© Samuel Mendonça
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O padre Anselmo Borges afirmou na última sexta-feira, em Loulé, que “não faz sentido nenhum continuar a falar em pecado original”.

O sacerdote, que é também filósofo e ensaísta, para além de professor da Universidade de Coimbra, apresentou uma conferência no salão nobre da Câmara Municipal sobre o tema “Valores e Liberdade: Que Fé?”, no âmbito do ciclo “Antes e Depois. Para Amanhã”, incluído no programa de cidadania da Comissão Concelhia 25 de Abril, instituído por unanimidade pela autarquia.

“Se Deus criou, criou por amor. Se criou por amor então é necessário purificar urgentemente a imagem que temos disso”, afirmou o orador, considerando que “a ideia do pecado original colide com a razoabilidade de um Deus que cria por amor”. “O pecado original aparece com Santo Agostinho para explicar a questão do mal. Como é que uns desgraçados na história da Humanidade tiveram um ato de liberdade tão grande que trouxe ao mundo o mal e a morte? Isso poderia ser pensável, através de Santo Agostinho, quando não havia a Teoria da Evolução, pelo que [hoje] não tem sentido falar de pecado original. Por outro lado, como é que Deus poderia castigar a humanidade inteira? Como é que seres humanos, concebidos em amor, trazem o pecado, de tal modo que sem o batismo vão para o inferno? Isto não faz sentido nenhum”, acrescentou.

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O padre Anselmo Borges disse ainda que “não faz sentido nenhum pensar que, por causa deste pecado, Deus mandou o Filho ao mundo para, através da sua morte, aplacar o ser humano”. “Isto dá uma imagem monstruosa de Deus que é urgente retirar da cabeça e do coração. Deus é amor, mas é amor incondicional”, sustentou, acrescentando que Jesus morreu na cruz, não para “aplacar a ira de Deus”, mas para mostrar que Deus é amor. “Na cruz testemunhou o amor. O sofrimento não salva ninguém. Só o amor é que salva. Se Jesus salva através da cruz é por causa do amor de Deus aos homens e às mulheres”, complementou.

“Criámos um Deus que mete medo e um dos piores sentimentos é o medo. O medo tolhe, paralisa. Eu, fundamentalmente, tenho imenso medo de quem tem medo”, lamentou.

O conferencista defendeu ainda não existir uma moral religiosa ou católica porque considera que “a questão moral não é uma questão religiosa”. Neste sentido, disse que “um crente, pelo facto de o ser, não é obrigado a mais do que um ateu no nível ético ou moral”. “A moral nasce do facto de virmos ao mundo para fazer e termos de fazer-nos, utilizando valores. O ser humano tem de procurar esses valores”, advertiu, reconhecendo que “a religião vai dar mais força e mais indicação” a esta atitude.

Citando o filósofo alemão Jürgen Habermas disse que “a moral é autónoma porque a religião não determina os conteúdos morais”. “A questão moral não é uma questão religiosa. Então a Igreja não se pode pronunciar sobre a moral? Pode! Simplesmente não tem autoridade especial neste domínio. Aquilo que apresentar do ponto de vista moral vale pelo que valerem as razões apresentadas pela Igreja”, afirmou.

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Neste sentido, considerou a separação entre a Igreja e o Estado como uma “conquista gigantesca”. “Quando olhamos hoje para o que está a acontecer no Médio Oriente percebemos a importância decisiva desta separação da política da religião. Isto significa a autonomia das realidades terrestres. A economia, a política, ciência, filosofia seguem as suas leis e não precisam da tutela da religião. Aquilo que é exigido é que hajam homens e mulheres éticos na política, na economia, etc”, referiu, considerando que “A autonomia da moral é fundamental”.

O padre Anselmo Borges disse ainda que “a Igreja precisa de mais democracia”. “Aquilo que é de todos tem de ser decidido por todos”, acrescentou, pedindo, como exemplo, “muito mais participação na eleição do Papa”. “Estou convencido que muitos dos escândalos que ocorreram na Igreja não teriam acontecido se houvesse maior liberdade de expressão”.

O sacerdote defendeu ainda “maior igualdade para as mulheres” no seio da Igreja e disse que esta “tem de fazer uma opção pelos pobres”.