Ao olharmos para os doze anos do pontificado de Francisco, percebemos um legado marcado por transformações e uma visão renovada da Igreja e do seu papel no mundo contemporâneo. Desde a sua eleição em 2013, Jorge Mário Bergoglio trouxe consigo o espírito de São Francisco de Assis, cujo nome adotou, simbolizando sua dedicação à humildade, simplicidade e proximidade com os pobres e marginalizados.
O “Papa das periferias”, como ficou conhecido, promoveu uma Igreja em saída, convocando os fiéis a abandonarem zonas de conforto, para irem ao encontro dos que sofrem. O seu pontificado caracterizou-se pelo diálogo constante com as realidades mais dolorosas da sociedade, desde as favelas de Buenos Aires, às zonas de guerra e campos de refugiados.
Uma das maiores contribuições de Francisco foi a sua insistência na misericórdia como valor central da fé cristã. Com a proclamação do Ano da Misericórdia em 2015-2016, convidou a Igreja a ser um “hospital de campanha”, que acolhe e cura feridas, rejeitando uma postura de juiz, que apenas condena. Esta visão refletiu-se em abordagens pastorais mais inclusivas, reconhecendo a complexidade das situações humanas e a necessidade de acompanhamento, mais que de julgamento.
No campo da ecologia, sua encíclica “Laudato Si'” (2015) representou um marco histórico, conectando a crise ambiental à crise social e propondo a “ecologia integral” como resposta. Francisco denunciou o paradigma tecnocrático dominante e a cultura do descarte, defendendo uma conversão ecológica, que reconhece nossa responsabilidade pelo cuidado da “casa comum”.
Internamente, buscou reformar a Cúria Romana, combatendo a corrupção financeira e os abusos de poder. A sua abordagem foi marcada pela descentralização, conferindo maior responsabilidade às conferências episcopais locais e promovendo uma Igreja mais sinodal, onde todos têm voz.
Nos gestos, Francisco impressionou o mundo com sua simplicidade: renunciou ao apartamento papal, usou carros modestos e lavou os pés de prisioneiros, mulheres e refugiados, na tradicional cerimónia da Quinta-feira Santa. Esses símbolos comunicaram mais que muitos discursos, revelando uma Igreja que serve, em vez de buscar privilégios.
No campo social, denunciou constantemente a “economia que mata” e a globalização da indiferença. Defendeu a dignidade dos migrantes, num mundo cada vez mais hostil aos deslocados, lembrando que “não se trata apenas de migrantes, mas da nossa humanidade”.
O diálogo ecuménico e interreligioso também avançou significativamente sob seu pontificado. Encontrou-se com líderes ortodoxos, protestantes, judeus e muçulmanos, encontros esses que construíram pontes de fraternidade, em tempos de polarização.
Francisco enfrentou resistências tanto externas, quanto internas à Igreja, mas manteve-se fiel à sua visão de que esta deve ser pobre e para os pobres. Como lembra D. Manuel Neto Quintas no comunicado da Diocese do Algarve, o seu legado chama-nos a “sermos fiéis herdeiros, capazes de pôr em prática a missão dos batizados” como evangelizadores e “bons samaritanos”.
Ao deixar este mundo, a 21 de abril de 2025, Francisco deixa uma Igreja mais consciente de sua missão de acolhimento universal, como ele mesmo costumava dizer: “todos, todos, todos”. Esta sua herança perdurará como um convite constante a redescobrir a essência do Evangelho: o amor concreto que se manifesta na fraternidade, na integração das periferias e no cuidado com nossa casa comum.