicam uma “saúde mental, cada vez mais, frágil”. “Em 2019 a segunda causa de morte em Portugal para a população jovem, depois dos acidentes de viação, foi o suicídio. Os estudos mostram que um em cada quatro jovens em Portugal já pensou em tirar a sua própria vida”, alertou.
O conferencista referiu-se também ao livro do filósofo Byung-Chul Han, intitulado “A sociedade do cansaço”, que procura perceber porque é que tantos vivem hoje com doença mental, problema que, segundo o autor, reside no facto de a sociedade atual valorizar as pessoas em função daquilo que produzem. “Hoje já não somos encorajados a parar, mas pelo contrário, somos estimulados à hiperatividade. O resultado disso é uma degradação da nossa saúde mental. Não é por acaso que tantos jovens hoje têm dificuldade e adiam decisões em relação ao futuro. Porque, inconscientemente, não querem ser adultos assim”, afirmou o sacerdote, concluindo que o mundo de hoje anseia por “descanso”.

O sacerdote jesuíta acrescentou algumas propostas que outros jovens, “convocados pelo Fórum Económico Mundial”, apresentaram para a saída da crise pandémica do Covid-19 e que “pedem justiça”. “Repensar a maneira como consumimos; a democratização do acesso à internet; a urgência da educação para a literacia digital; incentivar à democracia, à participação de todos, especialmente dos jovens; uma rede de cuidados de saúde mental; uma tolerância zero para os abusos ambientais; a necessidade de políticas de regulação dos gigantes tecnológicos; uma rede global de acesso a cuidados de saúde básicos; e mecanismos de segurança pública” com “menos armas”, foram algumas das sugestões apresentadas.
O padre Rui Fernandes referiu ainda à alteração das “expetativas” de “heróis”. Citando a tese do americano Steve Turner, intitulada “A Teologia da Cultura Pop”, na qual o autor constata que antigamente os “heróis” estavam nos altares laterais das igrejas e que hoje se encontram nos ecrãs, o sacerdote concluiu que a sociedade de hoje também anseia por “messias”.
Referindo-se a um outro inquérito feito a universitários sobre a forma como interpretavam os conceitos religião, bem-estar e espiritualidade, o palestrante concluiu que os jovens também procuram por “transcendência” e que a sua “primeira forma” é a “própria consciência”, ou seja, a “auto-transcendência”. O padre Rui Fernandes disse ainda que outro nível de transcendência é “transcendência interpessoal”. É a capacidade de sair de mim, que me permite ver quem sou eu e perceber o outro como outro eu”, explicou, acrescentando ainda o nível de “transcendência em relação ao mundo”, que permite “reconhecer a diferença do mundo” em relação à própria pessoa, e a “transcendência em relação ao tempo” que implica ser capaz de se distanciar “não só do espaço, mas do tempo”, a ponto de compreender os limites. “A última forma de transcendência, para além do tempo e do espaço, seria a consciência de Deus”, concluiu.
“Porque às vezes parece que estamos à espera do Godot; porque também temos sonhos de justiça; porque também temos sonhos de futuro; porque também precisamos de descanso; porque às vezes também pedimos a ajuda de heróis; e porque, de certa maneira, suspiramos por transcendência é que eu acho que o Papa fez muito bem em convidar-nos para um jubileu de esperança. Para quê um jubileu de esperança? Porque acho que, tudo somado, é disso que estamos à espera”, considerou.
O padre Rui Fernandes considerou que os anos santos são também sempre “um convite à redescoberta da fraternidade”.“Uma coisa muito forte que estes jubileus têm é a de nos recriar um grande sentido de comunidade. Estas grandes reuniões têm, normalmente, o condão de nos devolver uns aos outros, de nos devolver um sentido de comunidade: de que não precisamos de ser nem estranhos e muito menos inimigos, de que o outro pode ser um lugar de esperança, pode ser um companheiro de viagem, pode ser irmão”, completou.