(Capacitação parental, urgente…)

Recebi-a para ter com ela um primeiro contacto antes que o filho viesse para o Jardim-de-Infância. Disse-me que o menino, que vinha pela sua mão, nunca tinha andado na escola, tinha estado sempre com ela e era, por isso, muito mimado. Eram os dois lindíssimos. Ela, muito jovem, parecia uma miúda. Ele, cabelinho à tijela, preto “asa-de-corvo”, olhos enormes, escuros e pestanudos. Ainda retenho na memória aquela cara linda de morrer. Perguntei-lhe como se chamava. Respondeu, escondendo-se atrás da mãe, com aqueles olhos, “azeitonas pretas e grandes”, a mirarem-me, curiosos. A mãe estava ansiosa. Nunca se tinha separado do filho, não sabia como fazer, o que dizer, estava distante das logísticas, das regras, tinha arranjado um emprego, tinha mesmo que pô-lo rapidamente na escola. Sosseguei-a como pude, tentando que a minha experiência validasse nela alguma tranquilidade que acalma a ânsia e o receio. Levei-a a ver a escola. Mostrei-lhe as salas, os recreios, o refeitório e as casas-de-banho. Aí, o seu pânico foi evidente. Titubeante, acabou por me dizer que o filho, de 5 anos, não se sentava NUNCA na sanita. “- Tem medo!” “- Medo?”, perguntei. “- Mas e então como faz?” “- Olhe, é uma trapalhada. Ele fica de pé e eu fico horas atrás dele, a segurar no bacio, à espera que a coisa se resolva. Não consigo governar vida.” – Mas porquê?”, insisti… “- Tem pavor das sanitas. Não faço nada dele…”

Lembrei-me de imediato de outra mãe, nesse mesmo grupo, que me tinha dito, semanas antes que a filha, uma “boneca estouvada” de 4 anos, agora que tinha uns óculos novos, não os poderia perder. Ela, mãe, já não sabendo como lhe incutir a responsabilidade de não os poder perder e de tentar ser responsável por aquele novo acessório tão importante, já constantemente semidesaparecido, tinha-a ameaçado, decidida, com a única coisa que parecia funcionar por aqueles dias: se a filha perdesse os óculos, a mãe iria dormir com o pai! Sim, pasme-se, a mãe iria dormir com o pai. Lembro-me que fiquei calada a olhar para ela e então acrescentou como se fosse a coisa mais natural e lógica do mundo: – “Sim Paula, eu não tenho o direito de dormir com o meu marido. Durmo com ela todas as noites, ela é que manda…” E saiu, apressada.

Conto estes dois episódios muitas vezes, às vezes quase como anedota. Quem me conhece, já ouviu certamente estas histórias (e outras) e também no contexto profissional, de formações e afins, costumo dar estes dois exemplos, como sendo exemplos que me ficaram gravados de (alguma) inaptidão parental. Isto passou-se no início dos “anos 2000”, num Jardim-de-Infância deste nosso Algarve. São episódios com cerca de 20 anos, portanto…

Mas, e eis a questão, continuam, temo, cada vez mais atuais, muito atuais e atrever-me-ia a dizer, piores, mais graves e mais “por todo o lado”, validando aquilo que vou vendo e ouvindo também das colegas do Pré-Escolar.

Há dias, falava com uma amiga sobre um pequenito que ela tem na família. Um “pequeno imperador” de três anos que, de capricho em capricho, faz o que quer dos Pais. Estes, no auge da solicitude, proteção e preocupação, superprotegem a criatura, indo ao sabor das suas birras e vontades, deixando de dormir, alienando horários e rotinas e anulando-se numa série de regras básicas, demitindo-se pois, completamente, de uma autoridade legítima, esclarecida, contínua, importante e, pasme-se, securizante. Sim, mamãs e papás, a regra dá segurança, estabelece limites, ajuda ao entendimento do que nos rodeia, ao autocontrolo, esclarece sobre quem é o adulto referência e põe os nossos meninos no seu devido lugar: prioridades sim, luz dos nossos olhos sempre, razão da nossa vida para a eternidade, mas filhos e filhas de um papá e de uma mamã crescidos, que mandam lá em casa porque, pasme-se, são eles os Pais. Só assim o menino e a menina crescem direito. Só assim é que as “sanitas” aparecem porque sim, porque fazem parte de um crescimento e autonomias saudáveis e naturais, só assim as mães dormem com os pais e os pais com as mães, porque é assim que tem de ser, não é uma coisa que aconteça porque se está de castigo, só assim se entendem as birras como episódios próprios do crescimento e não como ameaças frequentes que anulam os Pais do seu papel. Sim, pasme-se outra vez, só assim se cresce como filho, filha, pai, ou mãe, cada um no seu buraquinho do puzzle que é a vida e as relações.