O contexto era o de uma formação e falava-lhes sobre essa condição. A trissomia 21 é uma condição que se caracteriza pela existência de um cromossoma a mais no par 21, que ao invés de ter dois cromossomas, tem três. Essa condição, tem associadas algumas questões que podem afetar o desenvolvimento das crianças que a têm, mas não as incapacita de aprender, progredir, desenvolverem-se, ao seu ritmo, com as suas particularidades, e perfeitamente integradas e capacitadas para a vida.

Poderia discorrer aqui sobre o papel primordial da família, a sua importância na estimulação precoce e na preservação e continuidade dos estímulos; da importância da articulação e ligação entre esta e a escola, na sintonia de atuações e linhas comuns de estratégias que deve haver (para esta condição e para tantas outras, a vários níveis). Poderia falar aqui da dificuldade que há, tantas vezes, em integrar (ou incluir?) de forma lúcida, pedagógica e eficaz, estes alunos, encaixando-os numa dinâmica maior, que é macro e impiedosa com outros tempos, outras necessidades e outras urgências que saem da norma, aquela norma também informe, indistinta e sem qualquer traço diferente que a distinga, tal é a tendência de uniformizar.

Não, hoje quero falar dela. E dele. Ela, uma irmã mais velha maravilhosa, quase mãe também, que assegura, organiza, assume e trata, reforçando e amparando o papel da mãe, tão presente, nuclear e importante também e ele, um menino com uma condição diferente, que tem 3 cromossomas, no par 21. Estou com ele todos os dias e todos os dias lhe dou tão pouco e todos os dias, dele, recebo tanto. E o que recebo mais, que não tem escala em grelha nenhuma, não tem medidor de percentil, gráfico ou tabela, é o testemunho daquela irmã tão dedicada, tão consciente do papel do irmão na sua vida, tão convicta em priorizá-lo, tão certa do tanto que ele lhe deu e tão responsável, tão generosa, tão bonita. E simples, acima de tudo, simples, com aquela simplicidade que desarma e nos recentra no que é essencial. “O que esperas da escola para o teu irmão?”, perguntávamos-lhe, “o que achas que a escola lhe deve oferecer?” “Nada de especial. Só que seja um sítio onde ele se sinta bem, seja acarinhado e possa aprender”. Ficámos todas, na formação de que falava no início, de boca aberta (e coração cheio) a ouvi-la falar, não porque o que disse fosse estonteante e nos atordoasse, pois é uma verdade basilar, mas porque disse-o de forma simples, imediata, sorridente e convicta, como se aquilo nem fosse pergunta e a resposta fosse tão óbvia para todos. Parece fácil, não é? Não, não é fácil. E é uma graça, este meu pequeno amigo as poder ter assim, esta mãe e esta irmã, verdadeiras forças da natureza.

Quero dedicar-lhes este texto, dizendo-lhe, à mana grande, que me desarmou naquela manhã com o seu amor pelo irmão, dito assim em palavras simples e também dedico a todas e todos os outros, que como ela, são referências absolutamente essenciais no desenvolvimento e felicidade destes meninos, que de diferente só têm, os 3 cromossomas no par 21.