Padre Miguel Neto

Nos últimos dias temos assistido à intensa discussão que envolve o Reino Unido e que o abala, bem como à Europa, com uma das mais dramáticas crises dos últimos anos: o Brexit.

Na verdade, a Inglaterra teve sempre, ao longo da história, vários momentos de afirmação, que fizeram com que colidisse com os demais países. Não olhando ao mérito que fundamentava as suas razões, tomemos como exemplo a crise gerada pela “Guerra dos 100 Anos” (1337-1453), que dividiu a Europa num conflito sangrento, que tinha como objetivo definir a sucessão ao trono francês. O Reino Unido tinha aliados e a França também e a divisão foi radical e marcou o pensamento não apenas daquela época, mas até ao presente, tendo redefinido o mapa europeu e acabado definitivamente com a ligação inglesa ao território físico europeu.

Outro exemplo, que nos envolveu diretamente a nós, portugueses, deu-se já no século XIX, com o famoso “Mapa Cor-de-rosa” e o “Ultimato”. Henrique de Barros Gomes, que era à época Ministro dos Negócios Estrangeiros da coroa portuguesa, procurou que se pudesse comprovar que uma série de territórios africanos (entre Angola e Moçambique, nos quais hoje se situam a Zâmbia, o Zimbábue e o Maláui) seriam pertença nacional, de modo a que Portugal dispusesse de uma faixa de território em África que ligasse o continente aos dois oceanos, Atlântico e Índico. Ora, o reino Unido pretendia fazer o mesmo, mas criando uma faixa de territórios que permitissem a ligação entre o Egipto à Africa do Sul (suas colónias, nessa altura) e isso levou ao “Ultimato”, que deixou Portugal profundamente embaraçado perante todos os demais países, pois a 11 de janeiro de 1890 foi exigida a retirada de toda a zona disputada sob pena de serem cortadas as relações diplomáticas. Portugal protestou mas seguiu-se a inevitável cedência e recuo, que durante anos marcou a vida política portuguesa.

E até poderíamos brincar com a religião, pois mesmo nesse aspeto, os britânicos tinham de ser únicos e diferentes, separando-se da Igreja Católica, mas não sendo parte das grandes famílias de movimentos protestantes, geradas pelo Calvinismo e pelo Luteranismo. Cristão, diferentes, únicos.

Na verdade, os britânicos podem não se entender entre eles, mas não querem que ninguém de fora mande neles. Tipicamente Inglês. Com um forte sentido saudavelmente patriótico, o seu país é sempre o melhor.

Neste momento e face ao Brexit, não sabem o que querem, mas sabem o que não querem. Não querem pertencer a uma comunidade europeia que acham que escraviza com regras económicas que ninguém conseguir cumprir e não querem que a governação do país aconteça de fora para dentro, com a União Europeia, “em Bruxelas”, a ditar leis e regras para os que vivem em Londres e arredores.

No entanto – e esse é o facto que a todos preocupa, senão vejam o que têm dito os líderes europeus nos últimos dias -, a dimensão da saída da Grã-Bretanha da União Europeia, através do Brexit, afetará toda a estrutura comunitária, que verá várias portas e janelas escancaradas para mais saídas e abre-se caminho para o fortalecimento de uma série de nacionalismos europeus que podem desembocar numa fragmentação nacionalista do nosso continente. Para de além disso, o próprio Reino Unido pode, com esta decisão, estar a determinar a mais que provável independência da Escócia.

E como fica esta União Europeia com a saída de uma grande democracia a de referência?… Uma União Europeia sem o Reino Unido é uma União Europeia menos democrata e com uma tendência nefasta para os nacionalismos extremistas, que não apenas desejam acabar com esta instituição, como com a Democracia, que é a base da Europa. E neste impasse entre sair com vontade de ficar, ou ficar com vontade de sair, corremos o risco de ver muitas relações (comerciais, diplomáticas, etc.) estagnarem, ou pior, desfalecerem, impedindo que a vida de muitos siga com normalidade e com segurança.