
O presidente do Conselho Pontifício para a Família veio ao Algarve alertar o clero das dioceses do sul de Portugal para um processo que disse estar “envenenando toda a humanidade”, a minar os casamentos e a destruir a família.
D. Vincenzo Paglia apresentou uma reflexão sob o tema “A Vocação e a Missão da Família na Igreja e no Mundo Contemporâneo” nas jornadas de atualização do clero das dioceses do sul (Algarve, Beja, Évora e Setúbal) que decorreram desde a passada segunda-feira até hoje em Albufeira, subordinadas ao tema “Família: Centralidade, Renovação e Continuidade”.
Na formação, que contou com cerca de 120 padres e diáconos das quatro dioceses, para além dos seus cinco bispos, e que teve como pano de fundo o último Sínodo dos Bispos realizado sobre a realidade familiar, o arcebispo italiano apresentou o “processo de individualização”, nascido no quadro da crescente “cultura individualista”, como um fenómeno que “está a levar a sociedade para uma deriva patológica” num momento em que se vive um “delicadíssimo declive histórico”, uma “espécie de cova antropológica”.

O responsável do Vaticano alertou que “chega a ser normal, mesmo lógico, que numa cultura individualista se prefira a coabitação ao casamento, a independência individual à dependência recíproca”. “Cada um dos cônjuges pensa no outro em função de si mesmo. No matrimónio cada um procura a sua própria individualização, mais do que a criação de um «sujeito plural», que transcenda as individualidades para criar um «nós» que lida com a construção de um futuro comum. O ‘eu’, novo dono da realidade, torna-se senhor absoluto, inclusive no matrimónio e na família. A cultura exalta a tal ponto a noção de individualidade que chega a provocar uma verdadeira idolatria do ‘eu’”, lamentou.
Citando diversos estudiosos desta realidade como sociólogos, filósofos e psiquiatras contemporâneos, D. Vincenzo Paglia advertiu que “a convicção de estar juntos «para sempre» tem cada vez menos dignidade cultural, e mais ainda, se considera impossível”, alertando que “o «estar separados» converteu-se na estratégia principal para sobreviver nas megalópoles contemporâneas”. “A opção por estar sozinho significa que qualquer ligação comprometora é considerada como insuportável”, completou, considerando que o “desmoronamento das famílias tradicionais (pai-mãe-filhos)” e a “diminuição de matrimónios religiosos e civis” levou ao “crescimento de pessoas que optam por viver sozinhas” e “não se transformou na formação de outras formas de convivência”, como as uniões de facto ou os casamentos homossexuais. O orador defendeu que estas, entre outras “novas formas de vida e de experiência relacional” que são colocadas ao lado da família, embora “aparentemente compatíveis com ela”, a “estão a destruir”.

Como resultado desta realidade denunciou o “surgimento de uma espécie de circuito desencorajador” à formação de famílias que terá como consequência uma “sociedade desfamiliarizada”, constituída por “pessoas sozinhas que se se unem, fazem-no sem qualquer tipo de compromisso a longo prazo” porque “a exaltação absoluta do indivíduo leva à desintegração dos laços minimamente estáveis e duradouros”. “Tal cultura individualista implica o enfraquecimento de todo o vínculo e torna incerto o presente e o futuro, tanto nos indivíduos como da sociedade”, explicou o presidente do Conselho Pontifício para a Família, referindo-se ao conceito de «sociedade líquida» na qual “também o amor é «líquido»” e à “ditadura súbtil do individualismo” como um “poder invisível que destrói afetos, laços e responsabilidades”. “E se nas profundidades da alma humana existe um forte desejo de estabilidade, este é arrancado logo que desponta”, acrescentou, considerando que a globalização contemporânea – “onde aquilo que se globaliza é o mercado e o individualismo, duas dimensões que se ligam perfeitamente entre si” –, “transfere esta tendência para um nível planetário”.
Alertando que o “engano” da “autonomia absoluta da pessoa” resulta de “ideologias fáceis”, considerando “a última delas, a chamada revolução sexual”, como “uma das mais perniciosas”, D. Vincenzo Paglia frisou que a família se converteu no “obstáculo maior para travar um individualismo desenfreado”. “A família, fundamento do plano de Deus para a humanidade, tornou-se pedra de tropeço do individualismo, portanto tem, no mínimo, de ser rejeitada, ou inclusive, destruída”, afirmou, lembrando que “a família continua a ser o caminho privilegiado para a plena humanização daqueles que nascem, o caminho que pode evitar os excessos desumanos de uma sociedade hiper-técnica e hiper-individualista”.